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Mary Kay e sua confraria do carro rosa avançam no Brasil

Com promessa de ganhos rápidos e incentivos nada convencionais, a americana Mary Kay vem conquistando uma legião de revendedoras de seus cosméticos no Brasil


	Vivian Montanaro, vendedora da Mary Kay: carro e viagens ao exterior
 (Germano Luders/Exame)

Vivian Montanaro, vendedora da Mary Kay: carro e viagens ao exterior (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 19 de fevereiro de 2016 às 04h56.

São Paulo — Ao se formar em nutrição, a paulista Vivian Montanaro, de 35 anos, imaginava ter achado a profissão de sua vida. Não foi bem assim. Após mais de uma década dedicada a dietas e cálculos nutricionais, ela largou tudo para viver em meio a batons e sombras da marca americana de vendas diretas Mary Kay.

Há um ano e meio ela decidiu abandonar o consultório para se tornar uma vendedora da empresa no Brasil. No caso da paulistana Adriana Tiba, de 40 anos, “consultora de beleza” da Mary Kay há cinco meses, o que ficou para trás foram 20 anos na área de contabilidade — os últimos quatro à frente da controladoria financeira da fabricante de ferramentas sueca Dormer Tools no Brasil.

São muitas as profissionais que, como Vivian e Adriana, sucumbiram aos encantos da Mary Kay e ajudaram a engrossar uma força de vendas que triplicou nos últimos três anos. Hoje são 440 000 mulheres em todo o país — cerca de 30% da força de vendas da líder Natura. Seus executivos não revelam o faturamento no Brasil. Estimativas do mercado apontam para algo entre 300 milhões e 500 milhões de reais.

O que a empresa afirma é que, graças a esse exército de mulheres, suas receitas por aqui cresceram 40% em 2015, enquanto o mercado de vendas diretas no país ficou estagnado. No mesmo período, as vendas de cosméticos encolheram 6% no país. Em 2014, a subsidiária brasileira, criada em 1998, tornou-se a terceira maior operação da companhia, atrás da chinesa e da matriz americana.

No mun­do, a companhia faturou 4 bilhões de dólares em 2014, 9% acima do ano ante­rior. Alguns fatores explicam o poder de atração da Mary Kay sobre Vivians e Adrianas. Um deles é o mesmo que outras empresas de venda direta oferecem: trabalho sem chefes e flexibili­dade de horário. “Tenho filhos e queria mais tempo para me dedicar à família”, afirma Adriana, a ex-controller.

Poucas empresas, no entanto, exploram esse chamariz como a Mary Kay. O lema criado nos anos 60 pela fundadora da marca, Mary Kay Ash, é exaustivamente repetido pela empresa: Deus, família e carreira. Mas, ainda que tempo livre para Deus e a família contem, o que mais faz brilhar os olhos dessas mulheres é, de fato, outra coisa.

Os ganhos das vendedoras chegam a 40% do valor do produto — acima dos 30% oferecidos por Natura e Avon. Além disso, a empresa se gaba por distribuir bônus em dinheiro e prêmios às que mais vendem e também às que agregam novos revendedores à marca. É um modelo similar ao seguido por outras empresas de venda direta, como as americanas Amway e Herbalife.

Mas sem paralelo no mercado de cosméticos brasileiro. No caso da Mary Kay, a empresa paga às consultoras com equipe até 12% do valor das vendas de suas convertidas. Os ganhos, porém, não são ilimitados: cada consultora recebe bonificações até a terceira geração de recrutadas, que, por sua vez, devem se esforçar para formar o próprio grupo.

Ao contrário do que fazem concorrentes tradicionais, a Mary Kay propõe o que chama de um plano de carreira para as vendedoras, com 16 níveis, de acordo com os resultados.

As promoções são anunciadas no evento anual da companhia, que reúne quase 20 000 de suas revendedoras, com direito a coroação de rainhas e princesas (respectivamente, a primeira e a segunda colocada em vendas em categorias de senioridade) e depoimentos de revendedoras que ganham até 200 000 reais por mês.

O clímax desses encontros é a entrega de prêmios, como viagens internacionais e carrões cor-de-rosa. Na versão americana, as melhores revendedoras recebem um Cadillac. No Brasil, o modelo atualmente distribuí­do é o Cruze, da Chevrolet. Cerca de 1.100 carros já foram distribuídos no Brasil. “Não há limites para a distribuição desses prêmios”, afirma Shana Peixoto, diretora de marketing da Mary Kay no Brasil.

“Temos para todas que os conquistarem.” De acordo com a empresa, 375 milhões de reais foram investidos em bônus, prêmios e eventos pomposos para as vendedoras só no ano passado.

Trata-se de uma cifra considerada alta, que especialistas e concorrentes julgam incompatível com as receitas da empresa no Brasil, a despeito de ser unânimes em afirmar que os investimentos nas consultoras são a principal explicação para o crescimento da Mary Kay no país. Vivian, a ex-nutricionista, já subiu ao palco várias vezes como uma das contempladas.

“Abracei a oportunidade e não paro de receber reconhecimentos da empresa por isso”, diz, hoje à frente de uma rede de 170 vendedoras. Ela circula pela ci­dade de São Paulo a bordo de um Chevrolet Cruze rosa-bebê, que poderá usar enquanto mantiver seu nível de vendas, e acaba de ganhar viagens para Las Vegas e Los Angeles.

Também diferentemente do que acontece no mercado, a empresa incentiva que as vendedoras independentes sigam certas táticas de venda, ensinadas à exaustão em vídeos e reuniões com revendedoras experientes. São as chamadas “sessões de beleza”, encontros dedicados a mostrar e aplicar os produtos da marca nas clientes. A tática a partir daí segue um esquema chamado de “2x2x2”.

Explica-se: dois dias após a venda, uma ligação é feita para verificar se a cliente tem dúvidas sobre o produto. Duas semanas depois, o contato é para checar o nível de satisfação das compradoras com o produto. Ao final de dois meses, é hora de oferecer de novo a mercadoria.

Estima-se que a Mary Kay seja atual­mente a quarta maior empresa na categoria de beleza no setor de vendas diretas, atrás de Natura, Avon e Boticário. No ranking geral de vendas diretas no país, ocupa a nona posição. Há desafios pelo caminho. Um deles é ampliar a participação da marca em outras categorias.

“As vendas da empresa no Brasil ainda se concentram em maquiagem, um dos segmentos de cosméticos menos rentáveis”, diz Cláudio Oporto, consultor especializado no setor. Outro é manter a rede motivada à medida que a equipe se multiplica.

Nos Estados Unidos, revendedoras insatisfeitas já se uniram para alardear que pouquíssimas atingem independência financeira, e não faltam relatos das que se endividam com caixas encalhadas em casa. Aqui, por enquanto, para as 1 100 contempladas com um carro rosa restam 438 900 outras dispostas a vender muito batom para conquistá-lo — e essa não é uma boa notícia para a concorrência.

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