(Arte/Exame)
Isabela Rovaroto
Publicado em 19 de maio de 2022 às 06h00.
Última atualização em 20 de maio de 2022 às 11h18.
“O café da manhã está incluso?”; “Traz mais uma aí, mestre!”; “Mesa para dois, por favor!” Essas são algumas expressões que estiveram adormecidas nos últimos dois anos e voltaram a ser ouvidas nos últimos meses. A euforia para sair de casa representa uma válvula de escape para quem procura se divertir e um suspiro aliviado para quem trabalha no setor de turismo e lazer. O horizonte, enfim, é de boas notícias. Segundo dados globais da Euromonitor, a categoria de food service (restaurantes, lanchonetes, bares, bistrôs) cresceu 25% em 2021 na comparação com o ano anterior, com um faturamento de 377 bilhões de reais. O setor de viagens cresceu 34% na mesma base de comparação, com receita de 17,2 bilhões de reais. Mas não se trata de um jogo ganho. “Problemas econômicos e inflação na América Latina podem deixar os consumidores mais cautelosos, atrasando a recuperação local. Nossas estimativas são de que a região volte aos níveis de 2019 somente em 2024”, diz Rocio Franco, consultora na Euromonitor International.
Muitas empresas nos segmentos de gastronomia e hotelaria, no entanto, já apresentam resultados melhores do que no período anterior à pandemia. O Grupo Eme, de Renata Vanzetto, aproveitou a única oportunidade na crise sanitária, o delivery, para manter as casas funcionando e ainda crescer. Grupos grandes, como o Coco Bambu, estão colocando na rua um agressivo plano de expansão. Assim como o pontual Camélia Òdòdó, de Bela Gil, que já tem outras inaugurações previstas. A holding Víssimo, resultado da compra da Grand Cru pela Evino, acelerou a estratégia de abrir restaurantes junto com as lojas de vinho. A Fábrica de Bares, dona de 12 estabelecimentos icônicos em São Paulo, vai entrar agora para o setor de hotelaria. Em diferentes nichos, redes de hotéis como Fasano e Selina crescem com o fim do isolamento. E o incensado grupo de luxo Rosewood encontrou no Brasil a porta de entrada para a América do Sul.
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Em meio ao cenário de recuperação, especialistas apontam a necessidade de investimento em tecnologia. Isso pode significar desde o aperfeiçoamento de entregas até novas formas de pagamento. Segundo o Instituto Foodservice Brasil, os gastos com delivery somaram 40,5 bilhões de reais em 2021, 24% acima de 2020. O tráfego de visitas em sites e apps foi 13% maior, com 2,2 bilhões de acessos, e o tíquete médio dos consumidores foi de 18,22 reais, 10% maior do que o do ano anterior.
A adaptação a essa realidade varia de estabelecimento para estabelecimento. O restaurante Kinoshita, em São Paulo, criou o “delivery harmonizado”, em que um kit com bebidas recomendadas é entregue junto com a comida. Esse serviço foi responsável por um aumento de 8% na receita durante a pandemia. “O delivery deve continuar crescendo. No ambiente físico, a excelência é um ponto essencial para o setor avançar. O segmento estava machucado por uma sucessão de crises nos últimos dez anos. Agora grupos capitalizados tendem a se expandir”, diz o dono Marcelo Fernandes, empresário com 20 anos de atuação no ramo e descobridor de talentos como os chefs Jefferson Rueda e Alex Atala.
O executivo acredita que a plena retomada do setor deverá acontecer em 2023. Alguns pontos que jogam contra, em sua visão, são as eleições deste ano, que podem gerar um ambiente de incertezas econômicas principalmente no público de alta renda, e a mudança de hábitos dos consumidores após o surto de covid-19, como o de cozinhar mais em casa. De qualquer forma, os consumidores voltaram a sair para almoçar e jantar. Com todos esses fatores na balança, as expectativas do empresário são positivas, mesmo em meio ao ambiente desafiador. De olho no futuro, Fernandes projeta expansão internacional, mais especificamente para Portugal, do restaurante Foglia Forneria, do qual também é sócio, já no próximo ano.
