Poluição cobre uma avenida da cidade de Linfen, na China (AFP/ Peter Parks)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2015 às 16h38.
São Paulo - "O desenvolvimento sustentável é o maior e mais complicado desafio que a humanidade já enfrentou. A mudança climática sozinha é uma dificuldade extraordinária. Somam-se a ela outros dilemas, como a rápida urbanização, o crescimento populacional, a exploração excessiva de recursos oceânicos e terrestres, entre outras inúmeras questões.
Esse é um problema multigeracional e atinge áreas centrais de nossa vida econômica, como energia, transporte, infraestrutura e suprimento alimentar — todas carentes de grandes reformulações tecnológicas. Para tornar esse tema ainda mais complexo, há poderosos interesses constituídos, como os das grandes empresas petrolíferas internacionais. Elas obstruíram o esclarecimento da opinião pública e o progresso da implementação de fontes mais limpas. As demandas se multiplicam e os prazos são apertados.
Mas não devemos desistir. Hoje, identificamos maneiras muito específicas de prever como alcançar os objetivos de sustentabilidade. Conhecemos as tecnologias que podem ‘descarbonizar’ o sistema energético mundial e levar a uma eficácia energética tremenda. Sabemos quais tecnologias aumentam a produtividade agrícola e reduzem o uso de defensivos e fertilizantes.
Mostramos como cidades podem planejar o futuro e projetar infraestruturas inteligentes. Essas são oportunidades a nosso alcance, não é ficção científica, mas coisas que sabemos como fazer e são acessíveis. Em muitos casos, como nas energias eólica e solar, os custos já estão próximos das tecnologias tradicionais, ao menos em algumas regiões privilegiadas do planeta.
Podemos, então, sonhar em ser bem-sucedidos com as novas Metas do Desenvolvimento Sustentável. Esse é o nome do documento que deverá ser aprovado em setembro, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, com objetivos como frear as mudanças climáticas, acabar com a pobreza extrema e oferecer educação efetiva a todas as crianças e jovens.
Acredito que, apesar da escuridão e da confusão que pairam sobre muitas dessas questões, podemos fazer um grande avanço. E, para isso, a mensagem mais importante é que o poder das ideias conta.
Elas têm um efeito sobre as políticas públicas que vai além do que os cínicos podem imaginar. As ideias foram transformadoras em toda a história e desencadearam alguns dos maiores movimentos de transformação dos dois últimos séculos — justamente o período de nosso crescimento econômico moderno.
Considere-se, em primeiro lugar, o fim da escravidão. Transcorreram décadas em meio a muito cinismo e acordos obscenos, mas em 1807 o Império Britânico aboliu o tráfico de escravos e, em 1833, eliminou por completo a escravidão nas colônias britânicas. Isso ocorreu mesmo contra poderosos e arraigados interesses econômicos. No fim, as ideias e a moralidade foram as forças subjacentes da transformação.
A luta contra o regime colonial europeu, liderada por Mahatma Gandhi e muitos de seus contemporâneos na África e na Ásia, também parecia inicialmente impossível. Em 1910 ou 1930, qualquer um apostaria que Gandhi já teria sido esquecido nos dias de hoje e que o Império Britânico teria continuado a governar a Índia e a África para sempre.
Mas foi a liderança de Gandhi que ajudou a dar fim ao colonialismo e depois inspirou o movimento por direitos civis e humanos no mundo todo. Ideias e moralidade pavimentaram repetidamente o caminho para grandes rupturas. O movimento pelos direitos das mulheres está em formação literalmente há centenas de anos, mas obteve grandes avanços nas últimas décadas, muitas vezes nos lugares menos prováveis e em grande parte em razão de combatentes e ativistas ousadas. Isso nos traz às ideias-chave de nosso tempo.
A ideia de que podemos acabar com a pobreza extrema é hoje uma doutrina oficial de grandes instituições, como o Banco Mundial, e provavelmente estará, em breve, no centro do novo conjunto de Metas do Desenvolvimento Sustentável. A ideia do desenvolvimento sustentável é hoje um compromisso mundial por um planeta mais seguro, próspero e justo.
Obviamente, alcançar esses objetivos vai requerer investimentos: novas infraestruturas em água, energia e transporte; novos sistemas educacionais e de assistência à saúde; e outras áreas críticas. Mas sempre vale fazer a velha e boa pergunta: quem pagará essa conta?
