Karla Facchini, diretora da Mastercard: promoção durante os sete meses em que ficou com o filho após o parto (Leandro Fonseca/Exame)
Marina Filippe
Publicado em 22 de novembro de 2019 às 05h36.
Última atualização em 22 de novembro de 2019 às 06h36.
Aos 32 anos, quando começou a trabalhar na empresa de meios de pagamento Mastercard, a administradora Karla Facchini nem pensava em ter filhos. Cinco anos mais tarde, os planos mudaram — mas só no que diz respeito à maternidade. A ambição na carreira continuou a mesma. Em fevereiro de 2018, quando nasceu Davi, seu primeiro filho, ela ficou seis meses de licença-maternidade e um mês de férias. Nesse período, recebeu a notícia de uma almejada promoção. Ela deixou o cargo de gerente de desenvolvimento de negócios sênior para ocupar o de diretora comercial de um cliente global. “Trabalhei muito durante a gestação e sinalizei meu desejo de voltar e crescer”, afirma Karla.
A convicção de seguir dentro do ambiente corporativo logo após a maternidade, porém, não representa a maioria. É o que aponta uma pesquisa realizada pela Mãe Corporate, consultoria que desenvolve estratégias para a equidade de gênero nas empresas, em parceria com a organização Movimento Mulher 360, que reúne 57 grandes companhias que trocam experiências sobre o tema. Realizado com cerca de 4.000 funcionárias de 13 grandes empresas no Brasil, o levantamento divulgado com exclusividade por EXAME mostra que 84% das entrevistadas já pensaram em deixar o emprego atual para cuidar dos filhos. Para 87% destas, a situação financeira é importante para a permanência. “As mulheres querem encontrar o equilíbrio entre carreira e família. Para 98% delas, suas empresas são acolhedoras na volta da licença-maternidade, mas não o suficiente para que elas não pensem em deixá-las”, diz Carmem Madrilis, sócia-fundadora da Mãe Corporate.
Para as mulheres que ficam, flexibilidade de horário, possibilidade de crescimento, estabilidade e reconhecimento são os principais fatores que determinam não apenas a permanência mas também para que se sintam mais comprometidas no longo prazo (veja quadro abaixo). Para profissionais como Karla, isso fez toda a diferença. Quando voltou ao trabalho, após sete meses, seu filho já se alimentava bem nas refeições e estava adaptado à creche. Mesmo após a volta, ela afirma que se sente à vontade para ficar com o filho sempre que ele adoece. “Saber dessas políticas foi fundamental para a minha tranquilidade de conciliar carreira e maternidade”, afirma Karla.
Com uma política de diversidade desde 2016, a Mastercard começou a adotar medidas como home office e licença-paternidade de 56 dias. “A medida global auxilia a equidade de gênero, uma vez que os homens passam mais tempo em casa com seus bebês. E, na empresa, eles compreendem melhor o período de ausência das mulheres”, diz Fabiana Cymrot, vice-presidente de recursos humanos da Mastercard.
Poucas empresas avançam além dos requisitos básicos da legislação para permitir uma conciliação mais harmoniosa entre trabalho e maternidade. Isso é verdade mesmo entre as empresas engajadas na promoção da diversidade. Das 57 associadas ao Movimento Mulher 360, dois terços adotam o conjunto completo de práticas de retenção pós-licença. A primeira delas é a licença-maternidade estendida, de seis meses, dois a mais do que exige a legislação trabalhista brasileira.
Além disso, existem a licença-paternidade de 20 dias ou mais e o trabalho remoto. A mais sofisticada é a repetição da avaliação de desempenho realizada antes da licença. A prática vem da constatação de que com frequência as mulheres tinham avaliações piores na volta da licença-maternidade por causa do período de ausência. “A política permite à mãe optar por não ser avaliada e repetir sua avaliação anterior. Se houver algum bônus, este será pago proporcionalmente ao tempo trabalhado por ela”, afirma Margareth Goldenberg, diretora do Movimento Mulher 360.
