Revista Exame

Geração prateada é mina de ouro para varejistas

Hiperpersonalização, desenvolvimento de produtos e atendimento diferenciado (incluindo o universo digital) são apostas de indústrias e lojas

Natura: a procura pela linha Chronos, voltada aos cuidados com a pele, cresceu, e a marca vê maior demanda por produtos que valorizem a beleza (Leandro Fonseca/Exame)

Natura: a procura pela linha Chronos, voltada aos cuidados com a pele, cresceu, e a marca vê maior demanda por produtos que valorizem a beleza (Leandro Fonseca/Exame)

Bruno Capelas
Bruno Capelas

Colaborador

Publicado em 12 de março de 2025 às 06h00.

“Estamos vivendo um novo momento de consumo: hoje, quem tem 50 ou 60 anos experimenta uma expectativa de vida maior e quer continuar vivendo e trabalhando. Muitas varejistas, porém, têm receio de ‘envelhecerem’ junto com o público”, diz Clea Klouri, sócia-fundadora da consultoria Data8, lembrando que a proporção de jovens e idosos no Brasil é cada vez mais parelha. “Até 2050, o Brasil vai ser o sexto país mais velho do mundo e haverá uma inversão da pirâmide etária de maneira significativa. As marcas que não olharem para esse público vão ter muito menos consumidores no futuro.”

Há empresas, porém, que já perceberam o chamado da longevidade e adaptam suas estratégias para atender melhor   esse público. No Grupo Pão de Açúcar (GPA), por exemplo, o público acima dos 50 anos compõe 36% da base total de clientes da rede e é visto como premium pela empresa: afinal de contas, quem está acima dos 50 anos tem gasto médio anual 61% superior à média de clientes e uma frequência de compra 36% acima do normal. “É uma mina de ouro”, resume Amira Ayoub, head de marca do GPA.

Para atender essa clientela especial, a empresa aposta em um raciocínio principal: a hiperpersonalização. “Não dá para generalizar esse público: o cliente 50+ pode ser tanto aquele que ama comer miojo quanto o que busca um vinho mais refinado. A idade não é um fator ligado diretamente ao comportamento do consumidor, então buscamos trabalhar o indivíduo como se fosse único”, explica a executiva. Um dos pontos especiais nessa estratégia, segundo Ayoub, é a criação de “mundos” dentro das lojas físicas para atrair os clientes, como o mundo do queijo, dos vinhos ou da saudabilidade.

Tatiana Ponce, CMO da Natura: executiva vê o tempo como algo a não ser combatido, mas respeitado (Paulo Vitale/Divulgação)

É algo que vai ao encontro da visão que muitos consumidores dessa faixa etária têm dos supermercados, destaca Valéria Rodrigues, sócia-fundadora da consultoria Shopper Experience. “Uma das questões de comportamento que mais chamam atenção nesse público é a de considerar a ida ao supermercado como um passeio, buscando entender mais sobre marcas e novidades. É algo que passa longe do estereótipo do idoso fiel às marcas, que não experimenta nada novo”, diz a consultora.

Na construção dessa jornada de consumo, a executiva do GPA ressalta o poder da experimentação e também destaca o papel do uso de dados e de tecnologia, em um caminho que passa tanto pelo mundo online quanto pelas lojas físicas. “Os 50+ são um grupo que demonstra muita adesão aos canais digitais, engajando-se em novas tecnologias”, ressalta Ayoub, lembrando que 39% das vendas nos canais de e-commerce do grupo em 2024 vieram desse público.

A adaptação das lojas físicas é outro ponto importante nesse conceito, mas vai muito além do bom e velho caixa preferencial. “É uma ferramenta importante, mas não é a única: hoje, o caixa de self-checkout é tão usado por jovens quanto pelos 50+, porque todos buscam agilidade”, explica a head de marca do GPA. Ela ressalta ainda que a contratação de funcionários nessa faixa etária também tem sido uma das estratégias para melhorar o atendimento: hoje, 12% dos colaboradores da empresa têm 50 anos ou mais, um dado significativo considerando que o setor é conhecido por ser o primeiro emprego de muitos jovens.

