Centro de Auckland, na Nova Zelândia: reformas liberais na economia nos anos 80 inspiraram um modelo de educação focado no conhecimento e na menor dependência de recursos públicos | Chameleons Eye/AGBPHOTO /
Mariana Fonseca
Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h59.
Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 05h59.
Quando o estudante chinês Yu Tian procurou uma graduação no exterior, seu consultor de estudos não teve dúvidas: indicou a Nova Zelândia, o pequeno país de 4,7 milhões de habitantes no Pacífico Sul. Na terra de esportes radicais e paisagens de cinema, ele é mais conhecido como Maxwell, estudante de graduação em finanças e marketing na Universidade de Tecnologia de Auckland. O chinês chegou em 2014 e vai se formar neste ano, sem planos de voltar para a terra natal. Assim como Tian, a Nova Zelândia recebeu 125.000 estudantes estrangeiros apenas em 2017. Mais que empregos e qualidade de vida — o país aparece na 13a posição em desenvolvimento humano, segundo a Organização das Nações Unidas —, eles buscam escolas de qualidade e com foco em inovação.
No ano passado, a Nova Zelândia ficou em primeiro lugar num ranking elaborado pela The Economist Intelligence Unit — divisão de pesquisas da revista britânica The Economist — que mede as competências dos estudantes de 15 a 24 anos para as demandas de um mercado de trabalho em plena transformação. No lugar de avaliar as notas dos alunos, o trabalho analisou 16 indicadores que julgam o ambiente de ensino, as políticas públicas para educação e o cenário de desenvolvimento socioeconômico. E listou as seis habilidades que os estudantes precisam desenvolver para se tornar adultos competitivos no futuro: capacidade analítica e criativa, conhecimento digital e técnico, consciência cívica e global, além de empreendedorismo, abertura interdisciplinar e liderança.
Foram analisadas 35 economias desenvolvidas e emergentes, que somam 88% do PIB mundial. No ranking, o Brasil aparece na 22a posição. “Investir em uma educação do futuro é estratégico para a Nova Zelândia. Para um país tão pequeno e remoto, ser eficiente e, portanto, tecnologicamente avançado, é fundamental ser competitivo globalmente. Esse foco se fez por meio de uma decisão governamental de ter um sistema de ensino voltado a objetivos. O currículo escolar, a infraestrutura de ponta e a colaboração com empresas são consequências”, diz o estudo da The Economist.
O foco na educação do futuro é uma máxima nas oito universidades públicas do país. EXAME visitou quatro dessas instituições, todas com programas voltados para desenvolver as novas competências. A Universidade de Tecnologia de Auckland — na sigla original, AUT — representa bem as mudanças na educação neozelandesa. Antes um instituto politécnico, a AUT se transformou numa universidade focada em infraestrutura de ponta, tecnologia e visão global na virada dos anos 2000.
A instituição oferece 31 cursos de graduação, entre eles o de tecnologias criativas, que une design, comunicação e engenharia. No curso de audiovisual, há um estúdio de captação de movimentos para a criação de efeitos especiais em filmes, animações e jogos, onde esta repórter de EXAME pôde testar suas habilidades com um bastão que ajuda na criação de cenas de luta. A indústria cinematográfica da Nova Zelândia teve um impulso após o sucesso da trilogia de filmes O Senhor dos Anéis e faturou 2,3 bilhões de dólares em 2017. Na AUT existe também uma livraria com material quase integralmente digitalizado e um centro de empregabilidade. Cerca de 85% dos graduados da universidade saem já empregados dali.
Ao explorar as novas competências em sua grade, a universidade também se aproximou das grandes empresas. Na AUT, estudos de astronomia levaram ao desenvolvimento do telescópio espacial Warkworth, usado em missões espaciais da empresa americana SpaceX, do bilionário Elon Musk, fundador da Tesla. Já a Universidade de Auckland, considerada a melhor do país e com tradição em pesquisa, mantém desde 1989 um órgão de comercialização de estudos científicos, com 1 200 projetos ativos e 300 companhias parceiras. Nos últimos dez anos, foram geradas ali 140 patentes. O total arrecadado pela Universidade de Auckland com pesquisas e estudos derivados foi de 165 milhões de dólares em 2017.
