Revista Exame

O enrosco olímpico do Rio parece longe da solução

No Rio, quatro arenas olímpicas rendem 1,3 milhão de reais ao ano e custam 35 milhões. Que tal olhar o que os alemães fazem com o parque de Munique?

Velódromo durante os Jogos do Rio: após dois incêndios, o local sofre com infiltrações | Fernando Frazão/Agência Brasil /

Velódromo durante os Jogos do Rio: após dois incêndios, o local sofre com infiltrações | Fernando Frazão/Agência Brasil /

RK

Rafael Kato

Publicado em 15 de fevereiro de 2018 às 05h42.

Última atualização em 3 de agosto de 2018 às 08h09.

Toda a estrutura da pista do Velódromo, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, é feita com pinho siberiano, considerado uma madeira ideal para a prática do ciclismo e capaz de evitar cupins e outras pragas. Na madrugada do dia 30 de julho de 2017, um balão atingiu o telhado do velódromo. Por sorte, a pista ficou apenas chamuscada. Quatro meses depois, no final de novembro, outro balão caiu sobre o teto, destruindo uma área menor da cobertura. A pista não sofreu danos. Quem visita a arena hoje, como EXAME fez em meados de janeiro, nota apenas uma diferença de cores entre alguns setores da área de competição, uma vez que parte dela precisou ser lixada após o acidente.

Fases de boa sorte, como se sabe, não duram para sempre. O equipamento pode ter sobrevivido ao fogo, mas agora o que o ameaça é a água. Há infiltrações nas instalações. E, caso não sejam sanadas a tempo, podem colocar em risco um espaço que custou 143 milhões de reais aos cofres públicos — e cuja situação no momento impossibilita a criação de um museu do esporte no local. A solução do problema exige uma articulação entre governo federal, órgãos da prefeitura carioca e construtoras, exemplificando a complexa gestão do legado olímpico. É um enrosco que, no limite, impede que esses espaços sejam rentáveis.

A área do Parque Olímpico da Barra da Tijuca funciona como um condomínio. O velódromo, o centro olímpico de tênis — este também com problemas de infiltração — e as arenas Cariocas 1 e 2 são geridos pelo governo federal por meio da autarquia Aglo (sigla de Autoridade de Governança do Legado Olímpico), criada em março de 2017, após a prefeitura do Rio de Janeiro não ter conseguido realizar uma licitação para repassar o parque a um operador privado. A prefeitura é responsável pelo Boulevard Olímpico, transformado em parque público, pelas arenas Carioca 3 e do Futuro e pelo Centro Aquático.

Estes dois últimos foram planejados como estruturas temporárias, mas seguem de pé devido ao alto custo de desmontagem. Ainda compõem o complexo áreas geridas pela iniciativa privada: a Rio Mais, concessionária formada pelas construtoras Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken, cuida do terreno onde se realiza o festival de música Rock in Rio; a multinacional de feiras e entretenimento GL Events administra a Jeunesse Arena, que serviu para as provas de ginástica em 2016 e hoje sedia shows; e o Comitê Olímpico Brasileiro ficou com o Parque Aquático Maria Lenk, base para atletas de alto rendimento na natação.

Se reuniões de condomínios são sempre um momento de tensão entre vizinhos, mediar conflitos numa área com tantos interesses não tem sido fácil. EXAME ouviu relatos sobre visitantes barrados na entrada do Parque Olímpico pela equipe de segurança da Rio Mais pelo simples fato de desconhecerem a ocorrência de atividades sociais numa das arenas. A solução dos problemas de infiltração também depende da articulação entre esses agentes. A Aglo aponta a responsabilidade para a prefeitura. Esta, em nota, afirma que já fez um estudo para uma obra complementar. E diz que acionará judicialmente as empreiteiras responsáveis pelos vícios construtivos do local.

Parque Olímpico de Munique (Alemanha): o espaço está integrado à cidade | Rafael Kato

Apesar dos problemas, a Aglo tem conseguido dar uso a parte das instalações. Em média, 14 eventos foram realizados por mês nas arenas em 2017. Os times cariocas da NBB, liga nacional de basquete, por exemplo, mandam seus jogos na Carioca 1. O governo federal também criou um programa de visitação guiada e gratuita aos espaços, mas que pode ser feita apenas nos dias de semana e ainda tem baixa frequência (a reportagem de EXAME realizou o tour sem a companhia de outros turistas).

Por ano, a manutenção dos equipamentos  geridos pela Aglo custa 35 milhões de reais. Em receitas, convertidas em melhorias e compras de material, foi obtido 1,3 milhão de reais no ano passado. A autarquia tem um prazo legal que expira em 30 de junho de 2019 para preparar um projeto de parceria público-privada, no momento sob estudos do BNDES, para substituí-la na gestão do legado. Paulo Márcio Dias Mello, presidente da Aglo, já cogita a hipótese de a autarquia extrapolar o prazo de vida previsto. “Isso aqui pode dar certo mesmo que não haja uma PPP. É óbvio que seria um processo de longo prazo. Mas já mostrei que é possível ter uma ocupação, mesmo que ainda não seja a ideal”, afirma Mello.

Consultores ouvidos por EXAME colocam em xeque o sucesso de uma futura PPP. Entre as causas apontadas aparece o confuso condomínio do Parque Olímpico. “Outro problema é que a PPP deveria ter sido feita antes da entrega do parque, para aquele que tivesse ganhado a licitação supervisionasse as obras”, diz Claudio Frischtak, presidente da consultoria de infraestrutura Inter.B. “Há uma ignorância sobre os modelos de gestão e o que está acontecendo no restante do mundo.”

