Adriana Lika, da Vivo: empresa lançou em 2018 a Aura, atendimento com IA hoje utilizado por 4 milhões de usuários mensais (Vivo/Divulgação)
Repórter
Publicado em 15 de agosto de 2024 às 06h00.
O avanço da inteligência artificial (IA) tem criado oportunidades para as empresas inovarem a forma como se relacionam com seus clientes. Um dos exemplos mais recentes é o chatbot no WhatsApp especialmente desenvolvido pela Meta e o Comitê Olímpico do Brasil (COB) para os Jogos Olímpicos Paris 2024. Com criação da Smarters, uma empresa de tecnologia focada em agentes inteligentes de comunicação natural, e patrocínio da Powerade, bebida esportiva da Coca-Cola, o canal nasceu para fortalecer a relação do público com os atletas e criar experiências interativas.
Quem conversa pelo WhatsApp com os torcedores por meio de texto, áudio, vídeo e figurinhas, conduzindo-os por uma jornada customizada em torno dos Jogos Olímpicos e da participação brasileira na edição, é o mascote do COB, o Ginga. Head de WhatsApp para mercados estratégicos, Guilherme Horn comenta que o chatbot é uma plataforma de comunicação para atuar como segunda tela para quem é fã de esportes. Já Gustavo Herbetta, diretor de marketing do COB, diz que a plataforma transforma a forma como a instituição se relaciona com os fãs do Time Brasil. “Conseguimos criar uma experiência única que conecta diretamente o público com os atletas brasileiros”, afirma. “Essa iniciativa não só informa mas também engaja de maneira profunda.”
Tal inovação só pôde ser concretizada graças ao avanço da tecnologia de IA. E há uma série de empresas aproveitando esse desenvolvimento para estreitar relações com o consumidor.
Assistente pessoal
Um exemplo é a Ypê, empresa 100% brasileira e uma das maiores fabricantes de produtos de limpeza e higiene do país. A companhia anunciou em julho deste ano a Yara, uma inteligência artificial generativa especializada em dicas e dúvidas com cuidados com a casa. Com base na tecnologia do ChatGPT, é capaz de compreender as necessidades dos consumidores e se aprimorar continuamente. “Há anos nós estamos colhendo e respondendo a perguntas de nossos consumidores sobre o cuidado com a casa”, explica Alexandre Denis Gyurkovits, diretor de digital, canais especiais e de negócios globais da Ypê. “Durante esse tempo, conseguimos uma bagagem relevante e importante de dados. Então, criar uma assistente virtual com IA generativa não apenas coloca anos de coletas de dados à disposição de toda população, para facilitar o seu dia a dia em casa, mas também oferece, por meio do digital, uma experiência de acesso democrático ao conteúdo.”
Além de atuar como um suporte aos cuidados com a casa, oferecendo instruções detalhadas ou diagnósticos preliminares, como qual produto aplicar para determinada mancha, por exemplo, a Yara faz também um atendimento automatizado ao cliente, reduzindo a necessidade de intervenção humana em casos simples.
Algo semelhante fez a Sadia, marca da BRF, do setor de alimentos. O Sadi.a, lançado em outubro de 2023, combina a tecnologia da IA aliada ao WhatsApp para oferecer receitas, modos de preparo e ideias para diferentes ocasiões. “Nosso Sadi.a traz o tema da inteligência amorosa, um resgate das relações humanas que são incentivadas no preparo e no momento da alimentação”, diz Luciana Bülau, gerente executiva de marketing da Sadia.
Segundo a executiva, a plataforma é resultado de um processo de escuta ativa das necessidades e hábitos do consumidor da marca.
Por meio de perguntas bem direcionadas, o Sadi.a. consegue entregar receitas que estejam alinhadas com o que os consumidores procuram, considerando fatores como ocasião, tempo de preparo e quantidade de pessoas. Caso não tenha algum ingrediente, o consumidor é direcionado para parceiros varejistas, onde o produto está disponível para compra.
Atualmente, o Sadi.a conta com 463.000 usuários e já teve mais de 100.000 receitas geradas até o momento, informa a empresa.
Na Localiza, de locação de automóveis, a IA está presente na plataforma Vai Por Mim, lançada em 2022. Assim como no caso da Ypê, a ferramenta foi inspirada nos próprios clientes da Localiza, que frequentemente perguntavam aos atendentes das agências sobre atrações e dicas de roteiro nas cidades em que eles retiravam carros da companhia. “Estudamos essa oportunidade e lançamos um programa interno de recomendações para nossos colaboradores de todo o Brasil sugerirem destinos e experiências imperdíveis de viagem em suas respectivas regiões”, detalha Tatiana Rocha, diretora de marca da Localiza. “Recebemos milhares de recomendações e a partir delas começamos a produzir conteúdo autoral com influenciadores de viagem em nossas redes sociais, para que essas dicas chegassem aos nossos clientes apaixonados por viagem. A iniciativa começou a tomar forma, e percebemos a necessidade de ter um canal proprietário para reunir esses conteúdos, como uma forma de perenizar nossa estratégia para além das redes sociais, e gerar tráfego orgânico por meio dos interesses de viagem e de automóveis mais buscados na internet.”