Quem também tem adaptado lojas e atendimento para essa nova realidade é o grupo RD Saúde, responsável pelas redes de farmácias Raia e Drogasil. Das mais de 3.000 lojas que a empresa possui no Brasil, 2.500 já foram adaptadas para ter serviços de saúde para todos os públicos, mas com atenção especial para os 50+. A rede também tem treinado farmacêuticos para funcionar como “coaches de saúde”, investindo não só na venda de medicamentos mas também na atenção primária. “Queremos garantir que os clientes tenham atendimento qualificado para prevenir doenças e ter hábitos saudáveis que garantam sua longevidade”, destaca Juliana Cervan, diretora de serviços de saúde do grupo. “Nosso principal papel é ajudar as pessoas a se cuidarem mais e continuarem vivendo melhor.”

Clea Klouri, da consultoria especializada Data8: o caminho para lidar com a geração prateada é estudar, indo além dos estereótipos (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Desenvolvimento de produtos

O trabalho do varejo, porém, não se faz sozinho: é também necessário que as indústrias e fabricantes criem novos produtos de olho nas necessidades do público 50+. Um caso clássico é o da Natura, que há décadas possui a linha Chronos, voltada para os cuidados com a pele. “Por muito tempo a indústria cosmética prometeu apagar o tempo, fomentando a ideia de que envelhecer deveria ser algo a ser evitado, mas na Natura entendemos que o tempo não é algo a ser combatido”, diz Tatiana Ponce, CMO da empresa e líder de P&D de Natura e Avon.

Além da procura pela linha Chronos ter subido de maneira consistente nos últimos anos, a Natura tem visto o público buscar produtos que “atendam a interesses variados e valorizem sua beleza”. Entre eles, Ponce cita a linha Lumina, que tem itens voltados para cabelos grisalhos, e a Natura Ekos Tukumã, que combina “hidratação e regeneração profunda com o uso do ácido hialurônico de origem natural”. A CMO da Natura também ressalta o uso de ingredientes de origem brasileira pela marca nessa receita. Um bom exemplo é o jambu, que ajuda a relaxar microtensões das fibras de colágeno e elastina, responsáveis pela formação de rugas e linhas de expressão.

A empresa também tem modificado sua atua­ção nos canais de venda: as consultoras de beleza, que vendiam porta a porta, hoje utilizam redes sociais e WhatsApp para “ampliar sua audiência, romper barreiras geográficas e fortalecer vínculos com clientes, incluindo o público 60+”. Outra preocupação está no e-commerce, que busca utilizar premissas de design universal para oferecer uma experiência acessível não só aos mais velhos, mas a qualquer tipo de público. “É uma ferramenta importante: quanto melhor for a experiência de compra para o consumidor 60+, também será para todos os tipos de consumidores”, ressalta Rodrigues, da Shopper Experience.

Amira Ayoub: head de marketing do Grupo Pão de Açúcar: com 36% do público acima dos 50 anos, a empresa aposta na hiperpersonalização para agradar a esse cliente especial (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Conexão conjunta

Dona de uma linha de produtos voltados para a suplementação, a Nestlé é um exemplo de empresa que entende a importância de trabalhar lado a lado com o varejo para atender o público mais velho. “Como hoje as farmácias estão se tornando pontos não só de cuidado reativo mas de atenção primária, nós estamos trabalhando lado a lado com as empresas para criar mais espaço para os produtos de suplementação”, diz Lara Miranda, head de marketing para a Nestlé Health Science, responsável pelo desenvolvimento de produtos como a linha Nutren Senior, que busca endereçar necessidades nutricionais e físicas das pessoas acima de 50 anos.

