O tribunal de Porto Alegre em ação: infelizmente, nem todos os problemas do Brasil podem ser resolvidos por magistrados iluminados (Sylvio Sirangelo/TRF4/Divulgação)
J.R. Guzzo
Publicado em 1 de fevereiro de 2018 às 05h00.
Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h53.
O Brasil seria um país feliz se seus problemas, ou a parte mais importante deles, pudessem ser resolvidos por uma decisão iluminada de três magistrados da cidade de Porto Alegre. Infelizmente não é assim. Nada, no Brasil e no resto do mundo, pode se transformar de ruim em bom por um ato administrativo. Mas três, ou dois, ou mesmo um só funcionário, colocados numa engrenagem decisiva da máquina pública podem produzir desastres capazes de custar os olhos da cara para 200 milhões de brasileiros. Como nos ensina Shakespeare, nas palavras de Marco Antônio no funeral de César, o bem que um homem faz desaparece junto com seu corpo; mas o mal produzido pelos atos de sua vida está fadado a permanecer conosco por muito e muito tempo.
No caso da decisão do Tribunal Federal Regional da 4a Região, de Porto Alegre, o bem está na cara — os juízes confirmaram a sentença que condenou o ex-presidente Lula pela prática de corrupção e aumentaram sua pena de nove para 12 anos de cadeia. Isso livra o Brasil, no momento imediato, de uma calamidade em construção. Dessa nos safamos, pelo menos por enquanto, e já está muito bom que seja assim. Mas, como o bem mencionado por Marco Antônio costuma ter vida breve, a decisão do TRF4 já estará atrás de nós daqui a alguns dias. Logo voltará a hora de olhar para o presente — e o presente é uma complicação de primeiríssima classe. Com ou sem o ex-presidente no primeiro plano da cena política real, aquela que levará à eleição do próximo presidente da República, o Brasil está quebrado — em grande parte, aliás, pela ação direta do próprio Lula.
Duplamente quebrado: a Previdência Social está igualmente à beira da insolvência. Daqui até o momento de começarem a ser suspensos os pagamentos disso ou daquilo, como já aconteceu, por exemplo, no estado do Rio de Janeiro, alguma saída terá de ser articulada — inclusive porque há, já roncando na porta, a questão do orçamento do próximo ano, um quebra-cabeça legal e constitucional até agora cercado pelos mais diversos tipos de dúvida. Isso tudo com eleições presidenciais a praticamente oito meses de distância — janeiro já foi, e fevereiro, com o pré-Carnaval, o Carnaval e o pós-Carnaval, está indo. A esperança, aí, está no fato de termos no Brasil de hoje um governo bipolar. Nos tempos da ex-presidente Dilma Rousseff havia a infeliz circunstância de que tínhamos também dois polos, só que os dois eram ruins ao mesmo tempo — ou os três, quatro, 12, ou quantos houvesse. Hoje já não é assim.
O governo Michel Temer pode ser lido como o clássico O Médico e o Monstro — mas, pelo menos, há o médico, quando antes só havia o monstro. Temos, assim, um bondoso Dr. Jeckyll, que desfaz, na medida do possível, as calamidades produzidas diariamente pelo infame Mr. Hyde. Nem é preciso explicar quem é quem. O médico é a equipe econômica, que conseguiu botar de pé os números de inflação, juros, produção, investimento e outros resultados meritórios que estão aí. O monstro é o resto do governo Temer. A presença diária do Dr. Jeckyll na administração evita, com certeza, os cataclismos que Mr. Hyde procura provocar, o tempo todo, com a obsessão dos maníacos — são coisas que superam o alcance de nossa imaginação. A esperança é que o desempenho da porção sadia do governo seja suficiente para segurar o conjunto da obra.
Os juízes do TRF4, como assinalado, não podem ajudar o Brasil, neste momento, a desenrolar a pavorosa maçaroca de desvarios que envenenam o funcionamento da máquina pública — e é produto não de um instante exótico, mas de anos e décadas de comportamento patológico por parte dos ocupantes de nossos governos em suas três esferas de poder. Mas, ao condenar Lula, suas pompas e obras por unânimes 3 a 0, sem deixar um milímetro de dúvida sobre as provas dos crimes cometidos, eles representam um notável respaldo para o Brasil que quer andar direito — e isso é fundamental para o trabalho da porção eficaz, racional e produtiva do governo. Melhor para todo mundo, salvo ele.