Amanda Santana, fundadora da Tucum: retorno de 1% ao mês (Andre Valentim/Exame)
Rodrigo Caetano
Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 05h30.
Última atualização em 21 de janeiro de 2020 às 15h05.
Há seis anos, a carioca Amanda Santana transformou sua admiração pelo artesanato dos caiapós, indígenas estabelecidos no sul do Pará, em ponto de partida para empreender. Juntamente com o sócio Fernando Niemeyer, ela criou a Tucum, loja especializada em artesanato indígena com pontos de venda no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de uma operação online. O modelo de negócios prevê que todos os envolvidos na cadeia sejam beneficiados, além de, como em qualquer outro empreendimento, prever o lucro para continuar a sobreviver e a crescer. “De nossa receita, 40% ficam com o artesão”, afirma Amanda. No ano passado, as vendas da Tucum somaram cerca de 330.000 reais.
Em março, a Tucum participará de uma rodada de captação de recursos promovida na internet pela Sitawi Finanças do Bem, organização sem fins lucrativos criada em 2008 que desenvolve programas de mobilização de capital para negócios de impacto social. A empresa estará entre outros quatro negócios selecionados pela plataforma, todos relacionados à Amazônia. Qualquer investidor poderá comprar títulos de dívidas por, no mínimo, 1.000 reais — numa transação intermediada pelo banco Topázio. O dinheiro aplicado será devolvido em até dois anos, acrescido de 12% ao ano de juros. É um rendimento cerca de três vezes superior ao concedido atualmente pela poupança. Ainda assim, por meio dessa modalidade de empréstimo peer-to-peer, que permite a pessoas físicas emprestar dinheiro diretamente a outras pessoas ou a empresas, Amanda pagará bem menos juros do que se tomasse um empréstimo convencional num banco.
Histórias como essa surgem do encontro entre dois novos personagens no mundo dos negócios. De um lado, empreendedores dispostos a se dedicar a uma causa, sem abrir mão do lucro. De outro, investidores decididos a obter algo além do retorno financeiro. Nos últimos quatro anos, os investimentos de impacto tiveram um crescimento anual de 17% no mundo, segundo a Global Impact Investing Network, entidade que reúne fundos e investidores. O volume global investido nesse tipo de negócio já supera os 500 bilhões de dólares (veja quadro na pág. 74). No Brasil, o último dado disponível aponta que o setor movimentou 320 milhões de dólares em 2017.
Dados da Pipe.Social, plataforma que conecta investidores e empreendedores sociais, mostram que iniciativas do gênero têm crescido por aqui. A base de negócios cadastrados cresceu 70% entre 2016 e 2018, ultrapassando a marca de 1.000 projetos. O surgimento de modalidades de investimento como a utilizada pela Sitawi deve impulsionar ainda mais esse mercado. A maioria das empresas (76%) tem como fonte os próprios recursos, 25% obtiveram financiamento de pessoas próximas e apenas 4% contam com investimentos de fundos de capital de risco ou de participações (a mesma empresa pode ter mais de uma dessas fontes de recursos). Até agora não havia meios organizados de permitir que o investidor comum pudesse investir suas economias para causar um impacto positivo na sociedade ou no planeta. “Novos modelos de financiamento prometem ampliar o acesso dessas empresas a capital e permitir que investidores de menor porte apoiem negócios de impacto e ainda consigam um bom retorno”, diz Lívia Hollerbach, fundadora da Pipe.
A mudança na origem do dinheiro dedicado aos negócios de impacto fica evidente no caso da Sitawi. Fundada em 2008 pelo executivo Leonardo Letelier, que antes de criar a organização atuou como consultor da McKinsey por dez anos, a Sitawi nasceu para fazer gestão de capital filantrópico. Para investir em negócios de impacto, até o ano passado a Sitawi contava apenas com capital arrecadado por instituições filantrópicas e family offices, gestores de fortunas. Em junho, em parceria com o Instituto Sabin, lançou a primeira iniciativa mais democrática, com uma rodada para arrecadar fundos que atraiu 159 participantes. A operação foi intermediada pelo Banco Topázio. Juntos, eles investiram 1,5 milhão de reais. Quase dois terços desse valor vieram de investidores que aportaram até 5.000 reais.
Um modelo semelhante foi recentemente adotado pela Vox Capital, gestora de recursos voltada para negócios de impacto que tem entre os sócios Antonio Ermírio de Moraes Neto, um dos herdeiros do Grupo Votorantim. Acostumada a lidar com investidores com, pelo menos, 250.000 reais disponíveis, a Vox lançou, em junho passado, a iniciativa Clube de Impacto, aberta a investimentos a partir de 1.000 reais. A primeira captação foi para levantar 600.000 reais destinados à Diaspora.Black, que vende pacotes turísticos para o público negro. No modelo da Vox, os investidores adquirem uma participação na companhia.
Assim como ocorre com qualquer investimento em startups, existe um alto risco envolvido. Se a empresa quebrar, o investidor poderá dizer adeus ao dinheiro. No caso da Sitawi, a maneira encontrada para reduzir o risco de problemas é garantir que dois terços do dinheiro dedicado a essas novas empresas sejam bancados por parceiros, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e o Instituto Humanize, pertencente à família Marinho, controladora da Rede Globo. A ideia é encorajar investidores menores a entrar no negócio. “Historicamente, a taxa de inadimplência é de apenas 3%”, diz Andrea Resende, gerente de finanças sociais da Sitawi.
O modelo peer-to-peer não é o único utilizado para ampliar o acesso aos investimentos de impacto. A Din4mo Ventures, empresa que apoia negócios de impacto e investe nesse nicho, criou em 2018 uma operação que emitiu debêntures para arrecadar 5 milhões de reais para a Vivenda, empresa que vende reformas de residências em favelas. Já foram realizadas mais de 1.600 obras beneficiando 5.600 pessoas. A debênture foi emitida em parceria com a Gaia Securitizadora, que atua nos ramos imobiliário e de agronegócio, e negociada por meio da plataforma de private bank do banco Itaú Unibanco, voltada para investidores pessoa física. “A chancela de grandes entidades filantrópicas atrai investidores tradicionais que buscam impacto mas não podem abrir mão de obter um retorno”, afirma Marco Gorini, sócio fundador da Din4mo.
O contexto de juros mais baixos tende a ser o empurrãozinho que faltava para que a tolerância ao risco nas finanças pessoais aumente. Mas há indícios de que existam mais motivações por trás do movimento. Um estudo realizado no ano passado pela gestora de fundos britânica Schroders mostra que a sustentabilidade vem ganhando importância para a decisão de investimento em todo o mundo. Dos 25.000 entrevistados, de 32 países, que têm intenção de investir pelo menos 10.000 euros nos próximos 12 meses, dois terços acreditam que sua iniciativa financeira pode ter um impacto no mundo. Os fatores vinculados à atuação social e ambiental das empresas constituem uma ponderação importante na escolha dos investimentos para 57% dos participantes. Entre os brasileiros, 76% acreditam que investidores pessoas físicas podem contribuir para um mundo melhor ao ser responsáveis na hora de escolher onde investir seu dinheiro. “Vivemos num mundo capitalista, então vamos usar o sistema a nosso favor”, diz Amanda, fundadora da Tucum. “Quanto mais gente puder participar do nosso sonho de melhorar a sociedade, melhor.” Se tudo der certo, essa tarefa será tão fácil no futuro quanto fazer uma transferência bancária.