Existem desafios no caminho da retomada. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), quatro em cada dez restaurantes estão operando com prejuízo, mesmo com a retomada da demanda. “A inflação é um desafio, e muitos estabelecimentos ainda não conseguiram recompô-la no cardápio. Em números aproximados, o índice acumulado foi de 11% e o reajuste médio nos restaurantes foi de 6%”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Abrasel. No caminho para recuperar rentabilidade estão a eficiência operacional — na pandemia, restaurantes e bares tiveram de rever práticas de gestão para fazer mais com menos — e o investimento em tecnologia, principalmente para tentar obter margens melhores com o delivery. “Hoje, esse tipo de entrega representa o dobro dos pedidos nos restaurantes em relação a dois anos atrás, mas ainda carrega um desafio de rentabilidade porque as margens cobradas pelo serviço são altas”, diz Solmucci.
Nesse cenário, grandes redes — com maior capacidade de caixa — tiveram de se adaptar rapidamente e hoje têm a seu favor a escala para gerar rentabilidade. No caso da holding Bloomin’ Brands, dona das marcas Outback, Abbraccio e Aussie Grill, o delivery foi essencial para equalizar a queima de caixa no início da pandemia. Em fevereiro de 2020, o grupo contava com 56 operações de delivery, que representavam 3% do faturamento. Dois anos depois, 25% do faturamento vem de 222 operações de delivery no Brasil. “O plano inicial era lançar o delivery em dez meses. Com a pandemia, a gente fez todos os deliveries operarem em dez dias”, afirma Pierre Berenstein, CEO do grupo.
O executivo acredita que o delivery veio para ficar e não concorre diretamente com os restaurantes. “O food service entrou em um novo mercado, o da alimentação dentro de casa. Antes, com os restaurantes, contávamos apenas com 34% do mercado. Com a expansão do delivery, temos acesso a 100%”, explica. A Aussie Grill, especializada em lanches e porções de frango frito, é um exemplo de marca criada e desenvolvida apenas para delivery durante a pandemia. Com uma identidade jovem nas redes sociais e cardápio enxuto, o negócio que chegou ao Brasil em 2020 já conta com 72 operações de entrega.
Nos restaurantes, o benefício da entrega em casa está longe de ser uma unanimidade em relação às perdas inerentes no alimento e na experiência. Mas os estabelecimentos começam a entender o papel que a tecnologia pode exercer na hora de atender as necessidades dos clientes. No caso dos restaurantes administrados por Marcelo Fernandes, um dos pontos de investimento reforçados na pandemia foi o CRM. “Temos de ser muito assertivos nessa comunicação, porque, do contrário, vira uma perturbação como a de outras empresas”, diz o empresário.
Fernandes não está sozinho — tampouco o setor em que atua. Os estabelecimentos de lazer, especialmente pousadas e hotéis, dependem de ferramentas virtuais como estratégia de sobrevivência e crescimento ao longo dos próximos anos. “Dentro das acomodações o desafio da tecnologia é maior principalmente para as pousadas, já que, além de competirem entre si, enfrentam grandes grupos que podem acelerar os investimentos no meio digital”, afirma Carlos Coutinho, sócio da consultoria PwC Brasil. Hoje, as acomodações independentes (hotéis e pousadas) compõem aproximadamente 75% do setor no país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih). E competem entre si e com uma enorme oferta de imóveis em plataformas como Airbnb.
A maior presença digital contribui para alcançar consumidores interessados também na oferta de serviços que complementam a hospedagem. Alguns exemplos são restaurantes, day use para piscina e day spa, que ajudam a diversificar a audiência e gerar receita. No Atlantica Hospitality International (AHI), por exemplo, esse investimento veio na forma de desenvolvimento de um novo aplicativo para que os hóspedes possam fazer check-in de maneira mais fácil e rápida. O investimento acompanha o plano de expansão da companhia. A meta é abrir 17 hotéis em 2022, em 13 cidades diferentes. “O digital veio para ficar e, além dele, muitas outras lições, como eficiência operacional e protocolos de saúde. O hóspede tem um novo perfil e estamos atentos às novas necessidades dele”, diz Leonardo Rispoli, vice-presidente de marketing, vendas e inovação da AHI.
