Revista Exame

Executivos que valem milhões

Pesquisa Hay Group/EXAME mostra que o número de profissionais com ganho anual acima de 1 milhão de reais no Brasil dobrou nos últimos três anos. Uma ótima notícia para os executivos e um desafio para as empresas

Julio, presidente da Tecnisa, e Machado, diretor da empresa: parte de um time que ganha mais de 1 milhão de reais por ano (--- [])

Julio, presidente da Tecnisa, e Machado, diretor da empresa: parte de um time que ganha mais de 1 milhão de reais por ano (--- [])

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Da Redação

Publicado em 17 de setembro de 2013 às 20h41.

Por muito tempo a carreira de um executivo brasileiro bem-sucedido invariavelmente culminava num alto posto de uma grande multinacional. Ali estavam os benefícios mais generosos, como carro, clube, escola para as crianças e motorista. Mas era raro que esses profissionais recebessem remunerações anuais na casa do milhão em troca de seu trabalho e dos resultados que traziam para suas companhias.

O que se vê hoje contradiz o passado de maneira radical. As mordomias caíram em desuso. Por outro lado, os ganhos financeiros nunca foram tão altos - e as remunerações milionárias chegaram também para executivos de empresas consideradas pouco charmosas até recentemente, como as construtoras e mineradoras.

O poder de atração desses setores em rápido crescimento vem chamando a atenção de gente como o carioca Marcus Daniel Machado, de 40 anos. Engenheiro, ele fez carreira em subsidiárias de companhias como IBM e Ernst&Young. Há quatro meses, trocou a diretoria de vendas da Nokia no Brasil pela diretoria de negócios da Tecnisa, construtora paulista com receita bruta de 352 milhões de reais em 2007 (aumento de 67% em relação ao ano anterior).

"Aqui tenho mais controle sobre as variáveis que determinarão meu bônus", diz Machado, acostumado a multinacionais em que o percentual variável costuma estar atrelado também a metas globais. Além dele, outros cinco profissionais foram contratados pela Tecnisa para postos de comando no último ano. O poder de sedução da construtora aumentou, sobretudo, depois de sua abertura de capital, em fevereiro de 2007.

Hoje, os executivos podem multiplicar por 3 o próprio ganho anual - considerando os bônus atrelados a resultados e o pacote de opções de ações que poderá ser resgatado a partir do ano que vem. No caso dos diretores, isso representa um ganho potencial superior a 1 milhão de reais por ano.

"A remuneração aqui é extremamente agressiva, assim como as metas da companhia", diz Carlos Alberto Julio, que substituiu o fundador, Meyer Nigri, na presidência da Tecnisa em janeiro deste ano.

Histórias como a da Tecnisa se multiplicaram recentemente no país. Só no agitado setor de construção civil, duas dezenas de empresas abriram o capital nos últimos anos - e todas elas disputaram executivos no mercado para alguma posição de liderança. A atual corrida por profissionais é reflexo de uma economia em crescimento.


"Existe um aquecimento sobretudo porque muitas empresas aceleraram planos de expansão fora do país", diz Darcio Crespi, sócio da empresa de contratação de altos executivos Heidrick & Struggles. É possível ver sinais dessa movimentação mesmo em companhias mais tradicionais. Mais da metade dos 45 altos executivos do grupo Votorantim, por exemplo, tem menos de cinco anos de casa.

"Nunca existiu uma estratégia consistente de formação de novos profissionais no Brasil", diz Betania Tanure, especialista em comportamento organizacional pela Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. "Com o aumento da demanda, a briga pelos melhores se tornou intensa." O desequilíbrio entre procura e oferta de profissionais teve um efeito clássico: um expressivo aumento na remuneração de executivos.

Sua manifestação mais impressionante está retratada na pesquisa elaborada pela consultoria de remuneração Hay Group com 227 das 500 maiores empresas do país segundo o ranking de Melhores e Maiores, de EXAME. O mercado financeiro, tradicional reduto de profissionais milionários, não faz parte dessa liga.

