Revista Exame

Idosos e rentáveis

A Prevent Senior atende pacientes esnobados pela concorrência e obtém bons resultados. É possível chegar a outras cidades sem desandar?

Fernando Parrillo, presidente da Prevent Senior: o início foi com serviço de ambulância  (Germano Lüders/Exame)

Fernando Parrillo, presidente da Prevent Senior: o início foi com serviço de ambulância (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 05h36.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 10h08.

São 9 horas da manhã de uma quarta-feira de novembro. Cerca de 50 idosos malham em um salão dentro do Allianz Parque, o estádio do Palmeiras, na zona oeste de São Paulo. Os exercícios exigem agilidade, coordenação motora e fôlego. “Precisei de uma cirurgia no joelho e o médico me recomendou exercícios. Comecei e não parei mais. Perdi peso, fiz amigos, isto aqui é meu remédio”, diz a aposentada Maria Aparecida dos Santos Watanabe, de 73 anos. Só neste ano, ela participou de 46 corridas.

Sua maior conquista foi correr a São Silvestre em 2017. Beneficiária da operadora de saúde Prevent Senior, Maria Aparecida faz exercícios físicos todos os dias, boa parte deles nas aulas em grupo promovidas pela operadora. Assim como Maria Aparecida, cerca de 7.000 beneficiários da companhia participam de atividades que incluem ginástica, ioga, artes, música e canto. A ideia é que elas ajudem a promover a saúde. Quem tem problemas respiratórios, por exemplo, pode fazer parte do coral e fortalecer o pulmão cantando. “Na aula focamos atividades que estimulem o cérebro, mas a socialização é uma das partes mais importantes”, afirma a professora de artes Elaine Gutierrez. Neuza Pernichelli, de 85 anos, é a aluna mais velha do curso de artes e está aprendendo a fazer uma árvore de Natal usando revistas antigas. “Eu comecei a ter dificuldades de memória e a atividade aqui está me ajudando muito”, afirma. “Precisamos usar a cabeça.”

As atividades fora de hospitais e consultórios são parte importante do modelo de negócios da Prevent Senior. A empresa foi fundada há 22 anos na Mooca, na zona leste de São Paulo, pelos irmãos Eduardo e Fernando Parrillo — até hoje a família é a única dona do negócio. Começou como um serviço de ambulância e evoluiu para o atendimento médico. A operadora sempre teve foco no público da terceira idade. Nos últimos anos, tem impressionado pelos resultados em um setor que luta contra a alta nos custos dos tratamentos. O faturamento foi de 1 bilhão de reais, em 2014, para 3,5 bilhões, em 2019. No mesmo período, o lucro subiu de 56 milhões de reais para uma expectativa de 410 milhões ao final deste ano. Isso com uma carteira que outras operadoras pagariam para não ter.

A Prevent Senior tem 456.000 beneficiários, sendo 346.000 com 61 anos ou mais e 258 que já chegaram aos 100 anos de idade. “Estamos contra a lógica do mercado de saúde”, afirma o administrador Fernando Parrillo, presidente da empresa. Aos 51 anos, ele se identifica com seu público e atesta que ter mais de 50 hoje é bem diferente do que era 20 anos atrás. No mezanino de sua sala de trabalho, decorada com uma mesa portuguesa de 1920, Parrillo instalou um estúdio para ensaios semanais da banda de rock’n’roll que mantém com dois amigos e com o irmão Eduardo, médico e diretor clínico da Prevent Senior.

O envelhecimento da população é uma das explicações dadas para o fato de a inflação médica ter ficado em 17% em 2018, ante uma inflação geral de 3,7%. O público com 60 anos ou mais é o único que cresce entre os beneficiários dos planos de saúde: foram 148.000 beneficiários a mais de julho de 2018 a julho deste ano. No mesmo período, o número de beneficiários de até 59 anos encolheu 281.000.

A tendência de envelhecimento das carteiras é sem volta. Uma projeção feita pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), organização que estuda o setor, indica que as operadoras deverão gastar mais de 383 bilhões de reais com a assistência de seus beneficiários em 2030 por causa do envelhecimento da população e da inflação médica — o aumento previsto para o gasto é de 157% em relação ao registrado em 2017. “É preciso rever o modelo atual. Caso contrário, a sustentabilidade do sistema pode ficar ameaçada”, afirma José Cechin, superintendente executivo do instituto. Para a  Prevent Senior, a tendência amplia o público-alvo e o tamanho dos desafios. “Vamos mostrar que, com planejamento, a medicina vai ficar cada vez mais barata e os custos médicos vão abaixar. E esse é o nosso negócio”, afirma Parrillo.

A operadora mira pessoas com mais de 39 anos e cobra uma mensalidade média de 800 reais. Todos os contratos são individuais, outro contrassenso para o setor. As grandes concorrentes deixaram de vender esse modelo ao longo da última década e passaram a trabalhar apenas com contratos empresariais ou coletivos, que hoje representam mais de 80% do mercado. Isso porque os contratos coletivos dão mais liberdade à operadora na hora da aplicação de reajustes, já que o aumento dos planos individuais é definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em 2019, o reajuste dos individuais ficou limitado a 7,35%, enquanto o dos planos coletivos chegou a 20%. Em 2017, a Prevent Senior aplicou menos da metade do reajuste definido pela ANS — aumentou 6,5%, ante um reajuste permitido de 13,5%.