O público de alta renda, um dos menos sensíveis às oscilações do ambiente macroeconômico brasileiro no pós-pandemia, tem puxado o consumo do setor de experiências. E dinheiro para gastar não falta. O Annual Luxury Travel Report, publicado pela International Luxury Travel Market (ILTM), mostra que o orçamento atual de viagem do nicho de luxo aumentou mais de 40% em 2021 na comparação com 2019. “O interesse no mercado da América Latina está maior do que nunca. Alguns fatores contribuem para isso. A Ásia ainda está com algumas fronteiras fechadas. Saíram na frente as redes que não deixaram de investir em infraestrutura e serviços ou em equipe”, diz Simon Mayle, diretor de eventos da ILTM Latin America.
O Palácio Tangará, em São Paulo, é um exemplo. Hoje, já colhe os benefícios do investimento de 2 milhões de reais realizado no novo restaurante durante a pandemia, além de reformas estruturais no local: o valor da diária já subiu 75% em relação ao período pré-pandemia e, hoje, o departamento de comida e bebida representa metade da receita anual do hotel. “A pandemia foi o momento de investir para fidelizar clientes que não necessariamente frequentavam o nosso espaço, porque tinham como prioridade ir para o exterior. Investimos para capturar essa atenção e hoje temos clientes que deixam de ir à praia ou ao campo para passar um feriado conosco”, diz Celso Valle, diretor do Palácio Tangará.
A maior procura do público premium por experiências também motivou empresários a abrir portas no Brasil. O grupo Marriott inaugurou no país o JW Marriott São Paulo Hotel, primeiro hotel de luxo da companhia no país. Ainda nas inaugurações deste ano, o Ba’ra Hotel, em João Pessoa, deve começar a funcionar ainda neste mês, com foco em viajantes em turma, com a família ou em grupo de amigos, e períodos de estada mais longos.
Os estabelecimentos são apenas uma pequena parte do que vem por aí. A Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), que reúne hotéis de luxo e de charme, tinha 44 associados em 2019 e deverá chegar a 53. Segundo a entidade, há projetos sendo finalizados ou ampliados nas regiões de Jericoacoara (CE), Pipa (RN), Paraty (RJ), Canela (RS) e São Paulo. Mas houve quem não resistisse às restrições de circulação. Em 2020, o grupo Four Seasons fechou as portas na capital paulista, passando a gestão do hotel para o grupo HTL SP. A euforia do consumo existe, mas a cautela com os investimentos em solo brasileiro segue no mesmo ritmo.
Um caminho é ampliar a oferta para o público interno, um ponto em comum com o setor de restaurantes focados no mercado de luxo. Com as fronteiras fechadas, quem atende à alta renda passou a ter mais condições de atrair pessoas com poder aquisitivo represado — e de manter essa clientela a partir de agora. O público que viajava para o exterior e o que conseguiu guardar algum dinheiro na pandemia por falta de lazer são dois dos principais motivos citados por Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, para o início da retomada do setor.
Empresas capitalizadas, capazes de ganhar participação de mercado sobre a concorrência, se destacaram dentro desse aumento. O grupo Alife-Nino foi formado no último ano, depois de um aporte de 100 milhões de reais. A rede hoje tem 31 bares e restaurantes, entre eles o Nino Cucina, o Tatu Bola e o Boa Praça em São Paulo. Outros exemplos nessa mesma linha são o La Guapa, de empanadas, que recebeu um aporte de 50 milhões de reais no último ano, e o Grupo La Braciera, de pizzarias, que planeja inaugurar uma nova casa a cada 60 dias até o fim do ano.
Em empreendimentos menores, a cafeteria Botanikafé inaugurou no início de maio a quarta unidade na capital paulista, localizada na Barra Funda. Em relação às grandes redes, o Grupo Ráscal adquiriu 60% da rede Più, formada por um quarteto de restaurantes italianos, neste ano. O dono do Outback abriu 13 restaurantes da marca em 2021, com investimento de 50 milhões de reais. Para 2022, as expectativas são altas. A holding espera abrir, no mínimo, mais 16 restaurantes do Outback e um Abbraccio.
Em um ambiente mais restrito para o consumo e para o crédito, equilibrar a balança entre a melhor oferta e aquela que cabe no bolso do cliente se torna ainda mais desafiador. Os hotéis no país ainda não conseguiram recuperar os valores de 2019. “Nossa expectativa é que isso se normalize ainda em 2022, caso o padrão de consumo seja mantido. E que 2023 seja um ano ainda melhor”, diz Ricardo Roman, presidente da Abih-SP. A visão é de que o turismo de lazer foi o primeiro a se recuperar na pandemia e, em um novo ambiente, o setor de eventos pode gerar receita adicional. Falta, ainda, a retomada do turismo corporativo. “As empresas estão fechando eventos com prazos menores. Planejar algo para daqui a um ano, comum antes da pandemia, não acontece mais”, diz Roman.