Ainda assim, o número de executivos com ganho anual superior a 1 milhão de reais quase dobrou nos últimos três anos (veja quadro acima). Eles eram 275 em 2005. Hoje são 528. Note bem: são 528 salários milionários num universo de 227 empresas - o que dá uma média de 2,3 por companhia. Com base nessa amostra, é possível concluir que o número total de executivos brasileiros milionários é muito maior.

São essas pessoas que estão ajudando a formar uma nova classe no Brasil. Em 2007, segundo um recente estudo publicado pela consultoria internacional Capgemini e pelo banco de investimento Merrill Lynch, o país teve o terceiro maior crescimento mundial em número de pessoas com patrimônio superior a 1 milhão de dólares.

A pesquisa Hay Group/EXAME revela outro dado sobre o perfil desses profissionais - boa parte desses ganhos está nas empresas de capital nacional, em que está a maioria (61%) dos executivos com ganho anual superior a 1 milhão de reais. "As empresas brasileiras conseguem se adaptar ao momento mais facilmente do que as estrangeiras, amarradas a padrões globais", diz Cláudio Costa, diretor da área de pesquisa da Hay.

Em geral, as companhias instaladas no Brasil mantêm em sigilo boa parte das informações referentes à remuneração de seus executivos. Mas os dados das brasileiras listadas na bolsa de Nova York (obrigadas pelo órgão regulador americano a divulgar a remuneração de seus executivos) dão uma boa idéia do cenário atual.


Em 2007, a Vale distribuiu 24 milhões de dólares (ou algo como 38 milhões de reais, em valores atualizados) entre remuneração fixa e variável a seus oito principais executivos - um time encabeçado pelo paulista Roger Agnelli.

No ano anterior, a bolada havia sido quase 40% menor. Outra empresa que registrou aumento na remuneração de seu pessoal foi a Perdigão, comandada por Nildemar Secches. Em 2007, a companhia pagou cerca de 15 milhões de reais a seus 11 principais executivos, ante 13 milhões de reais em 2006.

Para entender a ascensão de novos milionários nas empresas brasileiras, é preciso olhar para os dois componentes da remuneração. O primeiro é o salário fixo, que se valorizou consideravelmente nos últimos anos. Em 2005, segundo o universo pesquisado pela Hay, havia 50 executivos com salário-base superior a 1 milhão de reais no país. Hoje são 76.

Ao longo dos últimos 12 meses, o salário-base de presidentes teve aumento de 7,7% (veja quadro na pág. 26). No caso dos diretores, o aumento foi de 8,8%. É na remuneração variável, porém, que se observa o maior avanço. A competitividade aqui se tornou tão grande que o bônus de curto prazo brasileiro já é o maior pago no mundo (em múltiplos do salário-base) - numa comparação com 60 países

. É claro que, em números absolutos, os valores ainda não se comparam ao que acontece em mercados como o americano. Lá, em 2007, os presidentes das empresas que integram o índice Standard & Poor';s 500 receberam em média 4 000 dólares - por hora trabalhada. O executivo mais bem pago, William C. Weldon, da Johnson & Johnson, recebeu a remuneração total de 31,9 milhões de dólares.

Mas, enquanto a crise americana coloca um freio de mão no aumento das remunerações, no Brasil a economia aquecida as empurra para o alto. Nos Estados Unidos, setores como telecomunicações, tecnologia da informação e indústria reduziram em até 22% o pagamento de seus principais executivos.

No Brasil, feitas as contas, de maio de 2007 a junho deste ano a remuneração total dos presidentes brasileiros aumentou 18,4%. Para os diretores, o aumento foi de 16,9%.

Na construtora paulista WTorre, essa curva ascendente foi ainda mais acentuada. Em 2007, a empresa aumentou a parcela de remuneração variável de seus 19 diretores em 174%. No caso dos 83 gerentes, esse percentual variou ainda mais - e chegou a 319%.


"Passamos a acompanhar pesquisas de remuneração do mercado de seis em seis meses, e não mais uma vez por ano", diz Silene Brito, gerente de recursos humanos da WTorre. A empresa contratou 89 executivos entre diretores e gerentes nos últimos dois anos.

