Demolição do Vivaldão: reformar o estádio de Manaus sairia 200 milhões de reais mais barato (Rodrigo Baleia/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
Manaus, 10 de março de 2010. O relógio no placar eletrônico marcava 20 horas e 45 minutos quando os times do amazonense Nacional e do alagoano Asa pisa ram o gramado do estádio estadual Vi val do Lima para o jogo de volta da pri mei ra fase da Copa do Brasil. Nas arqui bancadas, 3 774 torcedores aguardavam a peleja, de vida ou morte para a equipe amazonense. No final, o empate por 2 a 2 marcou não apenas a eliminação do Nacional como também pôs um ponto final na história do Vivaldão, 40 anos após sua inauguração. Em seu lugar, o governo do Amazonas pretende erguer uma arena moderna para receber jogos da Copa do Mundo de 2014. Orçada em 500 milhões de reais, a Arena Amazônia poderá acomodar 47 750 espectadores, um colosso num estado cuja média de público do futebol é 2 000 torcedores por partida e que não conta com nenhum clube nas séries A, B ou C do Campeonato Brasileiro. Talvez por isso, o governo amazonense ainda não tenha encontrado parceiros dispostos a investir no projeto. Mesmo assim, a demolição do Vivaldão começou, indicando que a obra vai ser tocada — à custa de muito dinheiro público. Só para colocar abaixo o velho estádio, o gasto é de 11 milhões de reais. A nova arena deve começar a ser erguida ainda em setembro, sem garantia de retorno financeiro. Segundo Mauro Thury, professor de economia da Universidade Federal do Amazonas, contratado para fazer o estudo de impacto socioeconômico do projeto, a Arena Amazônia não dependerá apenas do futebol. “O espaço terá eventos e será um complexo com lojas, restaurantes e cinemas”, diz Thury. “A arena vai se autossustentar”, afirma Francisco Dissica Valério Tomaz, presidente da Federação Amazonense de Futebol.
Elefantes brancos
A ideia da autossustentação parece ser mais uma lenda da Amazônia — lenda que, aliás, está sendo propagada em quase todos os projetos para a Copa. Outro estudo, da consultoria Deloitte, prevê que o equilíbrio financeiro da arena será atingido em 2033 — até lá, a operação deve dar prejuízo. O documento assinala que desconsidera os investimentos na construção. Ou seja, a conta não inclui as parcelas do crédito de 375 milhões de reais a ser tomado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Recentemente, o Tribunal de Contas da União divulgou um relatório em que aponta o risco de diversas arenas não gerarem receita suficiente para cobrir seus custos. Os projetos mais frágeis são os de Manaus, Natal, Cuiabá e Brasília — o TCU observa que há um risco alto de os estádios se transformarem em “elefantes brancos” após a Copa. “O projeto de Manaus não é viável”, diz Amir Somoggi, diretor da consultoria Crowe Horwath RCS. “O estádio precisará faturar 85 milhões de reais ao ano para pagar o investimento, oferecer rentabilidade de 15% e atrair um investidor.” O Morumbi, em São Paulo, fatura 50 milhões de reais por ano. O histórico do antigo Vivaldão não é animador. De acordo com o administrador do estádio, Ariovaldo Malízia, “a receita anual girava em torno de 250 000 reais, enquanto as despesas consumiam 900 000”. A diferença era bancada pelo governo amazonense. Para tentar reduzir os custos, havia defensores da adequação do velho Vivaldão. “Reformar o estádio seria o melhor e sairia 200 milhões de reais mais barato”, diz o deputado estadual Luiz Castro (PPS-AM). O governo não nega isso, mas defende sua decisão. “Consideramos que o investimento na reforma, de 300 milhões, seria menos interessante que a construção de uma arena multiúso, mais versátil e que, sobretudo, orgulhasse os amazonenses”, afirma o secretário estadual de Planejamento, Marcelo Lima Filho.
Se a questão é o orgulho dos amazonenses, vale atentar para uma análise feita pelo Instituto Trata Brasil, especializado em saneamento. O estudo mostra que apenas 11% da população do Amazonas é atendida por rede de esgoto. É verdade que a Copa do Mundo tem potencial para levar milhares de turistas a Manaus. Porém, é um evento com 30 dias de duração. Depois, só restará aos amazonenses uma conta milionária. A justificativa do governo é que o projeto do estádio foi cha ve para convencer a Fifa a escolher Manaus e que a economia local será estimulada. “Na competição entre as cidades para sediar a Copa do Mundo, a Arena Amazônia se mostrou um dife ren cial estratégico”, diz o secretário Lima Filho. “Não há dúvida também que ela será um ícone na paisagem de Manaus.” Um ícone que vai custar bem caro à população — e que irá conviver com outros já existentes, como as palafitas com esgoto a céu aberto.