O turismo de lazer, por seu lado, está mais diversificado. Uma nova opção de lazer é o staycation, modalidade de viagens para locais próximos, que teve seu auge na pandemia. Como resultado desse novo hábito, a Accor, maior rede hoteleira do Brasil, trouxe para o país a marca global de co-working Wojo. Com o novo produto room office, que permite hospedagem e trabalho, a companhia tem mais de 150 pontos de serviço no país. No segundo semestre também vai inaugurar o hostel Jo&Joe no Rio de Janeiro. “A promessa é que seja referência para compartilhar bons momentos por meio de gastronomia, agenda de entretenimento e surpresas ao longo do dia”, afirma Thomas Dubaere, CEO da Accor América do Sul.
Fazer dos próximos meses um período mais rentável para as companhias depende diretamente do ambiente macroeconômico brasileiro. A recuperação do setor de serviços no Brasil tem ditado o ritmo da economia. Depois de ser duramente afetado durante a pandemia, quando registrou uma queda recorde de 7,8% em 2020, o setor que representa 70% do PIB nacional vê a aceleração dos negócios e da geração de emprego. No ano passado, 44% das novas vagas de trabalho criadas foram no setor de serviços, o que representa 1,2 milhão de vagas. Apenas nos três primeiros meses de 2022, outros 428.000 postos foram gerados. Um relatório do banco Bradesco aponta a recuperação de segmentos de serviços como uma das razões para o crescimento da expectitativa de avanço do PIB no primeiro trimestre de 2022, de 0,5% para 1,3%. A melhora no setor de serviços e outros indicadores de aumento de renda e crédito para o primeiro semestre fizeram com que o Bradesco elevasse sua projeção de aumento do PIB do ano de 1% para 1,5%.
Foram justamente as atividades de restaurantes e hotéis as que mais sofreram com as restrições impostas pelas cidades — e eles são agora os que vislumbram lotação máxima. No estado de São Paulo, 50.000 bares e restaurantes fecharam ao longo do primeiro ano da crise sanitária, mas 2.573 novos estabelecimentos de alimentação foram abertos desde que o governo estadual decretou o fim da quarentena, em agosto de 2021, até março deste ano, de acordo com dados da Junta Comercial. “Os serviços estão voltando, mas há espaço para crescer mais”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter.
Do lado das empresas, a inflação e o câmbio pressionam a cadeia, segundo a pesquisa CEO Survey, da consultoria PwC, no início de 2022. O caminho apontado para tentar driblar os percalços é bastante caro ao setor: a experiência dos consumidores. Para reunir pessoas e promover celebrações não basta abrir as portas com bons produtos a oferecer. Afinal, “o bom atendimento se multiplica por dez, mas o mau atendimento se multiplica por mil”, lembra Marcelo Fernandes, do Foglia Forneria. O desafio de equilibrar custos e experiências segue, mas a missão se resume a uma só: cuidar das pessoas.
Quando o empresário Alexandre Allard comprou o terreno onde ergueu o megacomplexo hoteleiro Cidade Matarazzo, o mundo não previa uma pandemia. Passados mais de dez anos, os valores deixados como legado da tragédia global da covid-19 parecem perfeitos para a estreia da Rosewood Hotels & Resorts no Brasil, que opera o complexo com 160 apartamentos e mais 100 suítes privadas, distribuídos em um terreno de 30.000 metros quadrados no bairro da Bela Vista, próximo à icônica Avenida Paulista. “Luxo, para nós, não é sobre materialidade, mas sobre gastar tempo com as pessoas”, afirma Radha Arora, presidente da rede, em entrevista à EXAME. “As pessoas sempre quiseram se conectar, só que estavam sempre muito ocupadas e distraídas. Agora a vida ganhou outro significado”, completa ele. O Cidade Matarazzo, projeto de 2,7 bilhões de reais que uniu dois gênios franceses da beleza, o arquiteto Jean Nouvel e o designer Philippe Starck, é a 29a operação da Rosewood; e o Brasil, o 17o país. Com a filosofia de “senso de lugar” da rede, o projeto é todo decorado com fornecedores e artesãos brasileiros. Com a unidade, que preservou a arquitetura do Hospital Matarazzo e da maternidade, além da Capela Santa Luzia, Arora espera colocar São Paulo no mapa do turismo de experiência e propósito.