Um dos recém-chegados é Marco Antonio Bologna, que assumiu o comando da companhia em fevereiro de 2008. Bologna havia deixado a presidência da companhia aérea TAM havia alguns meses e negociava outras oportunidades quando recebeu uma ligação diretamente de Walter Torre, fundador da empresa.

Conforme contou a amigos, ele recebeu o convite num sábado e aceitou no dia seguinte porque se tratava de "uma proposta irrecusável". (Procurado por EXAME, Bologna preferiu não dar entrevista.)

Quanto cada um levou

Essa tendência está invadindo até mesmo setores tradicionalmente menos agressivos em sua política de remuneração, como o varejo. Em maio, o Pão de Açúcar, segundo maior grupo varejista do Brasil, tornou-se um exemplo eloqüente dessa mudança.

A rede colocou em vigor um novo sistema de remuneração, em que os executivos podem ganhar até 55 salários por ano - um terço dos quais se refere a bônus e outro a opções de compra de ações (contratos que garantem o direito de compra ou venda de uma ação a um valor prefixado). Até então, o potencial máximo de ganho total era de 30 salários.

Segundo Enéas Pestana, vice-presidente administrativo-financeiro do Pão de Açúcar, a mudança veio "dar alma" às recentes mudanças feitas pelo presidente Claudio Galeazzi, que assumiu o cargo em novembro do ano passado com o objetivo de promover uma virada nos resultados.

Desde então, mais de 30 diretores foram demitidos. Para os 51 que ficaram, o peso das decisões aumentou muito. Por isso, cresceu também a necessidade de amarrar o bolso de cada um deles ao desempenho da companhia. "Temos 50 leões para segurar. É preciso premiar agressivamente quem faz a diferença", diz Pestana. "Não mexemos no salário fixo, mas o potencial de bônus multiplicou."

Há um senão na nova regra de remuneração do Pão de Açúcar - se o Ebitda, o principal indicador para medir a eficiência operacional de uma companhia, crescer menos de 20%, não haverá bônus. Segundo Pestana, até agora as metas estão sendo cumpridas. O Ebitda aumentou 30% no primeiro semestre deste ano comparado ao mesmo período do ano passado.


"Agora podemos pescar em qualquer lago", diz Galeazzi. Um dos executivos recentemente fisgados pelo Pão de Açúcar é a nova diretora de recursos humanos, a carioca Cláudia Elisa, contratada no dia 5 de agosto. Cláudia trabalhou por 17 anos na AmBev.

Seu último cargo foi de diretora de gente e gestão. Antes de assumir sua atual posição na rede varejista, ela esteve por três meses na Leitbom, uma das maiores empresas de laticínios do país, adquirida pela GP Investimentos no início de abril, como diretora de finanças, tecnologia e recursos humanos. "Vim pelo desafio, mas é claro que o dinheiro tem de ser compatível", diz Cláudia.

Os casos de ganhos mais extravagantes, porém, estão em companhias prestes a abrir o capital (algo que, por ora, perdeu parte do apelo com a queda na bolsa) ou que serão preparadas para ser vendidas num futuro próximo. "À medida que casos desse tipo começaram a se repetir, passei a encontrar mais dificuldade de levar altos executivos para certos postos.

Muitos estão esperando a chance de dar uma grande tacada", diz Crespi, da Heidrick & Struggles. Muitas "grandes tacadas" estão em setores como agronegócio e mineração. Segundo o levantamento da Hay, 60% dos cerca de 100 novos milionários que ingressaram na lista no último ano vieram desses dois setores.

O caso mais famoso é o do carioca Luiz Rodolfo Landim no grupo EBX, do empresário Eike Batista. Após quase três décadas de carreira na Petrobras, Landim ingressou no grupo em meados de 2006 como diretor de relações com investidores da MMX, a empresa de mineração de Eike. Com a abertura de capital, um ano e meio mais tarde, o preço de suas ações quadruplicou.

Poucos meses depois do IPO, a mineradora inglesa Anglo American comprou parte da MMX, num negócio que movimentou 5 bilhões de dólares. Junto com Landim, outros 26 executivos embolsaram 440 milhões de dólares no início de 2008. A Landim coube o montante de cerca de 40 milhões de dólares.

