Já parou para pensar em qual imagem profissional você passa para sua família? Quando chega em casa, você está sempre à beira de um ataque de nervos? (Andriy Onufriyenko/Getty Images)
Redação Exame
Publicado em 22 de março de 2023 às 06h00.
Última atualização em 26 de março de 2023 às 08h48.
Não é de hoje que pesquisas revelam um desinteresse das novas gerações por cargos mais altos na estrutura corporativa. Estar à frente de uma área ou ocupar uma cadeira de CEO há tempos não causa mais tanto fascínio assim. Isso significa que as empresas devem desistir de programas de trainee e outros focados na formação de jovens talentos? Que a nova geração é uma causa perdida e é melhor parar de gastar tempo tentando atrair essas pessoas? Não. Na verdade, reverter essa situação nunca foi tão urgente.
Além do gap de talentos em funções específicas, existe o risco de as organizações precisarem lidar com um gap de líderes em um futuro breve. A previsão, segundo uma divulgação feita pelo Fórum Econômico Mundial, é que a geração Z representará 27% da força de trabalho até 2025. Estamos falando de um número significativo de profissionais com potencial para seguir a jornada da liderança, mas que talvez não queiram fazer isso.
Diante desse futuro que bate à porta, surgem duas grandes questões. 1 — Por que as lideranças deixaram de inspirar as novas gerações? 2 — Como reverter esse cenário? Para responder a primeira delas, é preciso olhar para um fenômeno que está em curso nos últimos anos: o maior foco na promoção do bem-estar no trabalho. Lá em 2014, a Harvard Business Review divulgou uma pesquisa do CareerBuilder segundo a qual só 34% das pessoas desejavam ser líderes. As demais diziam não querer seguir esse caminho porque temiam que o cargo prejudicasse o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Tal preocupação continua a aparecer em diversos estudos recentes. Um exemplo é a última edição do levantamento Carreira dos Sonhos, feito anualmente pela Cia de Talentos há mais de 20 anos. O aspecto mais valorizado na experiência profissional é quanto o trabalho também proporciona qualidade de vida. A resposta dos três grupos participantes da pesquisa — jovens, média gestão e alta liderança — revela que foi-se o tempo em que as pessoas olhavam para a carreira como uma forma apenas de ascensão na hierarquia corporativa e na condição financeira. Elas estão interessadas em trabalhos que promovam, sim, esse crescimento, mas que também garantam bem-estar de uma maneira mais ampla.
Tudo isso não é exatamente uma novidade, eu sei. O meu foco aqui é a relação entre a imagem da liderança e a busca pela qualidade de vida. Por que as duas coisas são entendidas como antagônicas? Não é possível ser líder e ter tempo para a família, para o lazer, para praticar esporte, para cuidar de si e dos outros? Qual é a nossa responsabilidade sobre essa visão? Parar e pensar sobre a impressão que a liderança causa não se trata de uma questão de ego, de querer ser uma pessoa adorada e idolatrada. Esse exercício busca, na verdade, entender a mensagem por trás da imagem que refletimos e o que estamos dizendo nas entrelinhas para as gerações que nos observam. Mais do que isso, o objetivo é identificar as origens dessa visão para, então, transformá-la.
Nesse sentido, vale refletir sobre algumas hipóteses, e uma delas diz respeito à mensagem (direta ou indireta) que passamos para nossos filhos e nossas filhas. Nos programas de orientação de carreira da Cia de Talentos percebo que, apesar de muitos jovens não saberem exatamente o que querem para seu futuro profissional, a maioria sabe o que não quer: ter a mesma trilha de carreira que o pai ou a mãe. Já parou para pensar em qual imagem profissional você passa para sua família? Quando chega em casa, você está sempre à beira de um ataque de nervos?
Outra hipótese tem a ver com a qualidade dos relacionamentos corporativos. Normalmente, a relação entre a alta liderança e os cargos mais baixos é intermediada pela média gestão, e o que a pesquisa Carreira dos Sonhos tem mostrado é que esse grupo apresenta os piores níveis de engajamento e de senso de pertencimento. Essas pessoas podem estar fazendo “antipropaganda” sobre ser líder. Se a média gestão está sobrecarregada, se ela não admira a liderança da empresa, é natural que a mensagem passada seja negativa.
Por isso, proponho duas reflexões: como está nossa convivência com a média gestão e como podemos nos aproximar mais das equipes que ela gerencia? Investir em boas relações de trabalho ajuda a resgatar a inspiração que, um dia, a liderança já exerceu. A segunda questão: como desfazer a má impressão que a liderança causa?
Antes disso, vale esclarecer que toda essa situação não é responsabilidade única e exclusiva de quem desempenha um papel de líder. É natural que gerações diferentes tenham interesses também diferentes. Nem todo mundo almeja assumir a função de gestão — e tudo bem. Apesar disso, acho importante refletirmos até onde o contexto interfere na decisão das novas gerações e até onde existe uma parcela de responsabilidade da própria liderança. E, no que depender de nós, mudar o jogo. Uma das formas de fazer isso, como já disse, é se aproximar das pessoas de sua empresa. Práticas como o job shadowing, em que uma pessoa acompanha seu dia a dia no trabalho, e a mentoria coletiva podem ajudar sem demandar tanto da agenda. Quem tiver mais tempo pode apostar na mentoria reversa — uma excelente forma de praticar a escuta e de entender melhor a visão que os novos talentos têm sobre a liderança.
As redes sociais também podem servir como um canal para desmistificar algumas ideias sobre a sua função. É importante mostrar a nossa vulnerabilidade e saber compartilhar nossas dificuldades como líderes? Sim, mas tão importante quanto é mostrar outros lados de uma mesma história, ou seja, o impacto de seu papel na organização, na inovação, no desenvolvimento do país…
Nenhuma dessas dicas, contudo, elimina uma prática extremamente importante para transformar a imagem da liderança: o exercício do autoconhecimento. Olhe para dentro de si e reflita se a visão das novas gerações, de fato, condiz com a realidade. Será que sua vida se resume a trabalhar? Você se orgulha de ser “workaholic”? Você reproduz o discurso do RH sobre a importância de descansar, mas responde todos os e-mails de trabalho durante as férias?
Veja, a questão aqui não é criar um personagem. Há pessoas que, sim, preferem estender o expediente para finalizar uma apresentação ou acham mais prático responder a uma mensagem na hora em que a recebem. O problema é quando um estilo se torna o padrão e quando esse padrão é interpretado pelas novas gerações como um sinal de alerta. Quando as lideranças deixam de inspirar, é preciso pensar no porquê e transformar essa realidade.