Assim surgiu o site Vai Por Mim, um hub de conteúdo que traz uma diversidade de destinos nacionais e internacionais. A IA ajuda na geração de roteiros de viagem personalizados, uma funcionalidade do site capaz de criar programações para qualquer destino do Brasil e do mundo. “A ferramenta pode oferecer um roteiro completo com dicas do que fazer no destino desejado de forma imediata”, diz Rocha. “Para isso, o consumidor precisa apenas definir o destino, escolher um período, informar seu estilo de viagem — ou com quem irá viajar — e selecionar os interesses para que a inteligência artificial elabore um roteiro personalizado para suas necessidades em menos de 1 minuto.”
A executiva da Localiza estima que mais de 12.000 combinações de roteiros sejam possíveis para um único destino. “Isso é possível porque a ferramenta aciona sua base de informações, que é atualizada de forma contínua por meio do aprendizado da inteligência artificial, para combinar os dados de acordo com as demandas informadas pelo cliente no momento de preenchimento do formulário.” No primeiro semestre de 2024, 150.000 usuários acessaram a plataforma mensalmente de forma orgânica, diz Rocha.
Jornada de compra mais eficiente
Na C&A, do setor de vestuário, a IA vem sendo usada como uma forma de antecipar as necessidades das clientes, sugerindo produtos relevantes e, consequentemente, oferecendo uma jornada de compra mais fluida, conveniente e rápida, explica Paulo Correa, CEO da empresa. “A IA e a automação nos ajudam a tornar esse processo mais personalizado de acordo com o perfil de cada uma de nossas consumidoras”, conta. “Por meio do uso de IA e data analytics em diferentes aspectos da jornada da cliente, entendemos profundamente as suas preferências e oferecemos produtos que correspondam ao seu estilo, tamanho, orçamento e momento.”
Ele explica que a inteligência artificial ajuda a companhia a ajustar processos, por exemplo, melhorar a gestão de disponibilidade de produto em lojas e monitorar tendências, levando de forma ágil novidades para as consumidoras da marca.
Outro exemplo do uso da tecnologia está em um aplicativo de estampas, que testa conceitos diretamente com as clientes. Correa revela que a C&A registrou um aumento de 21% nas vendas dos produtos desenvolvidos dessa forma.
Atendimento ao cliente
A tecnologia também vem sendo usada no atendimento ao cliente no C&A Pay, o cartão digital da marca com mais de 5,5 milhões de usuários ativos. “A IA é utilizada para melhorar a experiência da cliente com o autoatendimento via chat que lhe permite resolver questões de pagamento de forma rápida e eficiente”, detalha o executivo. Ele exemplifica: “Em alguns canais de cobrança já temos a tecnologia que nos ajuda a entender o perfil da consumidora que prefere se comunicar por áudio e ajusta a interação, tornando a comunicação mais empática com a cliente”. Nos últimos cinco anos, a C&A investiu aproximadamente 600 milhões de reais em tecnologia, dentre elas a IA, informa o CEO.
O uso da IA para melhor atender o consumidor também é uma realidade na Vivo, do setor de telecomunicações. Em 2018, a companhia foi uma das primeiras a usar IA em seus canais de atendimento, com o lançamento da Aura, hoje usada por 4 milhões de usuários únicos mensalmente. Agora, com o avanço da tecnologia, a empresa vem usando a IA generativa dentro do seu call center.
Adriana Lika, diretora de dados e IA da Vivo, conta que a primeira fase do projeto já está implementada e em uso pelos 11.000 agentes de atendimento, que passaram a contar com a IA generativa como copiloto na jornada de prestação do serviço junto ao assinante, apoiando-os a atender melhor, mais rápido e de forma mais assertiva. Segundo ela, a iniciativa reduziu o tempo de atendimento em 9%, no caso de consumidores finais, e em 4%, de empresas, além de resultar em melhoria de indicadores de rechamada e na nota de avaliação do cliente. “O projeto resulta em benefícios diretos para o consumidor, que é atendido mais rápido, com mais qualidade e precisão, o que impacta diretamente na sua experiência com a nossa marca”, diz Lika.
Ela revela que em outras etapas do projeto, ainda sem previsão de implementação, a empresa quer que a atuação da IA cognitiva como copiloto possa apoiar o atendente de outras formas, por exemplo, com recomendações de ofertas que possam ser feitas ao cliente, ou analisando o atendimento para identificar pontos de melhoria.