"Foi um episódio simbólico", diz Paulo Gouvêa, diretor de finanças do grupo EBX. "Depois dele não perdemos um funcionário sequer, mesmo com um assédio feroz por parte da concorrência."

Casos como os de Lark e Landim já se tornaram quase folclóricos no mercado e criaram uma expectativa tão alta em relação às opções de ações que forçaram algumas empresas de capital fechado a criar algo que pudesse reproduzir seu efeito.


A mineira Alesat, quinta maior distribuidora de combustíveis do país, ofereceu simbolicamente uma parcela de suas ações a um grupo de 15 de seus principais executivos, no final de 2006. O valor correspondente dessas ações só será resgatável no final de 2009. A companhia planeja abrir o capital assim que o mercado der sinais de melhora.

Mas, se isso não acontecer até o final do próximo ano, o preço das ações será calculado com base na evolução do desempenho operacional da empresa. Na hipótese de tudo dar certo, o valor a ser distribuído a esse time de principais executivos pode chegar a 35 milhões de reais - média de mais de 2 milhões de reais para cada um deles.

"A medida é importante não apenas para manter esse grupo como também para atrair novos profissionais", diz Jucelino Sousa, vice-presidente da Alesat.Trata-se de uma situação nova para executivos e também para quem está do outro lado da negociação - no caso de boa parte das empresas brasileiras, os próprios donos.

"Levei quase seis meses para negociar com os controladores da empresa quanto eu receberia com o IPO", diz um executivo que assumiu há cerca de dois anos a presidência de uma companhia com vendas anuais superiores a 1 bilhão de reais.

Ao final do impasse, ele acertou uma remuneração que lhe garantiu mais de 10 milhões de reais somando bônus e opções de ações - uma bolada que o executivo embolsou em 2007. No calor da disputa por um profissional, um dos deslizes mais comuns é inflar sua remuneração a ponto de criar uma desproporção entre seus pares.

Foi o que aconteceu com o americano Richard Lark, ex-diretor financeiro da companhia aérea Gol. Em 2003, ele deixou a diretoria financeira da Americanas.com para aceitar o cargo da então recém-formada empresa aérea por um salário abaixo do mercado. Em contrapartida, negociou um dos maiores pacotes de opções de que se tem notícia no país.

Na época, a Gol era avaliada em apenas 200 milhões de dólares. A empresa distribuiu aos executivos 937 000 opções a um preço de exercício de 3 reais. No dia da abertura de capital, em 2004, a Gol já valia 35 reais por ação. Lark levou sozinho algo estimado em 20 milhões de reais.


(Há cerca de dois meses, aos 42 anos, Lark deixou o cargo para montar um fundo de investimento e se transferiu para o conselho de administração da empresa.) "O desconforto entre os demais diretores foi inevitável", diz um executivo próximo à empresa.

Esse desconforto teria ainda sido um dos fatores que fizeram com que David Barioni aceitasse prontamente a oferta feita pela concorrente TAM para que ele se tornasse o novo presidente da companhia. (Procurada por EXAME, a Gol não se manifestou sobre o assunto.)

A pergunta de 1 milhão de reais para as empresas é até que ponto o mercado não estaria vivendo uma espécie de exuberância irracional em termos de remuneração. Recentemente, algumas construtoras decidiram se reunir para discutir padrões para o setor a fim de evitar que se chegue a níveis acima do razoável, sobretudo no que se refere ao salário-base.

"É melhor compartilhar do que esconder algumas informações que antes mantínhamos a sete chaves", diz Silene, gerente de recursos humanos da WTorre. A euforia na remuneração pode vir a ser contida não apenas por ações como as das construtoras mas também por efeitos macroeconômicos.

"Se a economia estagnar, o número de milionários deve regredir drasticamente", diz Costa, da consultoria Hay. De alguma forma, a abertura de capital que introduziu o país em um novo nível de capitalismo mudou também a lógica da remuneração dos executivos. Nessa nova ordem, o risco é de todos - e o lucro, também.

 

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