Elizabeth Holmes (Steve Jennings/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2015 às 05h56.
São Paulo -- Na manhã de um sábado no início de maio, a empresária americana Elizabeth Holmes foi a grande estrela de uma cerimônia de formatura numa universidade nos arredores de Los Angeles. Devidamente vestida para a ocasião, ela fez uma observação antes de começar seu discurso: “Tenho de confessar. Esta é minha primeira colação de grau”.
Elizabeth, de 31 anos, é a mais jovem bilionária americana, com uma fortuna estimada em 4,5 bilhões de dólares, mas nunca acabou um curso superior. A empreendedora tinha 19 anos quando deixou o curso de engenharia química na Universidade Stanford para fundar a Theranos, empresa de biotecnologia que está revolucionando a área de diagnóstico médico nos Estados Unidos.
Avaliada em 9 bilhões de dólares, a empresa tem no conselho de administração nomes como Henry Kissinger, um dos secretários de Estado americanos mais importantes dos últimos 50 anos.
A força da Theranos não está no que ela faz — exames de sangue para testar 256 tipos de doença, desde hepatite até problemas cardíacos —, mas em como a empresa faz esses testes. A Theranos criou um modelo de negócios que resultou em exames rápidos e baratos. A coleta é feita em farmácias parceiras, não em laboratórios, com apenas três gotas de sangue. Nem mesmo é preciso usar a seringa.
“É tudo muito simples e ágil”, diz o brasileiro Vitor Asseituno, que fez um exame de sangue em Palo Alto, na Califórnia. Os resultados são liberados em dois dias e acessados por médicos e pacientes em um aplicativo.
E os preços são muito competitivos: um teste de colesterol sai por 2,99 dólares, metade do valor estipulado pelo Medicare, plano de saúde do governo americano. A velocidade no resultado e o custo baixo só são possíveis graças à tecnologia criada pela Theranos — que também colocou a empresa sob questionamento.
Elizabeth nunca divulgou detalhes sobre as técnicas usadas para fazer as análises laboratoriais por considerar o grande segredo de seu negócio. Em fevereiro, o pesquisador John Ioannidis, da Faculdade de Medicina de Stanford, questionou a postura da empreendedora em um artigo para a Associação Médica Americana. “Como saber a validade dos exames que a empresa faz se as evidências não estão ao alcance dos cientistas?”
A tecnologia usada pela Theranos começou a ser criada quando Elizabeth ainda era estudante em Stanford. Na universidade, ela trabalhava no desenvolvimento de uma máquina para analisar o sangue e monitorar o metabolismo de pacientes. Foi nessa época que ela decidiu empreender e se dedicar à área de diagnósticos médicos.
“Descobri que o que queria fazer na vida era tornar a detecção preventiva de doenças uma realidade no sistema de saúde”, disse ela em um evento no ano passado. “Havíamos registrado patentes, mas não tínhamos um produto que estivesse remotamente perto de realizar o que eu queria. Não tinha ideia de como faríamos, mas tínhamos de fazer.”
Durante dez anos, a Theranos investiu em pesquisa e foi registrando novas patentes para aprimorar seus métodos de diagnósticos clínicos. Durante esse período, trabalhou para companhias farmacêuticas, como Pfizer e GlaxoSmithKline, realizando testes para novos medicamentos, o que garantiu uma receita contínua.
Foi só em 2013, com cerca de 300 patentes registradas e sua máquina pronta, que a Theranos fez um acordo com a rede de farmácias Walgreens para instalar postos de coleta de sangue em suas lojas — até o momento, são 42.
Com o sucesso, vieram as críticas. A estratégia encontrada por Elizabeth foi pedir a avaliação da Food and Drugs Administration (FDA), espécie de Anvisa americana. Nos Estados Unidos, um fornecedor de máquinas para exames clínicos precisa passar por uma bateria de testes para obter um certificado da FDA antes de vendê-las a laboratórios. Mas, como a Theranos não comercializa as máquinas que ela mesma fabrica, a empresa não é obrigada a passar pela fiscalização.
Ainda assim, Elizabeth decidiu se submeter à avaliação. Foi a maneira que encontrou para ter reconhecimento sem precisar revelar sua tecnologia. O primeiro resultado saiu na primeira semana de julho. O teste do vírus da herpes foi considerado dentro do padrão aceitável. São esperadas para os próximos meses as demais avaliações.
O carimbo de qualidade da FDA para todos os exames é a próxima barreira a ser vencida por Elizabeth, mas não a única. Em vários estados americanos, a lei exige que as pessoas tenham uma requisição médica para realizar exames clínicos. Para quem pretende popularizar os testes laboratoriais em larga escala, isso é um problema. Mas começam a surgir mudanças que beneficiam a Theranos.
Em julho, o estado do Arizona derrubou a exigência da requisição. Espera-se que outros sigam o mesmo caminho. Para os especialistas em saúde pública, a expansão dos exames clínicos traz benefícios, mas também pode ser problemática. Na opinião do cardiologista Eric Topol, que pesquisa o impacto da tecnologia na medicina, o modelo da Theranos dá mais poder aos pacientes.
“As pessoas estão mais informadas e tendo mais acesso a exames laboratoriais”, diz Topol, autor do livro The Patient Will See You Now (“O paciente irá vê-lo agora”, numa tradução livre). Com isso, segundo ele, vão conseguir acompanhar de perto sua saúde e, em vários casos, mudar hábitos ou iniciar tratamentos mais cedo. Uma perspectiva que não parece tão atraente é criar uma espécie de histeria coletiva por exames desnecessários e, pior, um perigoso incentivo à automedicação.
Elizabeth mostra-se inabalável diante dessas críticas. Diz que as pessoas têm o direito de ter mais poder sobre a própria saúde. Para atingir sua meta, não mede esforços. Solteira e sem namorado, diz que nunca tirou férias e trabalha sete dias por semana.
Em um recente encontro com estudantes de Stanford, disse que nunca pensou sobre o que faria caso a Theranos não desse certo. “No minuto em que você procura um plano B, sabe que não vai ter sucesso.” Alguma dúvida de que Elizabeth tem mesmo sangue nos olhos?