As instituições em debate no EXAME Fórum: Joaquim Barbosa (à esq.), do STF, Augusto Nardes, do TCU, Jerson Kelman, da UFRJ, e Jorge Gerdau, do Grupo Gerdau (Germano Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 8 de novembro de 2013 às 11h29.
São Paulo - De tempos em tempos, políticos e economistas chegam a consensos, alguns óbvios, a respeito dos problemas e dos desafios da economia brasileira. Nos anos 80 e 90, era a hiperinflação. Hoje, é a baixa produtividade. Ninguém discorda: para o Brasil voltar a crescer de forma consistente e por longo tempo, sem gerar inflação, é imperioso usar melhor os recursos existentes, físicos e humanos. Ou seja, nossa economia precisa ser mais produtiva.
Na média, um trabalhador americano produz o mesmo que cinco brasileiros. Nos últimos 30 anos, a produtividade brasileira cresceu à taxa média inferior a 2% ao ano, menos do que outros emergentes. O que fazer para aumentar esse ritmo foi o tema dos debates do quinto EXAME Fórum, realizado no dia 30 de setembro, em São Paulo.
O evento reuniu possíveis candidatos às eleições presidenciais do ano que vem: o senador Aécio Neves, presidente do PSDB, Eduardo Campos , governador de Pernambuco e presidente do PSB, e a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, recém-filiada ao PSB e provável integrante numa chapa com Campos.
O governo foi representado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. O Poder Judiciário, pelos ministros Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, e Augusto Nardes, presidente do Tribunal de Contas da União. Também participaram como debatedores empresários, executivos e economistas brasileiros e estrangeiros.
Uma das conclusões do encontro foi que, para se tornar mais produtivo, o país precisa se modernizar e reduzir suas disparidades, a começar pelo setor público.
“Quanto mais rápido isso ocorrer, maior será a produtividade da economia brasileira”, disse o economista Dani Rodrik, professor do Instituto de Estudos Avançados, com sede em Princeton, nos Estados Unidos. “Isso é ainda mais importante num país em que o Estado administra o equivalente a 40% da riqueza produzida.”
Um caminho para diminuir rapidamente as diferenças é copiar bons exemplos que já existem. Na educação, uma das áreas mais carentes de evolução, histórias de ganho de eficiência na tarefa de ensinar começam a pontilhar o país. O município de Sobral, no Ceará, para melhorar o sistema educacional básico, criou um conjunto de avaliações mensais para o professor detectar as fraquezas dos alunos e atacá-las com aulas de reforço.
Lá também os diretores das escolas deixaram de ser indicados por padrinhos políticos — eles têm de passar em concurso e, depois, receber treinamento regular. Os professores e o diretor das escolas que alcançam as metas da prefeitura são premiados com bônus.
O resultado de tudo isso é uma nota 7,3 no Ideb (índice que mede o desempenho das escolas) do quinto ano do ensino fundamental. A pontuação é uma das mais altas do país. “São medidas simples, que podem ser adotadas por qualquer escola”, disse Naercio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas da escola de negócios Insper.
Assim como ocorre no campo da educação, a parte que cabe às instituições públicas no processo de modernização é grande nas frentes que afetam diretamente a economia. Afinal, as instituições são as responsáveis por criar arcabouços legais que favoreçam o desenvolvimento.
“Temos um ambiente de negócios antiquado, que não nos permite fazer investimentos necessários para o país evoluir”, disse Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e sócio da fabricante de cosméticos Natura.
O sistema judiciário, há vários anos, dá bom exemplo com a organização das eleições, que ficaram ágeis e mais confiáveis após a adoção da urna eletrônica. Mas é de uma lentidão paquidérmica na hora de julgar processos.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o tempo médio de tramitação dos processos fiscais é de quase dez anos. “Para fomentar o desenvolvimento econômico, a Justiça deve ser previsível, célere e eficiente”, disse o ministro Barbosa. Outro problema notório é a ineficiência na execução de obras públicas.
De acordo com o presidente do Tribunal de Contas da União, estão paradas 160 das 1 153 obras sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o braço operacional do Ministério dos Transportes. A origem dos enroscos: 55% das obras não têm projetos básico ou executivo, etapas que antecedem a execução de um empreendimento. Ou seja, uma absoluta falta de planejamento.
“Cada vez que fazemos auditorias, encontramos ineficiências”, disse Nardes. Para o ministro Mantega, o governo está agindo no sentido de dar condições à economia de aumentar a produtividade. Segundo ele, o novo ciclo de melhoria da infraestrutura, iniciado pelo programa de concessões em logística, deverá elevar a taxa de investimentos dos 18,6% de 2012 para 24% em 2022.