A indústria do conhecimento, que envolve os investimentos em pesquisa e desenvolvimento, já é responsável por 9% do produto interno bruto, segundo um estudo das universidades do país. Os benefícios são ainda maiores. Um trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica da Nova Zelândia calcula que o impacto da educação superior na produtividade do trabalho pode gerar um aumento de 3% a 6% no PIB. Outra vantagem, essa menos quantificável, é a preparação dos neozelandeses para a economia globalizada. “Apesar de estarmos no fim do mundo, queremos entendê-lo. É assim que somos como uma nação”, resume Claire Douglas, vice-secretária de Carreiras, Conquistas e Vocação no Ensino Superior do Ministério da Educação da Nova Zelândia.
Nem sempre foi assim nesta ex-colônia britânica, fundada em 1840. Nos anos 1970, o país via suas exportações de produtos agropecuários diminuírem, enquanto subsídios a produtores e programas oficiais de assistência polpudos continuavam de pé. Hoje, a Nova Zelândia é considerada a terceira região mais economicamente aberta do mundo, de acordo com o Índice de Liberdade Econômica. A transformação da economia do país se deve, principalmente, às reformas feitas em 1984 pelo então ministro de Finanças, Roger Douglas. A Rogernomics, como ficou conhecida, permitiu a abertura para o comércio internacional, a privatização de estatais e a flexibilização da legislação trabalhista.
Essas medidas foram a inspiração para as reformas educacionais, implantadas de 1989 em diante. Conhecido como Escolas do Amanhã, o projeto determinou que as instituições de ensino superior e as de ensino básico virassem entidades autônomas, geridas por um conselho de administração que conta, inclusive, com os pais dos alunos. O currículo também foi atualizado. Há oito áreas obrigatórias: artes, ciência, ciências sociais, inglês, linguagens, matemática, saúde e educação física, mas as escolas são livres para criar disciplinas optativas.
A Botany Downs é um exemplo da aplicação prática dessas mudanças curriculares. Num pacato subúrbio de Auckland, centro econômico e maior cidade do país, com 1,4 milhão de habitantes, a escola pública que atende 2.000 estudantes de 13 a 18 anos no ensino secundário se parece mais com um animado campus universitário. Nos seis prédios, há aulas em que o objetivo é procurar erros em um código no computador ou administrar uma cafeteria e manejar máquinas para serrar madeira ou moldar metais. No currículo obrigatório dos estudantes do 11o ano, o equivalente ao 1o ano do ensino médio brasileiro, além das disciplinas obrigatórias, são oferecidos 27 cursos extracurriculares. “Queremos desenvolver pessoas que não sejam substituídas. Se o trabalho delas desaparecer, elas têm as habilidades necessárias para aprender um novo ofício”, afirma Michael Hart, vice-diretor da escola. “Nosso currículo é baseado em competências, e elas podem ser aprendidas na aula de química ou na de design.”
Dinheiro dos alunos de fora
A Botany Downs é financiada pelo governo, com um orçamento baseado no número de estudantes. Mesmo assim, a escola é encorajada a otimizar os custos e buscar outras fontes de receita. A instituição pede aos alunos que têm notebooks que os tragam para as atividades escolares, poupando gasto com computadores. Também coleta doações dos pais e fomenta a educação internacional. Há 160 alunos estrangeiros, em sua maioria asiáticos, que pagam cada um a anuidade de 16.000 dólares neozelandeses — o equivalente a 10.500 dólares americanos —, fora o custo de acomodação e viagem.
A mesma fórmula é adotada pelas universidades públicas da Nova Zelândia. Ainda que o dinheiro público financie 49% do orçamento, as universidades batalham para atrair os estudantes estrangeiros que pagam anuidades que variam de 13.000 a 50.000 dólares. Os neozelandeses arcam com cerca de metade desse valor. Sim, lá as universidades públicas não são gratuitas. Esse modelo de financiamento permite que elas operem no azul. A Universidade de Auckland, por exemplo, registrou um lucro líquido de 25 milhões dólares em 2017, um feito incrível se comparado às deficitárias instituições públicas brasileiras.
