Santiago Chamorro, presidente da GM no Brasil: o serviço de carro compartilhado está em teste na Grande São Paulo (Germano Luders/Exame)
Da Redação
Publicado em 25 de julho de 2016 às 17h42.
São Paulo — Em abril, durante uma teleconferência com analistas de mercado, a presidente mundial da montadora General Motors, a americana Mary Barra, foi questionada sobre os grandes investimentos que tem feito em áreas nada convencionais para uma fabricante de automóveis.
No primeiro trimestre, a montadora injetou meio bilhão de dólares no Lyft, o maior rival do aplicativo de transporte Uber nos Estados Unidos. A terceira maior fabricante de veículos no mundo, dona da marca Chevrolet no Brasil, também criou uma unidade de negócios chamada Maven.
O objetivo é entrar no segmento dos carros compartilhados — um serviço de aluguel de veículos por poucas horas para que os usuários possam fazer trajetos curtos em cidades. Investir num projeto para que as pessoas dividam um mesmo carro pode parecer um tiro no próprio pé para uma montadora.
Pesquisas indicam que um único veículo compartilhado substitui a aquisição de nove a 13 carros. Parece um paradoxo. Parece, mas não é. Os últimos movimentos da GM estão em linha com a decisão de outras montadoras e comprovam que o modelo de negócios de todo o setor está passando por uma transformação histórica.
As montadoras se deram conta de que, para manter a importância no setor de transporte, não podem brigar com a realidade. “Nossa relação com o consumidor tem de ser feita da maneira como ele quiser: seja pelo modelo de venda tradicional, seja por um aplicativo de transporte ou por um serviço de carros compartilhados”, disse Mary Barra aos analistas.
As duas principais causas dessa transformação são avanços na área da tecnologia e mudanças de comportamento de uma parcela da população. A proliferação de smartphones, com seus aplicativos e GPS, facilitou e tornou barato unir, de um lado, consumidores e, de outro, carros guiados por motoristas autônomos, como os do Uber, ou automóveis disponíveis para aluguel.
“Os executivos das montadoras já têm consciência de que os veículos serão cada vez mais usados de forma diferente nos centros urbanos”, diz Susan Shaheen, pesquisadora na Universidade da Califórnia e uma das maiores especialistas em compartilhamento.
Essa proliferação na oferta de serviços de transporte acontece justamente num momento em que jovens de vários países simplesmente deixaram de se interessar pela compra de um carro. O custo com combustível, estacionamento, impostos, depreciação e manutenção deixou de fazer sentido para uma parcela da população.
No Reino Unido, um terço das famílias jovens (com até 34 anos) não tem veículo em casa — um aumento de 20% em 18 anos. A tendência também é vista nos Estados Unidos, onde a proporção de jovens de até 19 anos que têm carteira de motorista caiu de 87%, em 1983, para 69%, em 2010. “A compra de um automóvel sempre esteve ligada a uma mudança no estilo de vida — o primeiro emprego, o primeiro filho.
Hoje há alternativas ao carro próprio”, diz Scott Le Vine, professor na Universidade Imperial College, em Londres, e um dos principais pesquisadores nessa área. Ao lançar o serviço de compartilhamento, a GM mostrou que está decidida a brigar pela liderança. O Maven já opera em cidades americanas, como Detroit e Chicago, e deverá chegar a mais locais neste ano, como Boston e Washington.
Em Nova York, os carros estão disponíveis para moradores de condomínios residenciais. “Tínhamos duas opções: ignorar essa tendência ou usar nossas vantagens competitivas para lançar um negócio próprio. Escolhemos a segunda”, diz Julia Steyn, vice-presidente da GM que lidera o Maven. Fora dos Estados Unidos, o Brasil é o primeiro mercado a ter o serviço, ainda que de forma experimental.
No início de abril, a empresa lançou um piloto do Maven em sua fábrica em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo. Sete veículos ficam à disposição dos funcionários e podem ser alugados por meio de um aplicativo. O custo é bastante competitivo em relação ao preço do Uber ou de um táxi. Uma hora custa 35 reais. Quem quiser o carro por um dia inteiro desembolsará 210 reais.
Em dois meses, cerca de 200 pessoas se cadastraram e fizeram 113 viagens. “O primeiro objetivo é entender como o modelo de carro compartilhado funciona”, diz Santiago Chamorro, presidente da GM no Brasil. “O próximo passo é ter um projeto em um condomínio, como em Nova York. Depois levá-lo para uma cidade.”
