Fórum Econômico Mundial: sem Trump, nem Xi Jinping, o evento estava esvaziado | Arnd Wiegmann/Reuters /
Da Redação
Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 05h44.
Última atualização em 31 de janeiro de 2019 às 05h44.
Com apenas 11.000 habitantes, a pequena cidade suíça de Davos costuma ficar entupida de carros em janeiro com o movimento intenso de participantes do Fórum Econômico Mundial. Durante a edição de 2019, no entanto, o trânsito nas ruas estreitas fluiu sem formar engarrafamentos — uma surpresa para um encontro que reúne, todos os anos, a nata da elite do capitalismo mundial e chefes de Estado de grandes potências globais. O movimento reduzido podia ser visto também nos auditórios e nas salas de conferência do Fórum, realizado de 22 a 25 de janeiro. Cerimônias seguidas por jantares de gala, sempre cobiçadas pelos participantes, desta vez ficaram com lugares vazios. Palestras, mesas-redondas, seminários paralelos organizados por empresas e até as famosas festas realizadas nos hotéis de luxo da cidade sofreram com a falta de público.
A baixa procura foi um reflexo de uma edição marcada mais pela ausência do que pela presença de grandes líderes mundiais. O presidente americano, Donald Trump, cancelou sua participação de última hora por causa da disputa orçamentária com o Congresso que paralisou o governo dos Estados Unidos por mais de um mês. Com isso, toda a comitiva americana, composta de 800 pessoas, cancelou a viagem. Já o líder chinês, Xi Jinping, que há dois anos foi a Davos fazer uma defesa do livre-comércio, desta vez permaneceu em Pequim lidando com os prejuízos econômicos da guerra comercial com os Estados Unidos. Os problemas domésticos também foram a causa da ausência do francês Emmanuel Macron, da britânica Theresa May e do argentino Mauricio Macri, três líderes que brilharam em Davos nos anos anteriores. Já o presidente Jair Bolsonaro foi uma rara exceção entre os governantes que conseguiram atrair as atenções em Davos.
A falta de líderes no Fórum Econômico Mundial é um sinal dos tempos. Pressionados por problemas internos, os governantes têm encontrado pouco tempo, disposição ou apoio político para lidar com os desafios que exigem coordenação e colaboração entre os países — como a imigração, as mudanças climáticas, a perda de empregos para a tecnologia, a desaceleração da economia e o aumento da desigualdade social, entre outros. A alternativa tem sido optar pelas saídas fáceis — seja construindo muros nas fronteiras, seja abandonando a União Europeia, seja impondo barreiras comerciais —, sem resolver a origem dos problemas. Não por acaso, o tema da conferência deste ano foi “Globalização 4.0: Moldando uma arquitetura global na era da Quarta Revolução Industrial”. O título soa como um alerta: é preciso mudar ou logo os problemas globais vão se intensificar. “A confiança das pessoas no sistema econômico-financeiro foi abalada”, disse a chanceler alemã Angela Merkel em seu discurso.
A globalização — isto é, a maior integração econômica entre os países — abriu as fronteiras, reduziu a pobreza e trouxe uma onda de progresso. Entretanto, houve efeitos colaterais. A concorrência de países com baixo custo de mão de obra e o progresso tecnológico levaram a uma perda de emprego nos países ricos, gerando o empobrecimento da classe média. Os mais prejudicados voltaram-se contra a globalização e contra a elite política e econômica, levando ao surgimento de movimentos nacionalistas.
Se em edições passadas Davos se concentrou em ressaltar os benefícios do livre-comércio, desta vez houve uma mudança de tom. Os debates foram dedicados a falar sobre os riscos da globalização, seus efeitos negativos e o surgimento das forças políticas extremistas. Ninguém sai de Davos com uma receita pronta para enfrentar os desafios do presente e do futuro. Entretanto, começou a se formar um consenso sobre a necessidade de mudar a arquitetura econômica e política para distribuir mais e melhor os benefícios da globalização e para enfrentar de forma mais eficaz seus efeitos negativos.
“A globalização produz vencedores e perdedores. Houve muito mais vencedores nos últimos 30 anos. Entretanto, agora temos de cuidar dos perdedores, daqueles que foram deixados para trás”, disse Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial. Ele pressionou políticos e empresários em direção a uma “nova globalização inclusiva” para reduzir a lacuna entre os poucos privilegiados e o resto do mundo. Numa pesquisa de opinião com a comunidade de participantes do Fórum divulgada durante o evento, os atritos gerados pelo maior protecionismo aparecem entre os principais riscos para a economia mundial.
