Laboratório de automação do ITA: um número maior de alunos terá acesso a estas instalações (André Lessa/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 14 de novembro de 2013 às 06h56.
São José dos Campos - A manhã de terça-feira 27 de agosto seria igual a qualquer outra no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, no interior de São Paulo, não fosse a disposição dos alunos em não assistir às aulas. Algo surpreendente, visto que o ITA, uma instituição militar, é reconhecido por ter alunos dedicados, disciplinados e, sobretudo, brilhantes.
A relação candidato-vaga de seu vestibular é uma das mais altas do Brasil e seus formandos são disputados a tapa no mercado. “Busco sempre contratar gente do ITA”, diz Alberto Carvalho, presidente da fabricante de bens de consumo Procter&Gamble no Brasil e ex-aluno da instituição.
“Os alunos aprendem a lidar com pressão e desenvolvem uma capacidade técnica impressionante.” Esses alunos pararam para clamar por mudanças. “O pessoal que foi estudar no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de Boston, nos Estados Unidos, pelo Ciência sem Fronteiras, disse que o curso lá era mais estimulante e tinha mais prática de engenharia do que aqui, embora a qualidade dos alunos fosse igual”, diz Victor Montalvão, estudante do 3º ano de computação e um dos líderes do centro acadêmico.
Outra coisa surpreendente: o reitor Carlos Américo Pacheco faz eco às críticas dos estudantes. “Há uma desvantagem clara em relação aos melhores cursos de engenharia do mundo”, afirma Pacheco. “O ITA é uma escola envelhecida.”
Naquela manhã, ele se reuniu com os alunos para ouvi-los. Os estudantes reclamavam que não têm flexibilidade na grade de disciplinas e que alguns professores abusam do poder. No ITA, só no último ano há disciplinas optativas. Não existe, como em outras universidades, o sistema de créditos, que permite ao aluno se especializar em áreas de preferência. Além disso, quando um professor reprova um aluno, ele é desligado da escola.
As reivindicações dos alunos são simbólicas do momento que o ITA vive — elas chegam em meio a um processo de mudança que é o mais significativo desde a fundação, em 1950. No centro da reforma está o objetivo de aumentar o tamanho da instituição. Hoje, a escola tem 600 alunos de graduação e forma 120 engenheiros por ano. O plano é dobrar esse número.
O vestibular deste ano já ofereceu 50% mais vagas para a graduação. O número de alunos de mestrado e doutorado também crescerá, de 1 200 atuais para 1 800 até 2017. Os professores, hoje 150, serão 300 — o ITA vai contratar mais 60 já no ano que vem. Porém, mais do que crescer, a instituição precisa se atualizar.
Para ajudar nessa tarefa, Pacheco pretende fechar até o fim do ano uma parceria com o MIT, considerada a melhor escola do mundo na área tecnológica. De lá virá a inspiração para mudar o currículo dos seis cursos de engenharia oferecidos. “Já detectamos diversas oportunidades para melhorar o ensino no ITA”, diz Jaime Peraire, chefe do departamento de aeronáutica da instiuição americana.
A parceria será uma espécie de retorno às origens: o ITA teve dois reitores americanos, ex-professores do MIT, na década de 50, quando foi criado por militares da Força Aérea Brasileira. Na década seguinte, o ITA forneceu a base de engenheiros que impulsionou a produção de aviões no país, gerando empresas como a Embraer, fundada como uma estatal em 1969, também em São José dos Campos.
A parceria com o MIT inclui projetos de pesquisa conjuntos e um intercâmbio maior de professores e alunos. Assim, a escola brasileira espera dar uma injeção de qualidade na pós-graduação. A maioria de seus cursos de mestrado e doutorado tem nota 4 na avaliação do Ministério da Educação, numa escala que vai até 7.
“Melhorar a pós-graduação vai permitir que os novos professores sintam que podem desenvolver também uma carreira notável como pesquisadores”, diz Carlos de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, ele mesmo um ex-aluno do ITA.
“Isso é o que mais atrai professores de alto nível.” O ITA vai precisar de professores com mentalidade inovadora para atualizar sua grade de disciplinas. No ano que vem, a escola definirá os detalhes de um sistema de créditos que permitirá, em 2015, escolher matérias optativas a partir do 3º ano da graduação — e não mais no último, como é hoje. As áreas de conhecimento que mais serão contempladas são engenharia de sistemas, de inovação e de materiais, cursos que não existem hoje no ITA.
No plano, está tudo muito bonito, mas, na prática, a mudança sofre com os nós do setor público no Brasil. “Com seu processo de recrutamento, o ITA terá dificuldade de contratar professores com as características adequadas para tocar a modernização”, diz Silvio Meira, outro ex-aluno da escola e fundador do polo de inovação Porto Digital, em Recife.
Meira integra a Comissão de Planejamento Estratégico criada por Pacheco depois que ele virou reitor do ITA, no fim de 2011. O próprio Pacheco sabe que terá dificuldades para tocar o processo. Ele foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia no governo Fernando Henrique Cardoso e aprendeu a negociar nos gabinetes de Brasília.
“O perfil político de Pacheco foi decisivo para conseguir, nos ministérios da Defesa e da Educação, a liberação de 300 milhões de reais para a construção de quatro prédios”, diz Fernando Sakane, vice-reitor desde 2003. A própria parceria com o MIT, que vem sendo negociada há mais de um ano, ainda depende de acertos típicos da burocracia.
A expectativa de Pacheco era que a presidente Dilma assinasse um documento firmando o pacto na viagem oficial que estava programada para os Estados Unidos em outubro. O cancelamento da viagem foi um balde de água fria. Mas isso não vai pará-lo. “O MIT é um estímulo, mas vamos encontrar caminho próprio”, diz Pacheco. Que caminho, reitor? “Uma escola capaz de despertar a paixão por estudar e empreender.”