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Da Redação
Publicado em 13 de setembro de 2011 às 20h05.
Colchões de mola, carcaças de televisão, sofás, pneus e garrafas plásticas passam boiando pelo Rio Iguaçu, em frente da Estação de Tratamento de Água Industrial de Araucária, no Paraná. O rio nasce em Piraquara, nas cabeceiras da Serra do Mar, e corre para oeste, cruzando todo o sul do estado até desaguar em Foz do Iguaçu.
Ao atravessar Curitiba, o Iguaçu recebe o lixo industrial e o esgoto da metrópole de 1,5 milhão de habitantes. Trinta quilômetros mais adiante, quando passa em Araucária, sua cor é cinza-escuro, a água emite cheiro de gás sulfídrico (similar ao de ovo podre), borras vermelhas se acumulam nas margens (dejetos de ferro, mercúrio e manganês) e não há sinal de peixes. Em Araucária, o Rio Iguaçu está morto.
É exatamente nesse ponto que a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) inaugurou, no ano passado, a Estação de Tratamento de Água Industrial de Araucária, a primeira do país a fornecer água de reúso diretamente às indústrias. A estação extrai a água do Iguaçu, faz a purificação e vende toda a sua produção -- 300 litros por segundo -- para três clientes: a fábrica de insumos químicos da Fosfértil Ultrafértil, a usina de aço da CSN-Paraná e a Termelétrica Araucária, controlada por Copel, Petrobras e El Paso.
As vantagens ambientais são evidentes. As financeiras também: enquanto 1 000 litros de água potável custam 1,50 real para os consumidores residenciais e 2,60 reais para as empresas, 1 000 litros de água de reúso custam de 0,49 a 0,59 real. A perspectiva de uma economia extraordinária fez com que a Fosfértil Ultrafértil, a CSN e a Termelétrica Araucária financiassem 76% do investimento no projeto.
"Com a demanda crescente de água e a cobrança pelo uso, o custo vai pesar nas empresas", diz José Carlos Wageck, gerente da fábrica da Fosfértil Ultrafértil, produtora de insumos químicos. "Diante disso, optamos pela garantia de um fornecimento estável, bom e barato." Para fabricar toneladas de uréia, amônia e enxofre, a empresa consome 480 000 litros de água por hora.
Mais da metade disso é extraída da Represa Rio Verde pela Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), da Petrobras. O restante provém de água de reúso vendida pela Sanepar e é utilizado na produção de vapor, no resfriamento das torres e na limpeza das caldeiras. Investir na reciclagem foi uma decisão estratégica. "No futuro, a água do Rio Verde deverá ser protegida por leis ambientais, haverá limitações no abastecimento e taxações mais elevadas", afirma Wageck.
Várias empresas estão investindo em projetos avançados de reúso da água, como a Volkswagen em Taubaté, no interior de São Paulo; a Fiat; a fábrica da Souza Cruz em Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul; e a fábrica da Tintas Coral, em Recife.
Em São Paulo, algumas estações de tratamento de esgoto produzem água de reúso utilizada pela prefeitura de São Caetano do Sul, no ABC, para lavar ruas e irrigar jardins. A Sabesp também vende o produto para as construtoras OAS, UA Engenharia, Consdon e Marquise usarem em seus canteiros de obras. Em São Paulo, o projeto mais avançado é o da Coats Corrente, que utiliza água de reúso na produção de linhas de costura. A empresa bancou a implantação de 800 metros de tubulação que ligam a Estação de Tratamento de Esgotos do Ipiranga, na zona sul da cidade, à fábrica.
A partir de setembro, o Projeto de Reúso de Água, da Embrapa e da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, fornecerá 40 000 litros de água reciclada por hora para a agricultura. "Cerca de 80% da água consumida numa cidade vira esgoto", diz a professora Vera Antunes, coordenadora do projeto. "Vamos recuperar essa água e oferecê-la ao produtor rural, gerando renda e qualidade de vida." Atualmente, a agricultura absorve 70% da água consumida no Brasil.
Nenhuma dessas iniciativas, entretanto, se compara ao empreendimento de Araucária, no Paraná. A Estação de Tratamento de Água Industrial custou 8,6 milhões de reais à Sanepar. A Termelétrica Araucária entrou com 4,7 milhões, a CSN-Paraná, com 1,8 milhão, e a Fosfértil Ultrafértil fechou um contrato de 20 anos pagando a taxa mais alta (0,59 real por 1 000 litros fornecidos). Os oito tanques de purificação foram construídos em módulos que podem ser expandidos até triplicar a produção.
Três dutos subterrâneos transportam a água por 7 quilômetros até os usuários. "Tratamos a água quimicamente para atender à necessidade dos clientes e entregamos o produto a granel, na planta", diz Agenor Zarpelon, coordenador de produção da Sanepar. A estação é inteiramente automatizada: em apenas 30 minutos, 600 000 litros são coagulados, desinfeccionados, decantados e purificados.
A nova usina de aços revestidos da CSN-Paraná utilizará 100% de água de reúso em seus processos. "A siderurgia consome uma enormidade de água para refrigerar fornos que chegam a 2 000 graus centígrados de temperatura", diz Márcio Lins, diretor da empresa. "A água de reúso permite melhorar a sustentabilidade para nós e para a humanidade." Lins acredita que a cobrança pelo uso da água, em vigor na bacia do Rio Paraíba do Sul e no Ceará, a médio prazo será uma realidade em muitas bacias de rios brasileiros.
No Brasil há, ao mesmo tempo, falta e excesso de água. Nas áreas carentes, como nas cidades de São Paulo e do Recife, o potencial do reúso é enorme. Um estudo da Sanepar estima que, apenas na região metropolitana de Curitiba, dos 7 bilhões de litros de esgoto gerados por mês, 4,8 bilhões possam ser revendidos como água de reúso. O projeto custaria 30 milhões de reais, geraria 11,5 milhões de reais de receita anual e daria retorno em três anos.
"Onde há deficiência de abastecimento, o reúso de água é uma alternativa óbvia", diz Caio Brandão Pinto, presidente da Sanepar. "Pense numa termelétrica que consuma 150 litros por segundo, 60% dos quais para gerar vapor e acionar uma turbina. Por que essa água precisaria ser potável?" Para Brandão, a disseminação do reúso é uma questão de tempo. Na medida em que a demanda de água aumentar e a cobrança pelo uso se expandir, a alternativa da reciclagem acabará fazendo parte do dia-a-dia das empresas.