Sucesso no GNT, onde apresenta o programa de culinária Bela Cozinha desde 2014, Bela Gil trouxe para a rua o que prega na televisão: em abril do ano passado, inaugurou na Vila Madalena, em São Paulo, seu primeiro restaurante, o Camélia Òdòdó. O negócio nasceu com o plano modesto de ser um misto de café e restaurante com apenas oito mesas. Mas a alta procura pelos pratos inventivos, como a tostada de carne de jaca e os palitos de raízes, fez o negócio crescer rápido. “Começamos com 12 funcionários, pelo delivery. Hoje são 47 colaboradores, e o salão comporta 100 pessoas”, diz. Atualmente, ela está trabalhando para abrir um anexo do Camélia Òdòdó em um casarão vizinho. O local será inaugurado em dezembro e receberá uma pizzaria. Já próximo de Ilhéus, no sul da Bahia, Bela Gil também vai inaugurar um Camélia Òdòdó no ano que vem. “Muita gente chega ao Camélia sem tanta vontade e se surpreende com os pratos”, diz. A empresária ainda tem outro projeto, mais ambicioso, em negociação. Ela foi convidada para tocar um novo restaurante na Cidade Matarazzo, em São Paulo, previsto para abrir em agosto de 2023.
O ano de 2020 começou bem para o Grupo Eme com a venda do restaurante Marakuthai, que não estava em seu melhor momento, para o grupo baiano Ergo. Com o lockdown logo na sequência, as então seis casas da rede (o MeGusta Bar, as duas unidades da lanchonete Matilda e os três restaurantes — o autoral Ema, o variado Muquifo e o Pescadora, o único em Ilhabela) foram fechadas, e 20 de quase 200 funcionários tiveram de ser demitidos. O delivery virou então prioridade. “Soubemos aproveitar a única oportunidade da pandemia”, conta Renata Vanzetto, chef paulistana e sócia do grupo. O resultado foi um crescimento de 200% nas entregas nesses dois últimos anos e participação de 70% no faturamento do Matilda Lanches, que ganhou uma dark kitchen. Na crise, outra oportunidade surgiu: um espaço ficou vago na Rua Bela Cinta, onde o Grupo Eme concentra boa parte de seus restaurantes. No primeiro andar foi inaugurado em julho do ano passado o badalado restaurante de comida asiática Mi.Ado. E em março deste ano o grupo abriu, no segundo andar da casa, o Mico, restaurante de comida mediterrânea. O faturamento dos estabelecimentos cresceu 10%, sendo 35% contribuição do delivery. Para além dos restaurantes, Vanzetto também cresceu nas redes sociais com vídeos de receitas e parcerias com marcas. “Na pandemia eu tive mais tempo para a criação de conteúdo. Entrei com 50.000 seguidores e hoje tenho 167.000”, afirma.
O grupo Fasano é um caso único: consegue ser referência tanto em gastronomia quanto em hotelaria. O primeiro restaurante foi fundado em 1902, no centro de São Paulo. Já a inauguração do primeiro hotel aconteceu mais de um século depois, em 2003. Hoje, são 24 restaurantes e nove hotéis, boa parte inaugurada após a fusão com o grupo JHSF, em 2007. A pandemia reduziu a velocidade de expansão. “Fechamos tudo em dez dias. Durante meses nossa única receita foi o delivery”, lembra Constantino Bittencourt, sócio-diretor do Fasano. Aos poucos os estabelecimentos foram sendo reabertos, seguindo protocolos. O ano seguinte foi de plena recuperação. A receita líquida do grupo em 2021 foi de 228,1 milhões de reais, um crescimento de 91,6% em relação a 2020 — e 20,9% maior do que em 2019. De dezembro passado para cá foram inaugurados o esperado hotel em Trancoso e o já concorrido restaurante de Nova York. Até o próximo ano está prevista a abertura do segundo hotel de São Paulo, que também será residencial, e do Fasano Cidade Jardim, mix de clube, residências e hotel. O grupo aposta agora na retomada das viagens a trabalho. “Contrariando os filósofos de plantão, tudo voltará ao normal. Nenhum home office substitui o trabalho presencial”, afirma o sócio Gero Fasano.
