Bo Rothstein: “Se o Brasil valorizasse o ensino público, como faz com o Bolsa Família, a corrupção seria menor” (Divulgação/Exame)
Leo Branco
Publicado em 28 de junho de 2017 às 18h38.
São Paulo — O cientista político sueco Bo Rothstein estuda as raízes da corrupção no mundo há duas décadas. Pesquisador da Universidade de Oxford, na Inglaterra, Rothstein divulgou no ano passado uma pesquisa sobre a percepção de desvios e a evolução da escolaridade em 78 países desde 1870. A conclusão: nações pioneiras na montagem de redes de ensino público valorizadas pela sociedade, como as escandinavas, são hoje as mais transparentes do mundo. Segundo Rothstein, na raiz da corrupção endêmica em lugares como o Brasil está o descuido histórico com a educação. A seguir, ele explica o conceito e como podemos tirar o atraso.
Exame - Como a tradição de ensino explica a corrupção num país?
Rothstein - As sociedades pioneiras no gasto com redes educacionais de qualidade para todas as crianças, como a Alemanha, que criou uma rede pública em 1807, são hoje as menos corruptas. A educação eleva a confiança dos cidadãos na vida em sociedade e os torna intolerantes a desvios. Quanto menos enraizado esse pacto social, maior será a corrupção.
Exame - A qualidade do ensino precisa ser igual no país inteiro para isso ocorrer?
Rothstein - Sim, a Itália é um exemplo. O país garantiu, em 1859, escolas gratuitas para a população. A medida foi bem implantada no norte e quase nada no sul do país. Hoje o sul é corrupto e o norte é transparente como a Dinamarca.
Exame - No século 20, a Alemanha foi protagonista de crimes graves contra a humanidade. Por que a escolaridade não evitou isso?
Rothstein - A educação não evita a má política. Os dados mostram apenas que ela pode ter efeito na redução da corrupção. A Alemanha nazista foi horrível sob todas as formas, porém a máquina estatal, incluindo a militar, trabalhava com alta eficiência. Mas, sim, toda essa competência foi responsável por coisas moralmente horrorosas.
Exame - Como a educação de baixo nível no Brasil resulta em corrupção?
Rothstein - O Brasil nunca passou por uma reforma para universalizar o acesso à educação de qualidade. Crianças de baixa renda não conseguem pagar uma escola particular, ficam reféns do ensino público precário e têm mais percalços para vencer na vida. Se a educação pública fosse bem avaliada pela sociedade brasileira, como o programa Bolsa Família, o resultado seria um contrato social mais forte e menos tolerância à corrupção.
Exame - Nas últimas décadas, o Brasil garantiu escola a todas as crianças, mas o ensino de qualidade permanece na rede privada. É um problema?
Rothstein - Depende do que você considera educação privada. O sistema pode ser uma escola financiada com dinheiro público e aberta a todos, as chamadas escolas “charter”. Até aí não vejo problema. A questão não é a maneira como as escolas são gerenciadas, mas se há uma grande desigualdade no acesso à boa educação — e se esse direito é um privilégio apenas de quem pode pagar.
Exame - A qualidade ainda deixa a desejar, mas a escolaridade aumentou no Brasil. Será mais fácil combater desvios?
Rothstein - Sim, mas trata-se de um processo lento e gradual. Do pouco que entendo da política brasileira, consigo observar que há pouco tempo a corrupção não era um grande problema. Agora é um problema e tanto. Por isso, as pessoas vão às ruas e protestam, o que não acontecia com frequência no passado.
Exame - Só é possível chegar a uma sociedade mais justa com educação?
Rothstein - A educação pública e de qualidade é uma das maneiras mais eficientes de mandar um sinal de imparcialidade do Estado para os cidadãos. No entanto, existem outras reformas também importantes, como a meritocracia na seleção de funcionários públicos, a igualdade de gênero e a simplicidade para pagar impostos. Elas também podem mudar o contrato social em direção a uma sociedade mais justa.
Exame - Como o tema corrupção vem sendo tratado em outros países?
Rothstein - O conceito de governos transparentes está ganhando papel cada vez mais relevante. Para ter uma ideia, o número de artigos científicos sobre corrupção no mundo aumentou de 14, em 1992, para mais de 470, em 2016. Isso vai levar a uma melhoria na gestão pública.
Exame - Uma operação de combate aos desvios, como a Lava-Jato, pode ser um atalho para reduzir a corrupção?
Rothstein - No curto prazo, é difícil dizer qual será o impacto dessa operação, uma vez que depende muito dos resultados e da percepção formada pela elite política e pelo público em geral sobre a eficiência das investigações. Se for vista como eficiente, no longo prazo ela vai demonstrar que um cidadão corre altos riscos ao se envolver com a corrupção. Do contrário, a Lava-Jato poderá aumentar o cinismo dos cidadãos.