Consertar os desequilíbrios gerados pela globalização é uma preocupação cada vez maior dos investidores. Um dos textos mais lidos pelos corredores do Fórum foi a carta anual que o bilionário americano Seth Klarman, dono da gestora de fundos Baupost Group, escreveu a seus clientes. No texto, o investidor alerta, entre outras coisas, que o aumento das desigualdades sociais é um risco para a democracia, que pode desestabilizar os mercados financeiros no longo prazo. Klarman não foi a Davos, mas sua carta de 22 páginas foi um dos assuntos mais comentados no encontro. “Não podemos continuar fazendo negócios como sempre, em meio a constantes protestos, tumultos, paralisações e crescentes tensões sociais”, escreveu ele. “No momento em que a crise chegar, provavelmente será tarde demais para colocar a casa em ordem.”
A mensagem soa como um alerta, especialmente no momento em que as previsões de crescimento da economia mundial têm mostrado uma desaceleração nos principais países, incluindo os Estados Unidos, a China e a zona do euro. Por essas e outras razões, o Fundo Monetário Internacional (FMI) cortou as previsões de crescimento mundial para 2019, de 3,7% para 3,5%, e para 2020, de 3,7% para 3,6%. “A economia global enfrenta riscos sensivelmente maiores, alguns dos quais provocados pelos governos”, disse Christine Lagarde, diretora executiva do FMI. Entre os riscos a que Lagarde se refere estão o agravamento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, a saída do Reino Unido da União Europeia e o descontrole das contas públicas italianas.
Em meio às incertezas, é a China (quem diria) que tem se destacado como um defensor da maior integração global. Em um discurso de 45 minutos, o vice-presidente Wang Qishan criticou o fato de os países estarem buscando inimigos externos para seus problemas. “Precisamos estabelecer o diálogo com base no respeito e construir um novo quadro de cooperação internacional que inclua paz, segurança, democracia, transparência, inclusão e benefício mútuo”, disse Qishan. É uma lição bem-vinda. Resta ver se os líderes estarão abertos a escutá-la.
Apesar do discurso curto e mal aproveitado, a delegação do presidente Jair Bolsonaro deixou uma boa impressão nos investidores | Carlo Cauti, de Davos
Num ano em que a economia dos países desenvolvidos deverá crescer em ritmo menor, o Brasil conseguiu sair de Davos com a imagem de que é uma ilha feliz em meio a um oceano de incertezas (isso, claro, foi dias antes da tragédia de Brumadinho). Não por acaso, o presidente Jair Bolsonaro foi escolhido para fazer o discurso de abertura do Fórum no auditório principal. O presidente foi entrevistado pelo anfitrião Klaus Schwab, que o saudou falando em português, com sotaque alemão: “Bem-vindo a Davos, presidente Bolsonaro”.
O protagonismo do Brasil refletiu-se na sala lotada de líderes internacionais que suspenderam as atividades para ouvir Bolsonaro. Do palco, ele falou em criar um “novo Brasil”. A fala foi desajeitada e curta, de quase 7 minutos, gerando críticas ao presidente por desperdiçar uma oportunidade valiosa. Mas Bolsonaro passou a mensagem que queria, a de que seu governo pretende diminuir a carga tributária, simplificar as normas e facilitar a vida dos empresários. O compromisso com a estabilidade macroeconômica, o respeito aos contratos, as privatizações e o equilíbrio das contas públicas, além da abertura comercial prometida, também foram bem recebidos. “As perspectivas de reformas que devem ser realizadas pelo governo podem trazer mais segurança jurídica e permitir uma expansão expressiva do produto interno bruto neste ano”, disse a EXAME Luis Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Em uma edição do Fórum Econômico Mundial marcada pela sombra do protecionismo, um presidente que diz querer abrir a economia se projeta. Parte dos investidores já demonstra otimismo. Nas três primeiras semanas de janeiro, a entrada de capital estrangeiro na bolsa de valores brasileira somou 1,6 bilhão de reais. Além do discurso de Bolsonaro, a delegação brasileira trabalhou nos bastidores. Em encontros bilaterais com lideranças políticas e reuniões com empresários e investidores, o governo reafirmou que está determinado a fazer a lição de casa. “Saí de lá com ótima impressão. O Brasil pode ter um crescimento interessante no futuro se as reformas forem implementadas”, disse a EXAME uma empresária europeia que participou do encontro a portas fechadas organizado pelo governo com 150 executivos e empresários.
Nessa ocasião, as estrelas foram os ministros Paulo Guedes e Sergio Moro. Bolsonaro lhes cedeu a palavra para que falassem sobre os projetos que desejam implementar no país. À televisão, Paulo Guedes afirmou que as privatizações podem render até 20 bilhões de dólares ao governo. É uma injeção de capital que poderia reforçar o caixa e sanar parte do déficit fiscal brasileiro. O que não pegou nada bem foi a hostilidade do governo com a imprensa nacional e internacional. A decisão de não comparecer a uma coletiva foi um tiro no pé do ponto de vista da imagem do Executivo. Eis algo que fica na conta das oportunidades perdidas.