O Selina chegou ao Brasil em 2018 com a ambição de ser um reduto de hospitalidade para o público mais jovem, principalmente quem tem trabalho remoto como estilo de vida. Com nove hotéis em operação em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mas também em destinos turísticos como Búzios e Bonito, o grupo nunca constrói um empreendimento do zero. “Nosso conceito é arrendar propriedades com potencial e transformá-las em hotéis repaginados”, explica Flávia Lorenzetti, diretora executiva nacional da marca. Hoje, o menor hotel da rede é o de Paraty, com 45 apartamentos. Já o maior fica em Foz do Iguaçu, com 145 quartos. Até o fim do ano, o Selina abrirá outros dois hotéis em São Paulo e dois no Nordeste. As diárias giram em torno de 200 reais. Para impulsionar a expansão na América Larina e no Caribe, a rede formalizou um crédito de 50 milhões de dólares com o IDB Invest, membro do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
“Mesmo diante de tudo que o setor sofreu durante a pandemia, olhamos o futuro com muito otimismo”, afirma Afrânio Barreira, fundador de um dos maiores conglomerados de restaurantes do Brasil, a rede Coco Bambu. O olhar em um horizonte bem mais animador do que a realidade dos últimos dois anos se justifica por números. Se em 2020 o faturamento do Coco Bambu despencou para 800 milhões de reais diante dos 974 milhões de reais de 2019, no ano passado o grupo se reergueu: faturou 1,23 bilhão de reais. Para 2022, a expectativa é de 1,5 bilhão de reais, que virá dos 64 restaurantes em funcionamento e dos que serão abertos até dezembro, cerca de 14, média que vem sendo mantida nos últimos anos (com exceção de 2020). Segundo Barreira, a rede encomendou uma pesquisa para analisar o potencial de abertura de novas casas. O resultado é que o Coco Bambu pode atingir 350 lojas em sua expansão máxima. Fora do que pode acontecer, Barreira revela à EXAME o que vai acontecer: “Em 2024, vamos celebrar a abertura do Coco Bambu de número 100”.
Expoente da boemia paulistana, a Fábrica de Bares possui hoje 12 estabelecimentos em seu portfólio, entre eles o Bar Brahma, no famoso cruzamento da Avenida Ipiranga com a São João. No começo do ano, o grupo fundado pelo empresário Cairê Aoas surpreendeu indo além das tabernas. Anunciou que ocupará o ponto do icônico Hotel Marabá, que futuramente vai se chamar Hotel Bar Brahma, com 171 quartos. “Não queremos ser apenas um grupo com negócios de comida e bebida. Queremos ser reconhecidos por nossa hospitalidade e pelo entretenimento”, afirma Aoas, que também entrou como sócio na revitalização da lendária balada Love Story, que renascerá em outubro. Seguindo um plano de expansão agressivo agora que o público dos bares retornou às mesas, a Fábrica de Bares já inaugurou três estabelecimentos neste ano: o Riviera, o Jacaré Grill e o Bar Filial. Até dezembro, a Fábrica vai tirar do papel mais três casas, dessa vez todas em Brasília: o Bar Brahma, o Orfeu e o Bar Brasília, este no aeroporto internacional da capital.
Desde que a Evino comprou a Grand Cru em outubro do ano passado, ambas as marcas passaram a fazer parte de uma mesma holding com receita de 700 milhões de reais: o Víssimo Group. Com aporte recente de 650 milhões de reais liderado por Vinci Partners, Grupo JCR e XP Private, o Víssimo quer acelerar as marcas sob o seu guarda-chuva no digital e também nas ruas. Hoje, a Grand Cru possui 120 lojas físicas, entre próprias e franquias. Dentro de 34 delas, a importadora instalou restaurantes e empórios para proporcionar experiências gastronômicas regadas com seus vinhos, a preço de custo de loja. “Temos restaurantes dos mais variados estilos, entre italianos, portugueses, japoneses, franceses, contemporâneos. O Ecully, por exemplo, é Bib Gourmand Michelin por anos seguidos”, se orgulha Alexandre Bratt, CEO do Víssimo, a respeito da categoria dentro da premiação que indica excelência na cozinha a um bom custo-benefício. O investimento para abrir os restaurantes sai do bolso dos franqueados e gira em torno de 1 milhão de reais por casa. Até o fim do ano, outras 35 lojas, algumas com restaurantes embutidos, serão inauguradas.
