Consumidores fazem compras em São Paulo: os estímulos não são mais o bastante para impulsionar a economia do país (Lela Beltrão)
Da Redação
Publicado em 14 de fevereiro de 2014 às 17h06.
São Paulo - Em setembro, a presidente Dilma Rousseff esteve em Nova York para o discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU — aquele em que ela espinafrou o governo americano pela espionagem em território brasileiro. Nos bastidores, a presidente se movimentou para tentar melhorar a imagem do Brasil com investidores, bastante desconfiados com a economia do país.
Pouca gente sabe, mas Dilma aproveitou para se reunir com analistas da agência de classificação de risco Standard & Poors. Meses antes, em junho, a S&P havia mudado a perspectiva da nota do Brasil (que diz respeito à capacidade de o país honrar sua dívida) de estável para negativa.
“Foi um sinal de alerta”, diz Sebastian Briozzo, analista da S&P. “A mudança significa que a situação da economia brasileira não condiz mais com sua nota.” O risco, se não houver melhoria nos indicadores, é de num prazo de um a dois anos a agência rebaixar a nota brasileira.
Desde 2008, o Brasil conta com o grau de investimento, um selo de credibilidade para a atração de capital. Se perder tal condição, voltará a ser um país do nível chamado de especulativo, condição que marcou quase toda a nossa história. Segundo a S&P, o risco de rebaixamento é de 1 para 3 — minoritário, portanto, mas não desprezível.
A simples perspectiva de retrocesso já mexe com os ânimos. “Há muita expectativa negativa em relação ao Brasil”, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e sócio da gestora Mauá Sekular Investimentos. “E esse pessimismo fragiliza o país.”
Para 2014, as previsões mais otimistas dão conta de que a economia crescerá 2,5%. Os pessimistas apostam em algo ao redor de 1,5%. Em qualquer dos cenários, será mais um ano de crescimento aquém do que o Brasil precisa para se desenvolver de forma sustentável. A situação deverá continuar até, pelo menos, o fim de 2015, primeiro ano de um novo mandato presidencial.
Dessa forma, o país poderá engatar cinco anos, iniciados em 2011, de avanço abaixo de 3%. As projeções negativas para os próximos anos estão ligadas principalmente à questão fiscal. “O Brasil abusou de políticas expansionistas para estimular o crescimento”, diz Briozzo. “Não há mais espaço para isso.”
Nos últimos anos, o governo brasileiro enveredou pelo aumento de gastos, na tentativa de impulsionar o consumo e o investimento. Cortou tributos de bens como carros e geladeiras, segurou o reajuste de preços administrados, como o da gasolina, e baixou os juros na marra.
No campo das contas públicas, achou por bem sacrificar o superávit primário — dinheiro que poupa para abater os juros da dívida — para ter mais recursos à disposição. Em momentos de crise, políticas como essa, chamadas de anticíclicas, costumam ser adotadas — a injeção de 85 bilhões de dólares mensais na economia pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, é um caso.
O problema é que, no Brasil, essa política foi feita de forma pouco transparente e se tornou permanente. Em vez de assumir publicamente um superávit menor, o governo adotou o que foi chamado de “contabilidade criativa”, uma série de medidas controversas para maquiar as contas e inflar receitas.
Um exemplo foi a transferência de dinheiro do Tesouro Nacional para bancos públicos, como o BNDES, para que emprestassem a empresas com subsídios. De 43 bilhões de reais em 2008, as transferências passaram a cerca de 438 bilhões atualmente.
“O governo acha que pode fazer o que bem quer na política fiscal, como se isso não afetasse as contas públicas e sua credibilidade”, afirma Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. “Trata-se de um erro crasso.”
O pior é que essas medidas não surtiram o efeito desejado no PIB. Quando se olha para a frente, o que os analistas se perguntam é: o que o governo pode fazer para impulsionar a economia no curto prazo? Pouco. Na verdade, será necessário reduzir esses estímulos, ou o lado fiscal vai para o brejo de vez. O desmonte, ao que parece, começou.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dito que as desonerações serão menores em 2014. Um exemplo é o Programa de Sustentação do Investimento, que oferece juros subsidiados para a compra de máquinas e caminhões. Em 2013, ele custou aos cofres públicos 80 bilhões de reais.
A taxa de juro para a compra de caminhões, que está em 4% ao ano, vai subir para 6% em 2014. O PSI foi decisivo para a recuperação das vendas de caminhões. De janeiro a novembro, o setor teve aumento de 40% na produção, em comparação com o mesmo período de 2012.
“O PSI aumentou a propensão aos investimentos e é um programa essencial para o setor”, diz Roberto Cortes, presidente da fabricante de caminhões Man. Com o estímulo reduzido, ele espera para 2014 um aumento de 5% na produção.
Independentemente do que vai ocorrer com a nota do Brasil nas agências de risco, os investidores já aumentaram o custo do dinheiro que emprestam ao país. O governo está pagando hoje em torno de 3 pontos percentuais a mais em seus títulos do que pagava há um ano. Isso afeta até as maiores empresas brasileiras.
Recentemente, o diretor executivo da Petrobras, Jorge Nahas Neto, disse num evento público no Rio de Janeiro que um rebaixamento do país seria “catastrófico”. Em diversas áreas, executivos já cortaram as projeções de crescimento, em razão também da elevação da taxa de juro básica no país, agora em 10% ao ano.
Setores que se acostumaram com taxas de dois dígitos de expansão preveem ficar em um só. “O crescimento da construção em 2014 se dará em ritmo mais próximo ao do PIB”, diz Duilio Calciolari, presidente da construtora Gafisa.
Essa trajetória explica o desalento do setor privado no país. O ano passado terminou com taxa de investimento na economia de 18,1%. Em 2013, o índice deve fechar quase igual: em 18,5%, longe do ideal de 25%. Um levantamento feito por EXAME em outubro com 200 das maiores empresas mostrou que 43% delas vão investir em 2014 o mesmo que em 2013.
Para 20% delas haverá queda nos investimentos. A alta dos custos que corrói a competitividade e diminui os lucros também joga contra. Há anos a empresa de tecnologia Stefanini convive com alta de custos. Os salários sobem a um ritmo de 8% ao ano. E os aluguéis, nos últimos três anos, dobraram.
“Tentamos compensar com ganhos de produtividade, mas toda solução tem um limite”, diz Marco Stefanini, presidente da empresa. Tudo somado, o mais certo é apostar que venha mais um ano ou talvez dois anos fracos. Quem sabe em 2016...