De alguma maneira, todos vamos pagar, porque como cidadãos e consumidores temos de pagar pelos bens e serviços que fazem parte de nossa vida. Esse pagamento se dará de duas maneiras: via mercados e via instituições públicas e políticas. Naturalmente, esse debate gera disputas muito ásperas entre o papel de cada um.
Os defensores do livre mercado argumentam que os mercados serão mais eficientes do que os governos. Já os defensores da presença do Estado argumentam que os mercados não estão fazendo os investimentos e provendo os serviços necessários. Por isso, segundo eles, um enfoque público é essencial.
Há casos em que o mercado operou brilhantemente quase sozinho. O maior exemplo disso é a expansão maciça da telefonia móvel no mundo todo. Em meros 25 anos, o número de assinantes de linhas celulares aumentou de algumas dezenas de milhões nos anos 90 para cerca de 7 bilhões de usuários hoje, incluindo muitas das pessoas mais pobres do mundo.
Essa escalada não se deu com base num programa governamental. Foi realizada principalmente por companhias privadas de telecomunicações, movidas pelo lucro e por consumidores que adquiriram aparelhos e acesso à conectividade. Outros tipos de atividades cruciais não tiveram a mesma dinâmica dos telefones celulares.
Mais de uma década atrás, quando companhias produtoras de mosquiteiros tratados com inseticidas para o combate da malária tentaram comercializar seus produtos, descobriram que as pessoas eram tão pobres que não conseguiam pagar por esse tipo de proteção.
A economia nos ensina sobre quais são os limites corretos. Há algumas razões cruciais para que o enfoque do setor privado — que idealmente seria universal — não tenha conseguido solucionar questões críticas. Os mercados são concebidos basicamente para ignorar os pobres, já que eles geralmente não são bons consumidores — o que torna praticamente impossível, nesse caso, combater a pobreza extrema. É aí que entra o conceito de ‘bens de interesse público’.
Existem áreas de nossa vida econômica — saúde e educação, por exemplo — em que o governo deve prover serviços quer as pessoas possam pagar por eles, quer não. Por quê? Porque esses são bens de interesse público, bens que deveriam ser universalmente acessíveis.
O financiamento público também é fundamental em áreas nas quais é difícil haver o retorno do investimento. O desenvolvimento da ciência básica, por exemplo, raramente se transforma em um produto a ser comercializado. Felizmente, muitos países reconhecem isso e o apoiam. No momento em que queremos acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de novas fontes de energia que emitam pouco carbono, o financiamento público é absolutamente essencial.
Ajuda humanitária
No financiamento da sustentabilidade, a ajuda humanitária internacional das nações de alta renda também desempenhará um importante papel para auxiliar os países pobres a cumprir as Metas do Desenvolvimento Sustentável. Nesse aspecto, há críticos ferrenhos ao apoio externo.
Há quem acredite que é um desperdício. Outros veem a ajuda humanitária como algo absolutamente debilitante, que gera um tipo de dependência e diminui a motivação. Estou entre os que argumentam que esse tipo de financiamento é vital, salva vidas e é fundamental para organizações e entidades internacionais voltadas a amparar os mais pobres.
Ele é essencial quando as pessoas são miseráveis e enfrentam desafios de vida ou morte, como a proliferação da malária e da Aids ou a falta de água potável e alimentos. Para ser bem-sucedido, contudo, tal apoio precisa ser bem direcionado e bem administrado. São fortes as evidências de que esse tipo de apoio funciona bem e é possível fazê-lo sem corrupção, roubo e ineficiências burocráticas.
Com um sistema eficaz montado, os custos incrementais para alcançar as Metas do Desenvolvimento Sustentável provavelmente deverão consumir de 1% a 2% do PIB mundial por ano. Esse nível de esforço financeiro, com certeza, não levará o mundo à falência. O desenvolvimento sustentável é um processo.
É uma forma de resolver problemas de forma pacífica, utilizando a ciência e a tecnologia, nosso conhecimento adquirido ao longo do tempo e nossa ética global para solucionar necessidades comuns. Todos nós respiramos hoje o mesmo ar poluído. Isso é uma ameaça a nosso bem-estar e à nossa sobrevivência no futuro. Todos nós prezamos o futuro de nossos filhos. Logo, tenho plena convicção de que saberemos fazer tudo aquilo que precisa ser feito.”