Desfile da Prada em Xangai, em junho: a marca levou 300 convidados (Prada/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2019 às 05h22.
Última atualização em 25 de junho de 2019 às 14h43.
Quando a Prada anunciou, em meados de abril, uma saída da Semana de Moda Masculina de Milão, o planeta fashion parou. Uma das mais importantes grifes do mercado e a mais relevante, criativamente falando, deixava o calendário italiano e trocava a cidade natal por Xangai, capital financeira da China, para desfilar sua coleção do verão 2020. Dito e feito, assim foi no início de junho, quando a marca realizou seu desfile num monumental armazém de grãos, um dos maiores de toda a Ásia, na região portuária da cidade chinesa.
A Prada fez, assim, caminho parecido com o do mercador italiano Marco Polo, que no século 14 atravessou o mundo em busca das riquezas da China. Desta vez, também não foram pequenos os esforços empenhados na mudança. A nação asiática não tem acesso liberado a Instagram, Facebook e WhatsApp, a não ser por meio de aplicativos de VPN, e exige visto de entrada para visitantes de muitos países. Ainda assim, a Prada arrastou para lá cerca de 300 convidados de diversos cantos do mundo. Entre eles estavam grande quantidade de celebridades e influenciadores orientais, ilustres desconhecidos para nós, ocidentais, o rapper americano Frank Ocean e EXAME VIP, que assistiram in loco à apresentação da grife.
Eram 9 horas da noite em Xangai quando, ao som de um tecno acelerado remixado com samples de Welcome to the Pleasuredome, da banda britânica Frankie Goes to Hollywood, entraram em cena as roupas da coleção. Miuccia Prada, a idolatrada diretora criativa da marca, depois de um inverno lúgubre em que olhava o lado mais sombrio de nossos tempos, propôs agora uma visão mais otimista de mundo, com releituras de clássicos como a camisa de alfaiataria e os ternos combinados com roupa esportiva, em versão modernizada, opondo tradição e juventude.
Os primeiros looks e suas improváveis combinações apontavam o caminho. Entre os destaques estavam bermudas e calças em variações de cáqui e marrom, usadas com camisas e regatas de listras azuis em proporção alongada sob paletós de corte preciso em azul-marinho. Arrematando o look, coturnos usados com meiões em tons pastel. Não, você não vai sair assim na rua, mas é em meio a esse irônico jogo de opostos que emergem os neoclássicos da marca, com peças que são usadas separadamente pela maioria dos mortais e que prometem ser reproduzidas e copiadas à exaustão pelas redes de fast-fashion.
Destaque também para os blazers de abotoamento duplo, as jaquetas esportivas com acabamento de alfaiataria, as calças-cenoura, mais amplas no quadril e afuniladas suavemente nas pernas, os agasalhos coloridos com bolsões frontais e o bloco de utilitários em cáqui da recém-ressuscitada Linea Rossa da marca. Sem falar nos acessórios variados, que abarcam a sobriedade das combinações de bege com marrom e de preto com branco, e outras mais inusitadas em que amarelo, rosa, azul e laranja em gradações clarinhas se misturam ao preto.
Essa combinação de ideias aparentemente contraditórias traduz, de certa forma, o espírito do país, uma república de regime capitalista governada pelo Partido Comunista que apresenta taxas de crescimento espetaculares do mercado de luxo (20% apenas em 2018) e responde por cerca de um terço do consumo global desse segmento hoje, de acordo com um estudo da consultoria Bain.
O investimento da Prada em Xangai é então, acima de tudo, estratégico. E é uma tendência, como se diz na moda. Além dela, no mês passado a francesa Chloé e a italiana Fendi realizaram apresentações no país. Há um ano, era a americana Tommy Hilfiger que desembarcava por lá, assim como a italiana Dolce & Gabbana, que em meio a uma série de polêmicas desencadeadas por um vídeo mal recebido nas redes sociais cancelou sua apresentação. As projeções são promissoras. Com uma das maiores populações de ultrarricos do planeta, um adensamento de shoppings e butiques premium sem paralelo e um apetite voraz por tudo que é único e exclusivo, a China tem um mercado de luxo que, de acordo com um estudo da McKinsey, será responsável até 2025 por 40% dos gastos do mercado de luxo no planeta, atingindo a respeitável cifra de 200 bilhões de dólares.
Ainda de acordo com a McKinsey, esse fenômeno é estimulado especialmente pelos millennials, a geração Y, nascida nos anos 80, e por sua sucessora, a geração Z, composta da turma que chegou ao mundo em plenos anos 90. Além de ocupar posições de destaque e receber salários polpudos, esse público tem em comum uma percepção peculiar do consumo de luxo, diferente da cultivada por grupos mais maduros. Ainda que sujeitos à influência de nomes poderosos e por reputações construídas por muitas décadas e em alguns casos mais de uma centena de anos, esses jovens parecem estar mais interessados no lugar que essas grifes ocupam no mundo. De acordo com a pesquisa, esse consumidor chinês está a fim de adquirir modelos icônicos, que possam ser facilmente identificados. Ao mesmo tempo, valoriza marcas de nicho, que tenham pouca oferta na China e não sejam facilmente vistas nas ruas por lá. Informações como processo de produção e design, logo depois da etiqueta, são elementos-chave em suas escolhas e de importância crescente.
Mais: os jovens consumidores, principais responsáveis por esse boom chinês, são fortemente afetados por celebridades locais, como as atrizes e cantoras Angelababy, Yang Mi e Tiffany Tang, e por influenciadores (ou KOLs — key opinion leaders), como Gogoboi, que têm papel fundamental no marketing e na disseminação de conhecimento sobre marcas e novos lançamentos. Outro dado curioso desse florescente consumidor de luxo chinês é que ele prefere desfiles e exposições de arte a festas, coquetéis e talks ligados a cultura, por exemplo. Aprecia lançamentos constantes e campanhas inovadoras.
O mercado chinês é, assim, tão fértil quanto desafiador, especialmente para as grandes marcas do luxo mundial, com recursos e poder de fogo de sobra, mas ao mesmo tempo apresenta menos agilidade e abertura para manobras radicais e ações disruptivas. Dentro de todo esse panorama, não surpreende que a Prada, fundada em 1913, tenha trocado as raízes em Milão pelos frutos que estão brotando no lado do mundo do Sol Nascente.