O ensino é um negócio tão rentável que a educação internacional se tornou a quinta fonte de receitas externas do país, atrás da exportação de laticínios, carnes e madeira, além dos ganhos com o turismo. Quase 3 bilhões de dólares foram injetados na economia em 2017 de forma direta pela educação, segundo a agência governamental criada em 2011 para atrair alunos de fora. A expectativa é que essa receita chegue a 4 bilhões de dólares até 2025. É pouco perto do que os Estados Unidos arrecadam com os estudantes estrangeiros, que contribuem com 33 bilhões de dólares ao ano para a economia americana.
Mas são exemplos inspiradores diante das instituições de ensino superior estaduais e federais brasileiras, que dependem exclusivamente de recursos governamentais, originados de impostos, para tudo. Nas combalidas universidades federais, de orçamentos providos pelo Ministério da Educação, quase 90% seguem para o custeio da folha de pessoal. As pesquisas científicas sobrevivem por meio de editais de agências como a Capes, vinculada ao ministério.
Em 2016, o Brasil registrou 8 milhões de alunos no ensino presencial e à distância, com 75% das matrículas em instituições privadas. De 2006 a 2015, a educação superior cresceu em média 6% ao ano. Essa expansão do número de cursos, institutos e alunos por meio de programas de crédito como o Reuni, para as federais, e o Fies, para as privadas, proporcionou o acesso de mais gente a um diploma superior, mas os investimentos em infraestrutura não acompanharam o crescimento.
O sistema federal de ensino superior é composto de 68 universidades e 1,2 milhão de alunos, mas a verba não obrigatória para as federais no último ano foi a menor desde 2010: 6,2 bilhões de reais — o valor não inclui salários e aposentadorias. A demora em liberar os recursos fez com que universidades tivessem desde obras paradas até falta de água e papel higiênico. O recente incêndio do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ocorreu em parte nesse contexto, que combina restrição de recursos e má gestão do dinheiro disponível.
Contas no vermelho
O aumento dos custos fixos com alunos, institutos e salários também se vê na Universidade de São Paulo, a melhor universidade pública brasileira, que sobrevive com 5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços do estado. O orçamento da USP será de pouco mais de 5 bilhões de reais neste ano, mas Vahan Agopyan, reitor da instituição, afirma que ela terminará 2018 com um déficit de cerca de 210 milhões de reais. É o sétimo ano da universidade no vermelho, embora seja bem menor que os mais de 721 milhões de reais do ano passado.
Agopyan reconhece que a melhor saída para as contas da USP é depender menos dos recursos públicos e buscar a diversificação de receitas. Mas, constitucionalmente, a universidade não pode cobrar mensalidade dos alunos brasileiros nem dos estrangeiros. Para o reitor, se os 1.440 alunos que vêm de fora do país para um curso na USP pagassem mensalidades, o valor não faria nem cócegas no orçamento. O jeito é realizar mais pesquisas em parceria com empresas e com o próprio governo. Por ano, a universidade recebe cerca de 1 bilhão de reais das agências de fomento e outros 500 milhões de reais de empresas, como Boeing e Microsoft.
A situação de aperto financeiro das universidades acompanha um quadro ainda mais preocupante: o fato de a educação formal, básica ou superior, ser percebida como um investimento caro demais, em dinheiro e tempo. Na esteira da crise econômica, o volume de matrículas no ensino superior em 2016 estagnou em relação ao ano anterior, o pior resultado desde 2006. O mesmo estudo da revista The Economist, que consagrou a Nova Zelândia como a melhor do mundo, colocou o Brasil na categoria de países com os maiores desafios para chegar à educação do futuro, ao lado de China, Índia e Indonésia. Com uma força de trabalho projetada para 122 milhões de pessoas em 2030, há uma grande lacuna de habilidades entre os brasileiros, um dos fatores que explicam nossa baixa produtividade.
O estudo enumera uma série de ações para virar o jogo, como reformas educacionais que enfatizem as habilidades de um cidadão global e as mudanças no mercado de trabalho. Se tais medidas não entrarem na agenda de políticas públicas dos próximos governos, não haverá futuro para os potenciais trabalhadores que hoje ainda estão na escola — e muito menos para o desenvolvimento do Brasil. Buscarmos inspiração em quem se formou como país muito depois, mas já nos ultrapassou largamente, não seria má ideia.