Se der certo, o valor investido deverá chegar a 1 trilhão de reais em dez anos. “O país está num processo de retomada de investimentos”, afirmou Mantega. Mas será preciso convencer os investidores. A falta de interessados na BR-262, uma das duas rodovias escaladas no primeiro leilão, mostra que ainda há muitas dúvidas entre os empreendedores.
Abismo na gestão
Também no setor privado existem abismos de produtividade. Há, por exemplo, uma distância impressionante entre o desempenho de multinacionais e a média das empresas locais. Um estudo dos economistas Nicholas Bloom, da Universidade Stanford, dos Estados Unidos, e John Van Reenen, da London School of Economics, da Inglaterra, mediu a diferença de qualidade de gestão em vários países.
Numa escala de 1 a 5, em que 1 significa má gestão e 5 gestão ótima, as multinacionais instaladas no Brasil tiveram nota 3,3. Já as empresas domésticas obtiveram 2,5. É quase o triplo da diferença observada nos Estados Unidos, onde essa distância é de 0,3 ponto. O que explica essa situação? Em primeiro lugar, o fato de que empresas, para ganhar escala global, precisam ser eficientes.
Em segundo, pela possibilidade de intercâmbio de boas práticas entre as unidades de uma multinacional. “Empresas presentes em vários países são mais inovadoras e eficientes porque dispõem de um conhecimento global”, afirmou Mauricio Pane, vice-presidente de finanças da alemã Basf, do ramo químico. Atualmente, só na unidade brasileira da Basf há 68 estrangeiros trabalhando. Em compensação, 44 brasileiros estão em outros países.
Na prática, qualidade de gestão significa mais produtividade. Com base nos dados do Banco Central (BC), o economista Gustavo Franco, sócio da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do BC, calculou que a produtividade do trabalhador de uma multinacional chega a ser 13 vezes a média nacional: 397 000 reais gerados nas múltis ante 31 000 reais nas demais.
Em 1995, havia no Brasil cerca de 6 000 empresas com participação de capital estrangeiro. Em 2010, o número subiu para quase 17 000. “O Brasil precisa desse choque cultural”, disse Franco.
Esse choque poderia ser ampliado com a redução do protecionismo que ainda distorce a economia brasileira. “O preço que pagamos por viver num país fechado é que deixamos de nos atualizar em termos de técnicas e de governança empresarial”, afirmou Pedro Passos, do Iedi.
Se abertura é importante, ter uma população com bons níveis de escolaridade é essencial. Um estudo mostrou que o setor de autopeças no Brasil perdeu no ano passado 6 bilhões de reais em desperdícios na linha de montagem. Boa parte da perda é decorrente de má qualidade da mão de obra.
“Investir em educação é o caminho para desenvolver as habilidades das pessoas e ajudar o país a aumentar a produtividade,” disse Andreas Schleicher, assessor especial de política de educação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, entidade que congrega os 30 países mais desenvolvidos.
Também por causa da defasagem educacional, nas atividades intensivas em mão de obra a disparidade costuma ser maior. Um exemplo é o que ocorre no comércio varejista, que absorveu 17% do total de trabalhadores que entraram no mercado de trabalho no Brasil de 2000 a 2012.
A produtividade média no varejo corresponde a 36% da registrada pelo setor nos Estados Unidos, segundo estudo do economista David Lagakos, da Universidade da Califórnia. O estudo foi além: comparou a produtividade entre empresas varejistas de tamanhos diferentes.
As varejistas no Brasil com mais de 20 funcionários obtêm produtividade equivalente a 73% da média americana. Já nas lojas menores, a relação não ultrapassa 20%. “Lojas maiores tendem a ser mais modernas e ter melhores práticas de gestão”, disse Lagakos.
A rede de varejo de moda Riachuelo ilustra essa diferença. Em suas lojas, não existe mais o funcionário que fica checando nas araras se algum produto está em falta e liga para o fornecedor pedindo novas peças. O processo é todo automatizado e comandado por leitor de código de barras.
Quando o cliente leva o produto ao caixa, o sistema já contabiliza a venda e regula os estoques. “Os níveis de encalhe e o risco de perder uma venda por falta de produtos nas lojas agora são mínimos”, disse Flavio Rocha, presidente da Riachuelo. No Brasil, varejistas como a Riachuelo estão longe de ser a maioria.
Segundo o economista Lagakos, quase 80% dos empregos no setor no Brasil estão nas lojas menores — e com menos tecnologia. Ou seja: puxam a produtividade para baixo. Nos Estados Unidos, 67% dos empregos estão na outra ponta. Se a estrutura do varejo brasileiro fosse igual à americana, a produtividade do setor aqui aumentaria 52%.
O ataque às diferenças, portanto, no setor privado e no setor público, pode ser um atalho para o Brasil acelerar a obtenção de ganhos substanciais de produtividade e criar mais condições para o desenvolvimento. Quanto antes começar, antes virão os resultados.