O avanço dessas medidas — sobretudo a de licença estendida — costuma encontrar uma barreira. “Existe a ideia de que a mulher vai trazer custos para a empresa ao ficar muito mais tempo fora do trabalho do que o homem”, diz Regina Madalozzo, professora e pesquisadora da escola de negócios Insper. Uma pesquisa publicada em setembro por Regina e por Adriana Carvalho, gerente de projetos da ONU Mulheres, braço das Nações Unidas focado na promoção da equidade de gênero, revelou que as mulheres ficam, em média, apenas dois dias e meio a mais por ano afastadas das companhias do que ficam os homens. Também há o fato de que a ausência das mulheres por poucos meses dilui-se em carreiras que duram décadas.
A pesquisa considera todos os empregados brasileiros, segundo o Relatório Anual das Informações Sociais de 2017. “Quando se considera a média, o custo da licença-maternidade é muito baixo para as empresas ao ponderar os benefícios de retenção de talentos”, afirma Regina. Qualquer semana a mais pode fazer a diferença quando o assunto é retenção. Quando o Google aumentou a licença de 12 semanas para 18, o percentual de mulheres que deixava a empresa após a licença-maternidade caiu pela metade. A consultoria Accenture dobrou a licença de oito semanas para 16, e a taxa de evasão de mulheres pós-licença caiu 40%.
Uma pesquisa da Universidade de Wilfrid Laurier, no Canadá, publicada recentemente pela Harvard Business Review, mostra que existe algo menos visível mas muito impactante na carreira das mulheres: as profissionais tendem a ser vistas como menos comprometidas na volta da licença. Quanto mais longo o período, pior. A análise constatou que currículos de mulheres que afirmavam ter aderido à licença-maternidade por um ano inteiro, permitido em países como o Canadá, eram menos requisitados do que os de mulheres que afirmavam ter ficado fora por um período menor.
A relações-públicas Carolina Moretti, de 39 anos, conta que sentiu diferença na relação com o chefe e com os colegas ao voltar da licença após o nascimento da filha em 2014. “Eu me sentia mal e excluída dos projetos mais importantes”, afirma. Sem perspectiva, um ano e meio depois ela pediu demissão. Neste ano ela voltou ao trabalho na empresa de eletroeletrônicos Bosch, como especialista em comunicação e marketing, onde ela se diz satisfeita com o espaço para desenvolver novos projetos e com a flexibilidade para tirar uma manhã, ocasionalmente, para assistir a uma apresentação da filha, hoje com 5 anos.
Retomar a carreira após uma pausa nem sempre é fácil. A psicóloga Vanessa Zani, de 38 anos, sentiu essa dificuldade. Depois de 20 anos de trabalho na área de recursos humanos, e respondendo diretamente para o presidente da grande empresa na qual trabalhava, ela engravidou. Após a licença-maternidade de quatro meses, Vanessa manteve-se mais um ano e meio na empresa. Nesse tempo, passou os últimos oito meses pensando em sair. “Não foi uma decisão fácil. Mas sabia da importância de estar com meu filho na primeira infância”, diz ela. De janeiro de 2017 a setembro de 2019, Vanessa se dedicou ao filho e, em paralelo, a projetos pontuais.
Há dois meses, ela voltou ao mercado na posição de gerente de recrutamento na Pepsico. A porta de entrada foi o Ready to Return, programa global lançado nos Estados Unidos em 2017, e no Brasil em 2018, para profissionais que estão fora do mercado há pelo menos dois anos. Na iniciativa deste ano, cinco profissionais foram escolhidas. Globalmente, há a meta de que as mulheres sejam metade do quadro da companhia até 2025. Nos cargos de liderança, atualmente, elas são 43%.
O mercado costuma ser mais implacável com as mulheres de baixa escolaridade. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas, de 2016, revela que, 12 meses após o início da licença-maternidade, 48% das mulheres estão fora dos postos de trabalho — por decisão delas ou do empregador. O índice cai para 35% entre mulheres com ensino superior e sobe para 50% entre as que têm menos anos de estudo.
Entre os empreendedores que iniciaram um negócio no ano passado no Brasil, 44% eram mulheres que o fizeram por necessidade. Os homens na mesma situação representavam 32% da amostra, segundo o Sebrae. “Algumas se veem sem opção”, diz Regina, do Insper. A boa notícia é que, mesmo lenta, há uma tendência de que mais empresas vejam vantagens e tomem iniciativas para tornar-se a escolha mais desejável para as mulheres.