Notas de dólar (Patrick Lin/AFP)
Da Redação
Publicado em 8 de abril de 2011 às 17h58.
Um professor quer escrever um livro de matemática punk. Dois designers querem produzir um acessório para o novo iPhone. Uma produtora de games quer criar uma comunidade online para desenvolvedores de jogos. Um especialista em abrir fechaduras (não, não é um ladrão) quer lançar um kit para outros hackers aprenderem sua “arte”. Um autor com mais de 1,3 milhão de cópias vendidas quer transformar seu best-seller num filme. De gente com ideias o mundo está cheio, mas a diferença entre o querer e o poder, claro, é o dinheiro. Bem. Não para esse pessoal listado acima. Todos vão conseguir fazer o que querem graças ao Kickstarter, um site que mal completou um ano de vida e já é visto como o símbolo de um novo fenômeno da internet: o crowdfunding.
A ideia de pedir a colaboração dos outros não é nova na internet. A Wikipédia é feita assim. O YouTube e o Flickr, também. Mas o Kickstarter leva a ideia um pouco mais longe: as contribuições são feitas em dinheiro. O site, lançado pelos nova-iorquinos Perry Chen, Yancey Strickler e Charles Adler, é uma espécie de vaquinha virtual ou um mercado de mecenas digitais.
Quem tem um projeto criativo na cabeça e uma cifra necessária para colocá-lo de pé pode submeter a ideia ao Kickstarter. Se ela passar pelo crivo do trio — todos os descritos no começo desta reportagem foram aprovados —, pronto: é só esperar as doações dos estranhos. O modelo do Kickstarter é simples: o dono da ideia estabelece uma quantidade de dinheiro e um prazo, que geralmente não passa de três meses. Se alcançar o valor estipulado ou ultrapassá-lo, levará o dinheiro todo de uma vez. Se faltar um único dólar para chegar lá, não levará nada (os doadores só são debitados depois do prazo final).
As conversas com investidores iam de mal a pior, e o músico e diretor de cinema Steve Taylor já tinha dado como morta a ideia de adaptar para o cinema Blue Like Jazz (sem tradução no Brasil), do autor de livros religiosos Donald Miller. Dois fãs do livro sugeriram o Kickstarter e estabeleceram a meta de 125 000 dólares. “Eu não colocava muita fé na ideia”, diz Taylor. Deveria. Em pouco mais de um mês, o filme tinha arrecadado mais de 300 000 dólares, quantia que será igualada por um investidor privado. O filme vai sair. É pouco provável que um estudante de cinema conseguisse algo parecido para o seu primeiro filme. Como diz Chen, um dos fundadores do site, ter um nome de peso ligado ao projeto ajuda, e muito. Mas o modelo está provado.
Arrecadação
O Kickstarter já levantou mais de 20 milhões de dólares em doações para todo tipo de projeto (a empresa fica com 5%, e outros 3% fi cam com a Amazon, pelo serviço de intermediação financeira). Quem contribui para uma causa o faz apenas pelo prazer ou pelo reconhecimento: não é possível, por exemplo, ter uma participação na bilheteria de Blue Like Jazz. Os doadores ganham créditos como produtores associados e, acima de certa quantia, podem receber até uma visita do diretor para uma première exclusiva em casa.
Existem sites semelhantes, como o Sellaband, criado para financiar músicos independentes, mas o Kickstarter é sem dúvida o de maior sucesso. Um dos motivos é a variedade do cardápio. Schuyler Towne, um designer gráfico de Boston, conseguiu 87 000 dólares para fundar uma pequena empresa. Seu negócio? Abrir cadeados e fechaduras. Desvendar o segredo de fechaduras é uma subcultura que vem crescendo no mundo, inclusive no Brasil (Towne diz que já recebeu produtos Papaiz de amigos brasileiros), e guarda muitas semelhanças com o espírito dos hackers originais: as falhas expostas vão tornar as portas mais seguras. Com o dinheiro do Kickstarter, Towne largou o emprego em uma revista para começar o próprio negócio: fabricar as ferramentas para quem quer abrir fechaduras. “Agora vem a parte mais difícil, que é colocar a empresa de pé”, diz Towne. Como bem diz o nome Kickstarter, o dinheiro é apenas o pontapé inicial.