Restaurantes e hotéis estão cheios. O luxo impulsiona o crescimento, mas a rentabilidade é um desafio
→ Entregas por delivery passaram a representar 16% da receita total dos restaurantes. Em 2019
o sistema de entregas respondia por 9%
→ Gastos com delivery somaram 40,5 bilhões de reais em 2021, 24% acima de 2020. Tráfego de visitas em sites e aplicativos foi 13% maior, totalizando 2,2 bilhões de acessos
→ Mesmo com a retomada da demanda, quatro em cada dez estão operando com prejuízo
→ As acomodações independentes (hotéis e pousadas) compõem 75% do setor no país
→ O orçamento atual de viagem do nicho de luxo aumentou mais de 40%, impulsionando o setor
Fontes: Instituto Foodservice Brasil; Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel); Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih); e International Luxury Travel Market (ILTM).
Em passagem pelo Brasil, Radha Arora, presidente do Grupo Rosewood, fala sobre a inauguração do hotel em São Paulo e o futuro do mercado de luxo e de turismo no pós-pandemia | Graziella Valenti
O executivo Radha Arora praticamente nasceu no ramo do turismo. Desde criança viajou o mundo devido à profissão do pai, um diplomata indiano. Foi assim que se apaixonou pelo negócio: conhecendo países. Com mais de 30 anos de experiência em hotelaria, passou pelas redes Four Seasons e Intercontinental antes de ir para a Rosewood Hotels & Resorts em 2011. Na fila de estreia do Rosewood também estão outros 24 projetos. Cidades como Londres, Roma e até o Havaí. Hoje, o grupo gere 4.500 quartos e 850 residências, unidades proprietárias.
São Paulo é uma cidade que recebe muitos turistas, mas para negócios. Por que um Rosewood aqui?
Quando conheci o Alex [Allard, idealizador do complexo onde está instalado o Rosewood em São Paulo], seu propósito e sua paixão foi um verdadeiro aha moment. Foi uma conexão imediata, uma química incrível, e ficou clara a oportunidade. Tínhamos então 16 unidades e operávamos quase essencialmente nos Estados Unidos. Talvez, naquele momento, São Paulo não fosse a escolha mais óbvia. Mas agora, passados dez anos, ficou evidente que foi uma decisão acertada. É uma cidade muito vibrante. A cidade pode não ser uma escolha automática para visitar, mas agora, com toda a história por trás desse lugar, acredito que isso vai inspirar as pessoas a vir.
A pandemia mudou o turismo e a hotelaria?
O Rosewood sempre foi um destino com “senso de lugar”. Tudo foi desenhado para criar sensibilidades e ser sustentável. Nós não criamos hotéis, e sim destinos de viagens. São lugares onde as pessoas podem se conectar com elas e com o lugar. Depois desses dois anos e meio, as pessoas querem se reconectar com o valor de estarem juntas. Isso é o que realmente importa.
Acredita que, no pós-covid, as pessoas procurem mais o tipo de experiência que o Rosewood proporciona?
As pessoas sempre quiseram se conectar. Mas antes estavam o tempo todo muito ocupadas, muito distraídas, correndo muito. A vida ganhou um significado bem mais forte. O turismo agora não é mais tão transacional. Antes era sobre dormir numa boa cama, tomar café da manhã, almoçar, ir a um teatro, a um restaurante, e dormir novamente. Agora as pessoas querem ser preenchidas por mais do que isso, com algum propósito, e estar próximas de quem amam. É sobre isso nosso turismo. Coisas materiais vêm e vão.
E o conceito de luxo, foi modificado pela pandemia?
Luxo para nós sempre foi e precisa ser sobre gastar tempo com as pessoas. Não é sobre questões materiais. É sobre as pessoas valorizarem o tempo de sentar e conversar, de se sentirem livres e confortáveis para se expressar. E é também o que fazemos: nós servimos pessoas.
O turismo já voltou ao normal?
Não, ainda não. Existem pessoas que ainda não se sentem confortáveis para viajar, e agora a guerra na Ucrânia está causando isso também, principalmente com os destinos europeus.