Outro exemplo de parceria recente da empresa foi um piloto realizado com atacarejos para a criação de “lojas da longevidade”, reunindo produtos que têm mais apelo com a faixa etária — de suplementos a cafés especiais. Mais do que apenas um teste, o gigante multinacional entende que é preciso trabalhar a comunicação, e para isso investe em campanhas não apenas publicitárias, com a representação de diferentes grupos etários, mas também em uma comunicação específica. “Uma das primeiras campanhas que fizemos trazia como mote a pergunta ‘o que você quer ser quando envelhecer?”, que não é um questionamento comum, mas traz essa visão do futuro como algo palpável”, diz Miranda.

Repensar a comunicação também é algo que faz parte do dia a dia do Grupo Pão de Açúcar, especialmente ao buscar não generalizar o público acima dos 50 anos — afinal de contas, tão importante quanto não invisibilizar essa população é compreender sua diversidade, sabendo que a realidade de indivíduos com 50 anos é distinta de quem tem 70, por exemplo. “São personas diferentes, e por isso nas nossas campanhas publicitárias nós buscamos mostrar todos esses públicos, seja com 50, 60, 70 ou mais. É um público premium e valioso, que merece ser tratado como único”, ressalta Amira Ayoub, do GPA.

Ela destaca ainda que é importante a colaboração entre varejo e indústria para criar novos produtos, alinhados às novas necessidades. “Nós somos distribuidores de alimentação; sozinhos não vamos conseguir transformar essa pauta. É junto com a indústria que vamos avançar”, diz a head de marca do GPA. Além disso, ela ressalta que o momento é crítico para essa mudança de chave, uma vez que não há sinais demográficos de que a população brasileira se tornará mais jovem — muito pelo contrário. “É preciso trabalhar não só no agora, mas também no que está por vir”, diz a executiva, ressaltando que o trabalho do GPA nesse sentido começou nos anos 2000.

Valéria Rodrigues, sócia-fundadora da consultoria Shopper Experience: acessibilidade e design universal devem ser ferramentas do varejo para melhorar o atendimento (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Caminho sem volta

É um intervalo significativo: de lá para cá, a população brasileira acima dos 60 anos saltou de 8,7% para 15,6% da população, segundo o IBGE. Até 2070, esse grupo responderá por 75,3 milhões de pessoas, ou 37,8% dos habitantes do país. Compreender que o Brasil não ficará mais jovem é um passo importante não só para o presente das empresas mas também para sua longevidade como negócios. Assim, da mesma forma que hoje é preciso pensar nas diferenças entre a geração Z e a Y, as marcas também precisarão de produtos para cada faixa etária.

A Natura hoje trabalha nessa direção — e começou, inclusive, a fazer pesquisas para criar linhas de cosméticos voltadas para a pele de quem tem mais de 80 anos. “Temos estudos utilizando tecnologias como metagenômica e lipidômica, para criar formulações ainda mais específicas e eficazes. Nossos estudos revelaram dados inéditos sobre a perda de lipídios essenciais e seu impacto na microbiota, abrindo soluções que atendam à necessidade da pele 80+”, ressalta Tatiana Ponce, CMO da empresa de beleza. “Com o envelhecimento da população, a demanda por produtos voltados para cuidados específicos tende a crescer. Com o pioneirismo e o know-how que desenvolvemos ao longo dos anos, estamos preparados para atender a essas necessidades.”

Estudar, pesquisar, desenvolver: para Clea Klouri, da Data8, esses são os primeiros passos para quem deseja começar a trabalhar de maneira mais assertiva com o público da geração prateada. “Pela sua experiência e maturidade, é um público mais crítico do que o de outras gerações, então é preciso conhecê-lo a fundo”, afirma a consultora. “Além disso, é importante pensar sobre usabilidade e representatividade: hoje, quem tem acima de 50 anos não é nem a mulher maravilhosa surfando na praia nem a velhinha fragilizada dentro de casa — e é preciso representar as pessoas do jeito que elas são. É só assim que teremos uma visão democrática e inclusiva da diversidade intergeracional.”

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