Aeroporto-ilha?: o novo terminal aéreo de Natal pode ficar pronto sem contar com uma estrada para chegar a ele (Demis Roussos/ Arquivo)
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2013 às 08h00.
São Paulo - Atenção, por favor, para os seguintes fatos. depois de poucas linhas, você verá que eles revelam muito sobre o Brasil de hoje.
As obras de ampliação do Aeroporto Internacional de Vitória, no Espírito Santo, estado que faz parte da região mais rica do país, foram oficialmente iniciadas em 2005. Três anos depois, foram paralisadas por determinação do Tribunal de Contas da União. A confusão se deu, entre outros motivos, porque uma regra básica das obras de engenharia não foi seguida.
Até agosto deste ano, não havia um projeto executivo para ser seguido. É mais ou menos como construir uma casa sem planta. Agora, se tudo der certo e se Deus ajudar, as obras serão finalmente retomadas nos próximos meses e entregues em 2015. A ampliação do aeroporto de Vitória — que, convenhamos, não é uma obrazinha de infraestrutura qualquer — será, na melhor das hipóteses, uma história de uma década.
Hoje, é provável que não exista nada mais crítico para dar alento aos investidores brasileiros e estrangeiros do que o sucesso do programa de concessões do governo federal. O próprio governo sabe disso. Assim, dá para explicar a enorme decepção com o fracasso do leilão de concessão da BR-262, que liga Minas Gerais ao Espírito Santo e que era vista pelos tecnocratas como um “filé-mignon” do programa.
O ovo da serpente, ao que parece, estava nas premissas fixadas para definir a remuneração das empresas privadas dispostas a assumir o trecho: um crescimento anual de 3,5% no tráfego durante todo o período de concessão — 30 anos. No caso da BR-262, ninguém acreditou. Agora, o governo promete refazer os cálculos.
A cidade de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, terá o primeiro aeroporto internacional concedido à iniciativa privada. Pelo andar da carruagem, as obras ficarão prontas antes do início da Copa do Mundo, em meados do ano que vem. O problema é como chegar lá.
Hoje, o acesso é feito por estrada de terra, que vem sendo vagarosamente transformada pelo governo estadual. No meio dos trabalhos, foram “descobertas” áreas de Mata Atlântica cortadas pelo trajeto. Pode? Não pode. O projeto original da obra foi entregue no início de 2012.
Meses depois, já com a licitação definida, o governo quis melhorá-lo com a inclusão de mais um acesso. A empreiteira ganhadora não aceitou — e tudo teve de recomeçar nas mãos do segundo colocado. Entre os moradores das redondezas, gente simples entrevistada pelo jornal O Estado de S. Paulo, corre a piada de que o Rio Grande do Norte terá o único aeroporto-ilha do mundo.
Entre as muitas coisas que podem ser concluídas com base nos fatos relatados, uma salta aos olhos: nós, brasileiros, somos miseravelmente ruins quando chamados a planejar. Planejar qualquer coisa: de hidrelétricas de bilhões de reais ao orçamento de nossas empresas. É bem provável que essa falha — algo que está nos custando caro como nação — tenha suas razões culturais.
Afinal, para que planejar se, desde os primeiros portugueses que aqui aportaram, somos vistos como uma espécie de terra prometida, onde abundam leite e mel? Pode ser também fruto de uma virtude brasileira que, mal dosada, rapidamente se transforma em maldição: somos otimistas — e nosso otimismo é teimoso.
Adoramos pedir calma, pois, no final, “tudo dá certo”. Adoramos acreditar que Deus é brasileiro. Adoramos deixar tudo para os 45 minutos do segundo tempo. Adoramos ignorar a realidade e ficar com a vontade. Claro que vontade é o motor de arranque de qualquer iniciativa.
Mas não vai dar para ganhar o jogo cada vez mais pesado das economias globais com técnicas de automotivação, crença no jeitinho, premissas erradas, incapacidade para executar e — finalmente, quando nada parece resolver — grito e autocomiseração. Infelizmente, no mundo real, onde projetos saem do papel e se materializam, essa é a fórmula perfeita para tudo dar errado.