Funcionários da distribuidora de energia EDP: as tarefas repetitivas ficaram com os robôs | Germano Lüders /
Da Redação
Publicado em 10 de maio de 2018 às 05h23.
Última atualização em 10 de maio de 2018 às 05h23.
Ao longo dos últimos 12 meses, os executivos da distribuidora de energia EDP delegaram a execução de 47 tarefas do escritório para um novo time que trabalha 24 horas, sete dias por semana. A jornada sobre-humana, claro, não é realizada por funcionários de carne e osso — mas, sim, por robôs. Na prática, trata-se de uma equipe virtual. São softwares capazes de cumprir funções repetitivas, como calcular e emitir guias para pagamento de tributos, e outras atividades burocráticas. Na EDP, o primeiro desses softwares foi instalado em fevereiro de 2017, com o auxílio da consultoria americana EY, para realizar uma função relacionada ao pagamento de taxas em cerca de 40 municípios em que a empresa atua.
Após o teste, foi criado um centro responsável por desenvolver novos robôs. Até dezembro, 100 tarefas deverão ser cumpridas por esses superfuncionários. Esse exército incansável substituiu parte do trabalho de 35 funcionários, que ganharam produtividade. Alguns deles assumiram atividades completamente novas na companhia. Como resultado, 36.000 horas de trabalho foram economizadas até o momento. “Com a tecnologia conseguimos mais produtividade, funcionários menos exaustos por executar tarefas repetitivas e, assim, mais aptos a pensar em melhorias no negócio”, diz Miguel Setas, presidente da EDP.
Um levantamento global realizado pela consultoria Accenture com 1.200 presidentes de grandes empresas estima que as companhias dedicadas a ganhar eficiência por meio de automação poderão gerar um crescimento das receitas de até 38% entre 2018 e 2022. A lógica está em direcionar o tempo dos funcionários para a execução de tarefas nas quais as pessoas são insubstituíveis, como inovação e processos produtivos. O avanço dos robôs capazes de realizar tarefas administrativas, a exemplo do que já aconteceu décadas atrás com as fábricas, é considerado um caminho sem volta.
Projeções indicam a dimensão da mudança que virá pela frente. Cerca de metade das tarefas realizadas na economia global — mais de 2.000 atividades executadas em 800 ocupações — poderia hoje ser automatizada por tecnologias existentes, embora não necessariamente já colocadas em prática, segundo a consultoria McKinsey. “As empresas precisam mapear as oportunidades de transformação nos escritórios, assim como já fazem há tantos anos na indústria”, diz Yran Dias, sócio da McKinsey.
A transição terá impacto direto na vida de milhões de trabalhadores no mundo. Estimativas apontam que cerca de 400 milhões de profissionais terão de buscar uma nova qualificação até 2030 — em países como os Estados Unidos, o índice chega a 32% da força de trabalho total. Por outro lado, cerca de 50 milhões de postos serão criados para a implementação das tecnologias. Para os funcionários das empresas que já começam a automatizar processos, essa transição se impôs.
No banco Bradesco, a mudança impactou a rotina de quem trabalhava no antigo call center para tirar dúvidas dos funcionários das agências. Num processo que durou todo o primeiro semestre de 2017, os atendentes deram espaço a um serviço virtual, baseado no supercomputador de inteligência artificial Watson, da IBM. O ganho de produtividade foi enorme: um atendimento que levava, em média, 10 minutos agora é realizado em poucos segundos. Os 50 atendentes não perderam o emprego, embora o prognóstico não seja tão otimista na maioria dos casos. Eles foram ensinados a “treinar” a ferramenta. Ou seja, a calibrar a máquina para que as respostas sejam cada vez mais eficientes e precisas, e mais parecidas com uma conversa real. É uma tarefa contínua até que o sistema atinja o nível de satisfação almejado, perto de 100%.
Hoje ainda está em torno de 80%. A medida para melhorar é a avaliação feita pelos bancários, que dão uma nota de zero a 5 ao atendimento recebido. “Os profissionais tiveram de aprender a programar e a inserir as perguntas e as respostas dos mais diversos modos para permitir que o sistema funcione da maneira mais próxima possível de um atendimento humano”, diz Luca Cavalcanti, diretor executivo de canais digitais e inovação do Bradesco.
Na EDP, 20 dos funcionários que tiveram parte de suas funções realizadas por uma máquina há cerca de um ano foram convidados a participar de um treinamento interno durante dois meses. Ao final, o time composto de profissionais com formações variadas, como contabilidade e engenharia, teve de ajudar a produzir e a entregar um novo robô. Os cinco integrantes com melhor desempenho passaram a compor a recém-criada área responsável pela avaliação dos robôs já existentes e pelo desenvolvimento dos novos. Os demais continuaram a executar as tarefas que já cumpriam e não foram substituídos por softwares.
Nem sempre a chegada de um colega robô significa ter de mudar de função. No caso da distribuidora de energia CPFL, os funcionários nessa situação tiveram uma bem-vinda redução das horas extras. A companhia passou a organizar a robotização de áreas administrativas em agosto de 2017. Até agora, oito robôs foram criados — a maior parte na área financeira. Nesse departamento, enquanto uma equipe levava 160 horas para pagar 2 500 boletos, o software faz a mesma tarefa em 3 horas. Como resultado, as horas extras dos funcionários dedicados a essa atividade foram zeradas.
Da mesma forma, na fabricante de cosméticos Natura, as consultoras conseguem renegociar suas dívidas por meio de um aplicativo, numa função criada pela empresa em agosto de 2016. Com dois cliques, elas verificam suas pendências e recebem opções de renegociação, à vista ou em parcelas. A decisão do que oferecer a cada uma delas é tomada por um software com inteligência artificial que analisa todo o histórico da consultora em poucos segundos. Antes, a informação era repassada por um atendente de call center que levava em torno de 20 minutos para resolver o problema. Desse modo, as chamadas para renegociação caíram pela metade. Os funcionários de atendimento ganharam produtividade para resolver questões já conhecidas e outras novas, como as necessidades das líderes de consultoras, categoria criada no final de 2017.
Com base na primeira experiência bem-sucedida, a tendência é que a automação se espalhe por diversas áreas. Na empresa de agronegócio Bunge, por exemplo, o desenvolvimento do primeiro robô levou cerca de seis meses. Mas, desde que começou a operar, em junho de 2017, outros 29 foram criados. Parte da programação pôde ser reaproveitada. “Se dois softwares vão entrar num site para baixar arquivos e depois executar ações diferentes, a etapa inicial do desenvolvimento pode ser igual”, diz Cristiano Alcantara, diretor do centro de serviços compartilhados da Bunge. Outros 40 processos deverão estar automatizados até dezembro. A próxima fronteira é ampliar a investida em robôs de terceira geração, capazes de tomar decisões.
Há quem acredite na possibilidade futura de um robô assumir as funções de presidente de empresa, como já declarou Jack Ma, fundador e presidente do site de comércio eletrônico chinês Alibaba. A realidade, no entanto, ainda orbita ao redor de decisões bem mais simples. A distribuidora EDP, por exemplo, dedicou 8 milhões de reais ao desenvolvimento de um software capaz de detectar em tempo real onde há consumo irregular de energia e decidir se corta ou não o fornecimento, algo que hoje depende de um veredito humano. Se tudo der certo, o sistema começará a funcionar em setembro. A invasão dos robôs, como se vê, está só começando.