Olhar para casos de sucesso no exterior pode ajudar o Rio a achar saídas. A cidade alemã de Munique, na Baviera, foi sede dos Jogos de Verão de 1972 e administra com sucesso o Parque Olímpico por meio de uma única empresa pública, a Olympiapark München, que deve ser lucrativa ou, pelo menos, conseguir um resultado que empate com os custos. Em 2016, sua receita de 29 milhões de euros foi obtida com diversas formas de exploração comercial por parceiros, como restaurantes, tour sobre o telhado do estádio, visitação à torre de TV e até mesmo um trenzinho elétrico que circula pela área verde.

A receita principal vem de eventos. A empresa cobra o aluguel do estádio e do ginásio, além de exigir uma participação na bilheteria e na venda de bebidas alcoólicas. Para isso, trabalha ativamente na atração de artistas e empresas interessados em fazer apresentações no local. Shows de rock com artistas internacionais costumam ser os mais rentáveis por combinar ingressos caros com um público que bebe mais — só entre os fãs do grupo Guns N’ Roses o tíquete médio de consumo de cerveja foi de 13 euros (cerca de 53 reais) num show.

Georgia Dome, em Atlanta (EUA): estádio implodido para dar lugar a estacionamento | Curtis Compton/Atlanta Journal-Constitution/AP/Glow Images

“Eu acredito que é possível exportar nosso modelo para outros lugares. É preciso ter um bom equilíbrio entre eventos esportivos e encontros corporativos e shows”, afirma Marion Schöne, presidente do Olympiapark. O único cuidado, ela avisa, é não depender de times de futebol, como já foi o caso alemão até 2006, quando o Bayern de Munique mandava os jogos ali. “Os times podem construir o próprio  estádio e o comitê de legado pode ter um buraco na receita. Não se enche um local com 75.000 assentos toda semana com facilidade”, diz Marion.

A relação com os negócios da cidade também é essencial. A empresa pública conta com o patrocínio de um banco, da fabricante de material esportivo Adidas e da montadora BMW, que aluga com frequência as instalações para eventos e ainda se beneficia do fluxo de turistas no parque para atrair visitantes à sua sede e ao seu museu, que ficam, literalmente, do outro lado da avenida.

O uso e a visitação são essenciais para a sobrevivência de qualquer legado olímpico. Em Munique, as piscinas em que o nadador americano Mark Spitz ganhou sete medalhas de ouro podem ser usadas por qualquer pessoa. Basta pagar uma taxa de 4,50 euros (18 reais). Pela área verde do parque se avistam corredores, crianças brincando e pessoas passeando com cachorro. Algo bem diferente da visão que se tem no Parque Olímpico do Rio. Poucos se aventuram por uma pista de concreto sem árvores nem áreas de sombra. “Não é possível ter uma boa gestão do legado se a cidade está gerindo algo que não é de uso da população local”, afirma Andrew Zimbalist, professor de economia no Smith College, nos Estados Unidos, e pesquisador dos impactos de eventos como a Olimpíada e a Copa do Mundo em metrópoles que sediam os eventos.

No caso do sucesso alemão é preciso colocar na balança que a quantidade de instalações olímpicas é menor. Desde 1972, quando Munique foi sede, os Jogos cresceram de tamanho e os custos deram saltos. “A Olimpíada era para ser supostamente um evento esportivo, não um evento de construção”, diz Zimbalist (leia entrevista ao lado). Os gastos elevados com arenas têm feito com que moradores de cada vez mais cidades rejeitem nas urnas as candidaturas olímpicas. Boston e Munique preferiram ficar de fora da corrida para receber os Jogos de Inverno de 2022. “Desconfio que haja um sentimento crescente na população de que esses eventos não tratam do verdadeiro espírito olímpico, sobretudo com os casos de doping e de corrupção”, diz Marion.

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Opção radical

No limite, a melhor solução para estádios que não são utilizados pela população é mandá-los para o chão. Foi o que aconteceu com o Georgia Dome, arena que foi sede de partidas da Olimpíada de Atlanta, em 1996, e finais do futebol americano. Com um estádio vizinho mais moderno, sua implosão em 2017 foi feita para dar lugar a um estacionamento de uma loja de material de construção. A demolição também será parte da saída encontrada para o momento após os Jogos Olímpicos de Inverno deste ano, que estão acontecendo em Pyeongchang, na Coreia do Sul. Quando o último esquiador já tiver descido as colinas da cidade, as autoridades vão se preparar para derrubar o estádio com capacidade para 35.000 pessoas — a cidade abriga 43.000 moradores — após ser usado apenas quatro vezes.

O futuro do ginásio de patinação de velocidade, no entanto, ainda é uma incógnita. Já foi cogitado transformá-lo em armazém frigorífico para peixes. O turismo é uma esperança de receita para equilibrar as contas. Mas os números não animam: 2 milhões de sul-coreanos deixaram de praticar esportes de neve entre 2012 e 2017 e, distante poucos quilômetros de Pyeongchang, há um resort de esqui abandonado por falta de visitantes. Gerir um legado olímpico é, portanto, um pepino para os países com PIB per capita elevado, como a Coreia do Sul, ou com renda de apenas um terço, como o Brasil. Só com pés no chão dos governos e participação popular e da iniciativa privada, as cidades têm alguma chance de domar os elefantes brancos. 

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