O público-alvo de Chamorro é gente como Thiago Miqueias, de 31 anos, dono de uma empresa de software em São Paulo. Miqueias decidiu vender o carro há quatro anos depois de perceber que gastaria menos se usasse outros meios de transporte. Hoje, ele se locomove apenas de táxi, Uber ou transporte público.
E, quando tem vários compromissos durante o dia, aluga um carro compartilhado da startup local Zazcar, a única a oferecer o serviço no Brasil nos mesmos moldes do Maven. A Fleety, outra startup brasileira do segmento, tem um modelo diferente. Não investe numa frota própria de carros. Une proprietários interessados em alugar a pessoas em busca de um automóvel.
Atualmente conta com cerca de 5 000 carros cadastrados em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis. “No início, havia quem duvidasse que o modelo daria certo no Brasil. Até agora estamos provando que há demanda”, afirma André Marim, fundador da startup.
Por enquanto, os serviços de carro compartilhado são um nicho. De 2010 a 2014, cresceram quase cinco vezes no mundo, mas atingem apenas 4,8 milhões de usuários. A expectativa, porém, é que esse número não pare de crescer.
A consultoria americana McKinsey fez a seguinte previsão para 2030: os serviços tecnológicos — que, além de compartilhamento, incluem a venda de aplicativos para as centrais multimídia dos automóveis — serão responsáveis por uma receita de 1,5 trilhão de dólares daqui a 14 anos, mais de 20% do total do setor. É mais da metade do que as empresas ganham atualmente com a venda de veículos.
Com exceção da China, a expectativa é que os maiores mercados de carros do mundo, como Estados Unidos, Japão e Alemanha, tenham taxas de crescimento baixas nos próximos anos.
“As pessoas vão continuar comprando automóveis, mas, nas cidades, elas vão olhar para o carro muito mais como um serviço do que um bem”, diz Nat Parker, diretor executivo responsável pela área de novos negócios da Daimler, dona da marca Mercedes-Benz. A Daimler foi a primeira montadora do mundo a criar um serviço de carros compartilhados, chamado Car2Go.
Lançado em 2008 na Alemanha, hoje está disponível em 29 cidades espalhadas por Europa, Estados Unidos e Canadá. No ano passado, o Car2Go tornou-se o líder desse segmento no mundo, com mais de 1 milhão de usuários. Em maio de 2015, a montadora americana Ford lançou um serviço de compartilhamento em Londres chamado GoDrive, com 50 carros.
“Não sabemos quanto esses novos serviços vão representar da receita total no futuro, mas apostamos que será uma parte significativa”, diz Ken Washington, vice-presidente de pesquisa e engenharia avançada da montadora.
Um estudo recente encomendado pela Ford em cinco países (Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido) mostra que quase metade dos jovens de 16 a 34 anos se diz aberta à ideia de alugar um carro por períodos curtos.
Em março, a companhia criou nos Estados Unidos uma subsidiária chamada Ford Smart Mobility, exatamente para desenvolver novos negócios na área de mobilidade — não há planos de lançar novos serviços no mercado brasileiro. A maior parte dos analistas concorda que o que estamos vendo atualmente é apenas o trailer do que está por vir.
A grande aposta é que os serviços de compartilhamento vão ganhar força com a popularização dos carros autônomos — algo previsto para acontecer em 2025, na estimativa do banco americano Goldman Sachs. Se as previsões estiverem certas, carros de aluguel sem motorista vão invadir as ruas e estarão disponíveis quase imediatamente para quem quiser chegar a outro ponto da cidade.
O projeto de automóvel autônomo do Google é um dos mais avançados e ganhou um parceiro importante: a montadora Fiat Chrysler. As duas empresas vão produzir 100 minivans autônomas até o fim deste ano para aumentar a frota de testes em cidades americanas.
“Definir um modelo de negócios agora é essencial para atender à demanda de transporte mais adiante”, afirma Jeremy Carlson, da consultoria americana IHS Automotive. Futurista demais? Talvez.
Mas quem aprendeu a dirigir na década de 80 em um carro popular que não contava com ar-condicionado, direção hidráulica, airbag, freios ABS, câmbio automático, GPS e nenhum sistema de som além do toca-fitas sabe que o avanço das últimas décadas foi grande. As montadoras se preparam para dar o próximo salto.