Abertura de capital da Redecard: minoritários em pânico (Divulgação/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 3 de maio de 2012 às 06h08.
São Paulo - Empresas vão à bolsa, empresas saem da bolsa — mas a forma com que acontece uma coisa ou outra ajuda a medir a quantas anda a saúde do mercado de capitais de um país. Pois a história recente da Bovespa deu a investidores e reguladores sinais de que algo pode estar errado.
Como se sabe, o Itaú vem tentando fechar o capital da processadora de cartões Redecard, de que é controlador. Até aí, tudo normal: a regra prevê que o Itaú faça uma oferta aos minoritários, que dizem se aceitam ou não o preço proposto.
O que deixou alguns de cabelo em pé foi o que Itaú prometeu fazer caso os acionistas da Redecard não aceitassem sua oferta: o banco tiraria a Redecard do Novo Mercado, segmento da Bovespa em que estão as empresas com níveis mais altos de governança corporativa.
Os acionistas entraram em pânico, já que um eventual adeus ao Novo Mercado seria claramente nocivo aos seus interesses. Estrangeiros, achando que o Itaú jogara pesado demais, enviaram cartas à Bovespa e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Em abril, o Itaú acabou recuando da ameaça (agora, o banco diz que pode vender suas ações caso a oferta fracasse). Mas o trauma ficou — até porque a Camargo Corrêa fez ameaça idêntica na proposta de fechamento de capital de seu braço de construção, a CCDI.
A perspectiva de que as empresas possam simplesmente se mandar do Novo Mercado ao bel-prazer do controlador é mesmo de deixar os investidores ressabiados.
Quando foi lançado, em dezembro de 2000, o Novo Mercado, inspirado no modelo do Neuer Markt alemão, trouxe mudanças significativas para a bolsa de valores no Brasil — como a extinção de papéis preferenciais (o que faz com que todos os acionistas tenham os mesmos direitos) e o piso de 25% para a quantidade de ações em circulação.
Foi uma resposta da Bovespa à percepção de que a bolsa brasileira era um faroeste em que controladores não hesitavam em passar a perna nos minoritários à primeira oportunidade (o que deu origem à hoje clássica expressão “minorotários”). Foi um inegável sucesso.
Hoje, 126 empresas estão listadas no Novo Mercado, o que representa cerca de 30% do valor de mercado da Bovespa. Em tese, as ações dessas empresas são negociadas a valores um pouco maiores que as de seus pares — ou seja, os investidores pagam mais justamente por confiarem nas bases sobre as quais o Novo Mercado foi construído.
Quando uma empresa diz que quer sair apenas por um capricho do controlador, o alerta vermelho acende: estaria o novo ganhando cheiro de velho? “Os problemas de hoje não são mais os mesmos que os de há 12 anos, quando o Novo Mercado foi criado”, diz Maria Helena Santana, presidente da CVM. “Seria interessante pensar em novas regras.”
Reguladores e mercado vivem, desde que o mundo é mundo, uma briga de gato e rato. Cria-se uma regra e, tempos depois, aparece alguma “inovação” que acaba a desvirtuando — mesmo que dentro da lei. Não seria diferente com o Novo Mercado. Para investidores ouvidos por EXAME, de 2000 para cá, o mercado evoluiu, e as empresas souberam se aproveitar das brechas em seu benefício.
A ameaça de adeus ao Novo Mercado, caso os minoritários não aprovem uma oferta de fechamento de capital, é uma delas — manter aberta às empresas a possibilidade de deixar o Novo Mercado foi uma forma de não engessá-lo; a ideia certamente não era que o controlador a usasse como instrumento de pressão.
“As pessoas têm de parar de achar que o Novo Mercado protege contra maldades”, diz o presidente de um banco de investimento que pediu para não ser identificado.
Um dos grandes benefícios do Novo Mercado para os minoritários é a garantia de pagamento de 100% de tag along — ou seja, em caso de troca de controle, o comprador tem de estender a oferta aos demais acionistas. O problema é que nem sempre é preciso adquirir mais de 50% de uma empresa para ser dono dela.
O comprador pode entrar no bloco de controle comprando 20% ou 30% do capital. E aí não há uma regra clara para definir quando os minoritários têm o direito de receber o tag along. O que a CVM tem feito é julgar caso a caso. “Essa é a mudança mais necessária.
Deveria existir um parâmetro mais objetivo para os investidores”, diz Armínio Fraga, sócio da gestora de recursos Gávea Investimentos e presidente do conselho de administração da BM&F Bovespa.
Alguns se aproveitam dessa brecha para alegar, no caso de compra, que houve apenas aumento de capital, e não uma alteração no controle da empresa. O caso mais recente foi a oferta que o grupo de energia Cosan fez em fevereiro para adquirir 5,67% do total das ações da ALL.
Pagou cerca de 900 milhões de reais e, assim, passou a integrar o bloco de controle da maior companhia de logística do país. Os minoritários ficaram na mão. A empresa diz que não houve mudança no controle, e a Associação dos Investidores de Mercado de Capitais (Amec) estuda o caso para se manifestar.
Em setembro de 2008, a incorporadora Gafisa usou o mesmo argumento ao comprar a concorrente Tenda: como adquiriu só 30% do capital, não pagou o tag along, e a CVM concordou. Discussões legais à parte, o fato é que aquela que era a maior e mais cristalina promessa do Novo Mercado virou assunto para os advogados mais caros do país — o que não pode ser bom.
A BM&F Bovespa, é verdade, já tentou mudar essa situação. Em 2010, perguntou às empresas do Novo Mercado se concordariam em definir que uma oferta de compra por mais de 30% do capital deveria desencadear uma proposta de aquisição pelo mesmo valor dos papéis de todos os acionistas.
Elas recusaram. Há outras propostas de alteração sendo discutidas. Quando uma empresa decide fechar o capital, ela oferece um preço para as ações e contrata um banco para fazer um laudo independente sobre o valor justo da empresa. Na prática, os minoritários nem sempre aceitam as contas apresentadas pelos bancos. Agora, discute-se uma maior regulação desse tipo de laudo.
Também estão em análise a restrição de adesão de companhias com pendências judiciais ou tributárias no Novo Mercado (uma espécie de “ficha limpa” das empresas) e o aumento no número de conselheiros independentes.
Claro, o mercado de capitais não deve ser uma ditadura dos minoritários — os homens e as mulheres que arriscam seu patrimônio para criar empresas e as controlam não são, afinal de contas, inimigos do capitalismo, muito pelo contrário. Talvez discutir regras mais claras, que nivelem o terreno, seja o correto. Deu certo há 12 anos. Não há por que não dar certo de novo.