Incerteza: a eleição de Dilma e do vice-presidente, Michel Temer, pode ser questionada (Cadu Gomes/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 20 de julho de 2015 às 05h56.
São Paulo - A destituição de um governante legitimamente eleito não é, como não deve ser, algo trivial numa democracia. No Brasil, isso aconteceu com Fernando Collor de Mello, que deixou de ser presidente da República em dezembro de 1992 — ele renunciou quando o processo de impeachment já chegava ao fim no Congresso.
Embora em situação ainda distante da que levou à saída de Collor, a presidente Dilma Rousseff passou a conviver nas últimas semanas com o risco crescente de ter pela frente um processo de impeachment. A consultoria americana Eurasia, especializada em análise política, estima que as chances de que Dilma perca o mandato hoje sejam de 30% — em fevereiro, eram de 20%.
É um cálculo próximo ao feito pelo banco de investimento japonês Nomura, que no início de julho aumentou de 10% para 25% a probabilidade de Dilma perder o poder. Há duas grandes ameaças pairando sobre a presidente. Uma delas é a rejeição das contas oficiais de 2014 pelo Tribunal de Contas da União e pelo Congresso Nacional. Se isso ocorrer, será aberto o caminho para o início de um processo de afastamento da presidente.
A outra grande ameaça vem dos desdobramentos das investigações de corrupção da Operação Lava-Jato no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal. O presidente da construtora UTC, Ricardo Pessoa — apontado como líder de um suposto cartel de empreiteiras —, afirmou, em delação premiada, ter repassado recursos para as últimas campanhas do PT à Presidência da República em troca de vantagens em seus negócios. “O cerco em torno da presidente Dilma começa a se fechar”, diz o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas.
Como se não bastasse, a recessão na economia contribuiu para que a popularidade da presidente se reduzisse a 9% de aprovação. E tudo isso ainda amplia o nível de incerteza quanto à manutenção do Brasil no grupo dos países confiáveis para os investidores, pelo olhar das agências de classificação de risco da dívida. “O Brasil não está sendo bem administrado e por isso deveria ser rebaixado”, afirma o investidor americano Jim Rogers, especialista em commodities.
A cientista política Kathryn Hochstetler, da Universidade de Waterloo, no Canadá, analisou o contexto em que presidentes de países latino-americanos perderam o cargo no século passado. Kathryn encontrou quatro situações que precisam ocorrer simultaneamente para que um governo tenha alta probabilidade de ser deposto: um escândalo de corrupção, baixo desempenho da economia, deterioração da popularidade e perda da maioria no Congresso.
Desse conjunto, só falta a Dilma a perda formal do apoio no Legislativo, onde o PMDB, em tese um aliado, tem criado problemas para o governo neste segundo mandato.
Nem tudo, porém, está contra a permanência de Dilma no poder. Para alguns analistas, diferentemente do que possa parecer, boa parte da oposição e do PMDB não tem interesse em forçar uma saída. “Os adversários de Dilma tendem a se beneficiar mais em deixá-la enfrentando crises até 2018”, escreveu em seu relatório João Pedro Ribeiro, estrategista para a América Latina do banco Nomura.
O desgaste de governar num momento em que o país enfrenta dificuldades tão grandes na economia não interessaria ao PMDB do vice-presidente Michel Temer, que assumiria caso Dilma fosse afastada — nem à oposição, que disputaria novas eleições se os processos levassem à impugnação da presidente e do vice.
As consequências de uma eventual mudança no poder são incertas — principalmente aos olhos dos investidores internacionais. Por um lado, um novo presidente poderia abraçar com mais ênfase uma agenda econômica mais liberal — algo que Dilma só fez sob intensa pressão das circunstâncias. Ou seja, o efeito na economia poderia até ser benéfico.
Por outro lado, porém, o processo de troca de comando tende a ser extremamente desgastante — e nunca tem desfecho rápido. O país ficaria na berlinda enquanto o quadro não fosse definido — seja pela permanência de Dilma, seja por sua saída. “Os empresários subestimam quanto um processo de impeachment pode ser penoso”, afirma Christopher Garman, chefe de pesquisa para mercados emergentes da consultoria Eurasia.
Passado o impeachment — que, ressalte-se, ainda é pouco provável —, haveria novas dúvidas: como o PT atuaria na oposição a um novo governo? O ajuste iniciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continuaria? Ele ficaria no cargo? Os demais partidos se uniriam para dar sustentação ao presidente, como ocorreu com Itamar Franco após a saída de Collor?
“O novo presidente teria de passar uma mensagem de confiança no futuro”, diz Carlos Melo, cientista político da escola de negócios Insper de São Paulo. Aconteça o que acontecer nos próximos meses, o melhor para o país seria que o governo recuperasse um mínimo de credibilidade.
Na economia, a crise ainda não parou de se agravar. Depois de terminar 2014 com déficit elevado, o governo tem de dar sinais de maior austeridade. O ministro Levy tem tentado. Criou uma série de medidas para reduzir as despesas e aumentar as receitas, como os pacotes para conter gastos enviados ao Congresso, com a meta de entregar ao fim de 2015 um superávit nas contas de 1,2% do PIB, ou 66 bilhões de reais.
Mas as tentativas esbarram em resistências no Parlamento — têm saído pela metade, quando não são descartadas e dão lugar a projetos que só elevam os gastos. Ao mesmo tempo, a arrecadação de tributos caiu 3% no ano. O resultado é que, até agora, a economia foi de apenas 25 bilhões de reais. Como a meta tem se mostrado irrealista, um cenário provável é a redução do objetivo e o alongamento do ajuste.
É preciso considerar que mesmo o superávit de 1,2% do PIB proposto inicialmente para este ano não seria suficiente para conter o aumento da dívida pública. Segundo estima a consultoria RC, num cenário pessimista a dívida poderá chegar a 66% em 2015 e a 97% em 2020. Em uma análise recente, o Banco de Compensações Internacionais, chamado de banco central dos bancos centrais, apontou o Brasil como um dos países mais vulneráveis às turbulências globais.
O país teve déficit geral das contas públicas de 7,9% no período de 12 meses contado até maio — o índice da combalida Grécia é de 3,5%. “Na nossa avaliação, o Brasil nunca chegou a merecer o grau de investimento”, diz o economista Paulo Rabello de Castro, sócio da RC e da agência brasileira de classificação SR Rating. Do jeito que as coisas vão, as agências internacionais podem chegar à mesma conclusão que a SR em breve. Isso seria mais uma má notícia para Dilma — e para o país.