Na fila: na maioria das escolas públicas, a rede não pode atender a todos os alunos ao mesmo tempo (Alexandre Battibugli / EXAME)
Da Redação
Publicado em 31 de março de 2015 às 10h53.
São Paulo - O novo ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, anunciou recentemente que o governo pretende rever os programas federais de disseminação do acesso à internet em banda larga. A constatação é que, até agora, essas iniciativas estão longe de atingir seus objetivos.
Tome-se, por exemplo, o programa Banda Larga nas Escolas, lançado em 2008 para levar internet rápida aos estudantes da rede pública de ensino. Pelas regras originais, as operadoras de telecomunicações deveriam oferecer gratuitamente às escolas conexões com a maior velocidade disponível em cada região.
Quando o programa foi regulamentado, porém, a exigência caiu. Ficou determinado que o acesso à rede deveria ter, no mínimo, a velocidade média da vizinhança — mas há tantas brechas na legislação que, na prática, as operadoras têm oferecido o que querem.
Das 138 000 escolas públicas dos níveis fundamental e médio no país, 64 000 são atendidas pelo programa. Mas 83% contam com conexão de apenas 2 megabits por segundo, velocidade que a União Internacional de Telecomunicações nem sequer considera de banda larga. Para comparar, nos Estados Unidos todas as escolas públicas têm internet pelo menos cinco vezes mais rápida do que isso.
No caso brasileiro, a baixa velocidade é um problema que afeta não apenas pequenos grupos escolares do interior e estudantes que vivem nos rincões distantes. Mesmo colégios localizados nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte têm de conviver com a internet à lenha. Na prática, os alunos dessas escolas estão desconectados.
“Quando a escola recebe essa velocidade de internet, geralmente ela só é usada pela área administrativa”, diz Ronaldo Lemos, professor de direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e diretor da organização não governamental Instituto de Tecnologia e Sociedade.
O acesso à internet em alta velocidade é essencial para que os estudantes possam colher os benefícios oferecidos pelas novas tecnologias — e, sem uma conexão adequada, parte dos investimentos que o poder público faz em computadores, tablets e outros aparelhos eletrônicos acaba desperdiçada.
Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento, de 2006 a 2012, pelo menos 20 países latino-americanos distribuíram laptops ou tablets para alunos da rede pública com a esperança de que os equipamentos pudessem melhorar o desempenho escolar dos jovens. No Brasil, o Ministério da Educação bancou a distribuição de 455 000 tablets para professores — o custo do programa, iniciado em 2012, já é de mais de 140 milhões de reais.
Vários dos demais projetos latino-americanos foram financiados pelo BID. Em 2014, o banco concluiu um estudo sobre as iniciativas empreendidas pelos governos de países da região, e também da China e da Índia, para levar tecnologia às salas de aula. Os resultados mostraram que a média das notas em línguas e matemática melhorou 4% entre os alunos atendidos por programas baseados exclusivamente na distribuição de equipamentos.
Os melhores resultados, porém, vieram dos projetos que forneciam softwares usados para identificar, por meio de testes, em quais tópicos da matéria cada estudante teve mais dificuldade e ofereciam conteúdos para superar as deficiências, como videoaulas, por exemplo. Trata-se do que os especialistas chamam de ensino adaptativo.
Nesses casos, a média das notas dos atendidos aumentou 17%. Por causa disso, o BID recentemente reviu seus critérios de financiamento para projetos de tecnologia nas escolas, que agora não podem se resumir à distribuição de bugigangas eletrônicas.
E aqui voltamos ao nosso problema inicial: raramente as ferramentas de ensino adaptativo funcionam direito sem uma boa conexão à internet. Veja o que acontece diariamente com os alunos da Escola Municipal Maria da Penha de Almeida Manfredi, de Santo André, na Grande São Paulo. A escola tem 30 netbooks que são distribuídos para que os alunos do ensino fundamental possam utilizar a plataforma de ensino virtual Khan Academy.