A decisão não afetou os resultados: a empresa lucrou 164 milhões de reais naquele ano e 345 milhões no ano seguinte. Apesar da combinação entre beneficiários idosos e planos individuais, a taxa de sinistralidade da Prevent Senior — índice que mede a relação entre quanto a empresa recebe e quanto ela gasta com serviços de saúde — é de 68%. A SulAmérica tem sinistralidade de 79%; a Amil, de 84%; a Hapvida, que tem a melhor taxa do mercado, registra 60%.

Clientes da Prevent Senior: aulas de arte e ginástica para manutenção da saúde | Germano Lüders

Os bons números começam na prevenção. Na Prevent Senior, cada paciente tem um médico tutor, cuja especialidade varia de acordo com a necessidade. Se a pessoa tem um problema no coração, o tutor provavelmente será um cardiologista. A operadora promove, ainda, encontros para falar sobre temas como prevenção a queda, doenças específicas e cuidados após uma cirurgia. Com isso, diz ter reduzido o tempo de internação, assim como a relação entre o número de beneficiários e o número de leitos na rede própria, que caiu 40%. “A atuação forte na prevenção evita que as doenças ocorram. O setor está começando a olhar para isso, mas ainda de forma tímida”, afirma Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Associação Nacional das Administradoras de Benefícios.

Segundo EXAME apurou, outras empresas, entre elas a Amil, a maior do setor, procuraram a Prevent Senior para entender como manejar uma carteira de clientes cada vez mais velhos. A Amil tem prejuízos constantes com sua carteira de cerca de 800.000 clientes individuais. A empresa não aceita mais clientes nessa modalidade e afirma que os contratos que restaram são uma pequena parte dos negócios e não são comparáveis aos da Prevent Senior. Outra grande operadora, a NotreDame Intermédica, comprou uma concorrente da Prevent Senior, a Greenline, em 2018, por 1,2 bilhão de reais.

Hospital da Amil: a carteira de clientes individuais virou um problema | Germano Lüders


A concentração do atendimento na rede própria evita exames desnecessários e melhora a gestão dos dados. A Prevent Senior tem 44 unidades na rede própria de atendimento, sendo 12 hospitais. Neste ano, anunciou investimentos para aumentar em 50% a capacidade de atendimento, para 700.000 beneficiários. Serão 300 milhões de reais na construção de mais seis hospitais, sendo quatro em São Paulo, um em Osasco e outro em Santos, no litoral paulista.
Enquanto constrói novas unidades, a companhia também está reformando as já existentes, com quartos mais amplos para atender melhor os familiares dos pacientes e com uma decoração com menos cara de hospital. Na unidade de Santa Cecília, no centro de São Paulo, o hall de entrada recebeu plantas, móveis de tom amadeirado e painéis com fotos de paisagens. Outro projeto, que deve receber investimento de 200 milhões de reais, é um complexo batizado de Cidade Prevent Senior, no local onde ficava a antiga fábrica da cervejaria Antarctica, na Mooca, em São Paulo. O complexo tem a meta de ser uma espécie de Disneylândia para a terceira idade, com clube, piscina, teatro, cinema, shopping, restaurante e, é claro, um hospital. Ainda outros 80 milhões devem ser investidos na compra de dois helicópteros para as remoções emergenciais. Tudo com capital próprio.
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O modelo bem-sucedido estará à prova nos próximos anos. Após 22 anos restrita à capital paulista e às cidades próximas, em novembro a Prevent Senior começou a oferecer planos de saúde no Rio de Janeiro e já tem uma lista de 6.000 interessados. O modelo funcionará em parceria: os pacientes cariocas vão se consultar com médicos da Prevent Senior, mas usarão hospitais de outras redes, em especial da Amil, uma vez que a empresa paulista ainda não tem hospitais por lá. A ideia é operar no mesmo modelo em Brasília a partir de 2020 e depois chegar a Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e até aos Estados Unidos.

É um passo importante para deixar de ser uma operadora local e se aproximar das líderes — a Amil faturou 21 bilhões de reais em 2018. O desafio é fazer o modelo de negócios funcionar em outras cidades, sem rede de hospitais própria, com um público desconhecido. “Atender em rede própria aumenta a capacidade de gestão do serviço. E isso é muito mais simples se a empresa está concentrada geograficamente. Fazer em escala nacional é muito mais complexo”, afirma José Cechin, do IESS. Serão desafios para enfrentar em 2020. Nos dias 7 e 8 dezembro, a companhia promoverá um show para seus beneficiários no Allianz Parque, com capacidade para receber 48.000 pessoas. No palco estarão os cantores Chitãozinho e Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano e Edson e Hudson. “Será um evento histórico para nós”, afirma Parrillo. Para a Prevent Senior, o momento é de celebrar as conquistas recentes.

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