Prato do Charco, em São Paulo: mariscos maiores e mais saborosos (Divulgação/Divulgação)
Daniel Salles
Publicado em 5 de novembro de 2020 às 07h26.
Alguma vantagem a quarentena precisava trazer para os restaurantes. Afinal, o resguardo impôs árduos meses de portas fechadas e novas regras de funcionamento indigestas, além de levar uma porção de estabelecimentos à falência. A vantagem, ironicamente, se deve à falta de clientes nos últimos meses, o que reduziu a procura por frutos do mar e pescados bem no inverno, a melhor época para a pesca no Hemisfério Sul.
“No delivery, ao qual quase todo restaurante recorreu na quarentena, pizzas, hambúrgueres e carnes em geral fizeram tremendo sucesso. Já os pratos com ingredientes que saem do mar quase não tiveram saída”, conta o chef Tuca Mezzomo, no comando do restaurante Charco, nos Jardins, em São Paulo.
Mas parece que a maré está virando. Pouco consumidos na época do isolamento social, os frutos do mar e companhia chegam ao verão com qualidade excepcional — e maiores, pois tiveram tempo para crescer. “Tenho recebido mariscos bem grandes e mais saborosos”, confirma Mezzomo. Com eles, o cozinheiro prepara uma elogiada mariscada incluída no menu degustação (com sete pratos, custa 190 reais por pessoa). Outro ponto alto da sequência, que varia semana a semana, podem ser as vieiras incrementadas com leite de coco tostado e molho agridoce de missô. As incensadas vieiras, que são a base da receita , também se beneficiaram do período de reclusão — estão mais carnudas.
O chef Pier Paolo Picchi, cujo restaurante, também nos Jardins, carrega seu sobrenome, aponta para o fato de que encontrar camarões mirrados agora é raro. “Embora o inverno seja o período mais propício para a pesca no Brasil, tenho notado que os frutos do mar estão chegando com ótima qualidade”, reconhece. O cozinheiro usa camarão — e também ostra, polvo e lula — para guarnecer um canelone recheado com o peixe do dia.
Custa 136 reais. Outro hit do cardápio é o espaguete ao vôngole com pancetta e ouriço fresco (95 reais). “Na Itália massas desse tipo fazem muito sucesso”, emenda Picchi, que recebe peixes dia sim, dia não. A única instrução que dá aos fornecedores de pescados: trazer o que houver de melhor.
Em funcionamento desde janeiro no Baixo Pinheiros, em São Paulo, o Animus pertence à chef Giovanna Grossi, primeira brasileira a chegar à final do torneio Bocuse d’Or. Uma de suas apostas para a temporada é o sacotini com recheio de siri, que chega à mesa com mexilhão, lagostim e lula flambados na cachaça (32 reais).
Raro representante da culinária nikkei, a fusão da gastronomia japonesa com a peruana, o Imakay, no bairro paulistano do Itaim, investe em receitas como vieira grelhada na brasa com azeite defumado de ervas e mel temperado (27 reais). O Posì Mozza & Mare, em Ipanema, no Rio de Janeiro, incluiu no cardápio linguini ao vôngole com vinho branco e salsa (79 reais).
Já o impacto da pandemia na produção das ostras divide opiniões. Como as demais espécies do tipo, elas puderam crescer em paz na quarentena. “O problema é que elas costumam ser engolidas de uma só vez, então tamanho demais pode ser um problema”, observa Tadeu Masano. Ele é dono do longevo Amadeus, nos Jardins, em São Paulo, e de uma fazenda de ostras e mariscos em Florianópolis, criada há duas décadas para abastecer o restaurante. Chef do Origem e do Ori, além do bar Gem, todos em Salvador, Fabrício Lemos é um dos que não veem problemas nas ostras maiores. Ele passou a servi-las, em trios, com bacon e farofa, espuma de hibisco e molho de moqueca mais farofa de licuri (22 reais). Estão saindo como água.