Na prática, a ferramenta é subutilizada. “Durante as aulas, temos de separar a turma em dois grupos”, diz Sônia Pereira, coordenadora pedagógica do colégio. “Só dá para usar metade dos netbooks de cada vez, senão a rede de computadores fica muito lenta e o sistema trava.” O motivo é a baixa velocidade da internet a que a escola tem acesso: 4 megabits por segundo.
A Khan Academy, criada em 2006 pelo americano Salman Khan e que conta com investimento da Fundação Bill e Melinda Gates, tem mais de 10 milhões de usuários no planeta. No Brasil, seus vídeos e testes online são traduzidos para o português pela Fundação Lemann, uma organização privada que também é responsável por treinar professores para usar a ferramenta e acompanhar os resultados dos estudantes.
Por aqui, as deficiências de infraestrutura obrigam a iniciativa a ter objetivos modestos. Os técnicos da Fundação Lemann identificaram que 8 megabits por segundo é o mínimo necessário para que os alunos possam assistir às videoaulas sem interrupções.
“Os problemas de conectividade das escolas estão impedindo que os estudantes possam aproveitar plenamente essa plataforma”, diz Camila Pereira, gerente da Fundação Lemann, responsável pelo projeto da Khan Academy. “Gostaríamos de levar a plataforma a toda a rede pública, mas parece que isso vai demorar.”
Uma das dificuldades para que programas como o Banda Larga nas Escolas realmente funcionem é a falta de fiscalização. No caso brasileiro, a responsabilidade de averiguar se as operadoras de telefonia estão cumprindo com o combinado é da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
“É difícil verificar se as concessionárias estão levando aos alunos a velocidade mínima exigida”, diz Roberto Pinto Martins, superintendente de controle e obrigações da Anatel. “As regras do programa são complicadas demais.” E o que a Anatel faz? “Esperamos os diretores das escolas denunciarem quando a velocidade está baixa em comparação ao que a operadora oferece no entorno”, afirma Martins.
A maioria não sabe que pode exigir uma internet melhor da Anatel. Nos sete anos de existência do programa, a agência recebeu apenas 11 reclamações de escolas sobre a velocidade da internet. Segundo Martins, neste ano a fiscalização será mais ativa: equipes da Anatel começarão a visitar as escolas aleatoriamente. A agência discute com as operadoras como garantir a entrega de velocidades mais altas.
Por ora, empresas especializadas em tecnologias educativas e escolas públicas tentam se adaptar para lidar com as dificuldades. A startup paulistana Geekie, por exemplo, está criando para escolas públicas desconectadas uma versão de seu software — um programa de computador no qual os estudantes podem fazer provas simuladas do Exame Nacional do Ensino Médio.
Cada vez que alguém completa o teste, feito online, o sistema aponta os erros cometidos e sugere materiais de reforço, como textos para leitura, videoaulas e outras atividades. O programa da Geekie já é utilizado por mais de 3 milhões de alunos de quase 20 000 escolas, entre públicas e privadas.
Segundo o fundador da empresa, Claudio Sassaki, as escolas públicas passarão a ter acesso a um software que dispensará o acesso à internet. “Sem a conexão, o programa perde muito”, afirma Sassaki. “Mas esse é o jeito que encontramos para permitir que os alunos da rede pública tenham acesso a ele.”
Os governos locais também estão se esforçando para não depender do programa Banda Larga nas Escolas. O município do Rio de Janeiro contrata linhas extras de internet para a maioria de suas escolas públicas desde 2009. Pernambuco distribuiu meio milhão de tablets para alunos dos dois últimos anos do ensino médio — mas raramente, numa escola, todos conseguem utilizar a internet ao mesmo tempo.
Por isso, o governo pernambucano começou a incluir nos equipamentos arquivos com apresentações desenvolvidas por professores, livros em formato digital, vídeos traduzidos da Khan Academy e jogos educacionais que não dependem da internet para funcionar.
Por enquanto, essa discussão traz pelo menos uma certeza: estamos muito longe da tal pátria educadora que a presidente Dilma Rousseff diz almejar para o Brasil. Falta tudo: bons professores, boa gestão das escolas, pais conscientizados — e a tecnologia que poderia nos ajudar nessa empreitada.