O Bradesco usa a IA há ainda mais tempo que a Vivo. Rafael Cavalcanti, diretor de inteligência de dados do banco, comenta que foi em 2015 que a instituição identificou a IA como um pilar tecnológico com grande potencial para elevar o patamar da experiência financeira dos clientes e da eficiência da operação. A Bia, inteligência artificial do Bradesco, lançada nessa época, tem hoje 20 milhões de usuários, após nove anos de vida.
Nessa jornada de desenvolvimento, desde o final do ano passado o Bradesco vem incorporando a IA generativa dentro da Bia. “A tecnologia permite ao cliente interagir com o banco de uma maneira equivalente a que ele interage pelo WhatsApp e Messenger no dia a dia”, explica Cavalcanti. “Da mesma maneira que ele tem seus amigos e familiares nos seus contatos, o cliente Bradesco tem a Bia para tirar dúvidas, fazer consultas do seu saldo, últimos lançamentos, realizar um Pix.” Ele diz que a companhia analisa continuamente os diálogos para seguir aprimorando a experiência do cliente. “Hoje, já temos centenas de milhares de transações Pix que são mensalmente executadas pela Bia e nosso algoritmo de identificação de fraude já evitou fraudes na ordem de centenas de milhões de reais.”
Uma empresa nacional de tecnologia, o iFood também já usa IA há tempos, e agora vem avançado nessa jornada — assim como a Vivo e o Bradesco — à medida que a IA generativa se desenvolve. “Estamos ampliando o uso de tecnologias para aumentar a produtividade, além de criar novas possibilidades como agentes e pedidos conversacionais”, diz Thiago Cardoso, diretor de dados e inteligência artificial do iFood.
Nesse sentido, a IA é utilizada em várias etapas do processo na interface do consumidor com a marca: desde o atendimento em si até para aferir a qualidade do serviço, avaliando em escala os pontos de melhoria e se o padrão de qualidade é aplicado. “Desde 2018, mais de 140 modelos de inteligência artificial proprietários foram integrados à nossa operação”, revela Cardoso.
Ele conta que, recentemente, o iFood “alcançou ótimos resultados com assistentes digitais que utilizam IA generativa em seis funções essenciais: chat, vouchers, cancelamentos, buscas, categorização e interpretação de imagem”. Com o recurso, continua Cardoso, “já foram mais de 5 milhões de atendimentos realizados, 81% de satisfação geral de clientes e, quando o assunto é atendimento automatizado, alcançamos 86% de satisfação, totalizando cinco pontos percentuais a mais que o índice geral”.
O executivo diz que o objetivo do iFood “é ter um aplicativo para cada um dos 55 milhões de clientes”. “Queremos proporcionar uma experiência única, 100% personalizada e em larga escala. Assim, será possível melhorar a experiência, a vida e a alimentação de todos.” Hoje, o iFood realiza mais de 97 milhões de pedidos por mês em 1.500 cidades do Brasil.
E a empresa está prestes a anunciar mais uma novidade, na linha da IA como assistente pessoal do consumidor. Em julho, a companhia mencionou, em uma apresentação para a imprensa, a Dora, uma IA que vai ajudar o consumidor a fazer as compras de mercado. A ferramenta, no entanto, ainda está em testes, e o iFood não comenta sobre seu lançamento.
Vale pontuar que, apesar do avanço da IA na relação com o consumidor, 64% dos 5.728 clientes ouvidos em uma pesquisa global da consultoria Gartner prefeririam que as empresas não usassem inteligência artificial em seus atendimentos ao cliente. Além disso, 53% dos clientes considerariam mudar para um concorrente se descobrissem que uma empresa usa IA no atendimento ao consumidor.
Para Keith McIntosh, diretor sênior de pesquisa da prática de atendimento ao cliente e suporte do Gartner, ainda que os líderes estejam sob pressão para adotar IA nas relações com o consumidor, eles não podem ignorar as preocupações sobre o uso de IA, especialmente quando isso pode significar perder clientes. A dificuldade em contatar uma pessoa é a maior preocupação dos clientes com a IA.
Apesar disso, empresas de setores tradicionais, como o de seguros, têm recebido feedback positivo com a integração da tecnologia no atendimento ao cliente. Esse é o caso da Porto, que, em 2023, implementou uma interface de chat com IA, resultando em maior eficiência dos operadores, redução do tempo de atendimento e aumento da completude das respostas.
"A inteligência artificial é utilizada pela empresa há mais de uma década, desde o cálculo de preços até a regulamentação de sinistros", diz Marcos Sirelli, CIO da Porto. No seguro residencial, a tecnologia possibilita o monitoramento em tempo real para prevenir, por exemplo, danos em caso de alagamentos.
Para cotações de seguros de automóveis, a inteligência artificial pode utilizar imagens do endereço informado, otimizando perguntas adicionais sobre o local de estacionamento. "Em nossas iniciativas com a IA generativa na companhia, experimentamos otimizações no tempo dos atendentes em até 30% e a redução de até 50% no tempo necessário para o desenvolvimento de novos programas de tecnologia", afirma o CIO da Porto. ☉