Revista Exame

O desafio do Enjoei para mostrar que é 'mais do que uma modinha'

A plataforma de moda Enjoei conquistou consumidores e investidores com leveza e um modelo de negócios conectado ao século 21

Ana Luiza McLaren e Tiê Lima, na sede da empresa: sintonia do casal ganhou a atenção de banqueiros e investidores mesmo com oferta pequena — o Enjoei estreou na bolsa avaliado em
2 bilhões de reais  (Leandro Fonseca/Exame)

Ana Luiza McLaren e Tiê Lima, na sede da empresa: sintonia do casal ganhou a atenção de banqueiros e investidores mesmo com oferta pequena — o Enjoei estreou na bolsa avaliado em 2 bilhões de reais (Leandro Fonseca/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 15 de abril de 2021 às 05h45.

Última atualização em 21 de setembro de 2021 às 00h24.

A plataforma de comércio de moda Enjoei emula como poucas empresas o espírito dos tempos atuais­. Nesta pandemia que trancafiou as pessoas em casa e turbinou negócios digitais, a startup paulistana permite a seus clientes vender roupas e objetos usados que carregam junto um pedacinho da sua história.

Além disso, a empresa tem uma comunicação leve e despojada que não vai nada mal para tempos tão bicudos. Onze anos depois de ter sido criado, a partir de um blog da publicitária Ana Luiza McLaren, o Enjoei estreou na bolsa em novembro, avaliado em 2 bilhões de reais. Desde o debut no pregão, já caiu, subiu, dobrou de valor, caiu de novo e, após a prévia de resultados trimestrais fortes anunciada no início de abril, está 25% acima do ponto de partida, ou seja, vale ­2,5 bilhões de reais.

Além de agora ter de lidar com o sobe e desce natural da bolsa, o Enjoei enfrenta outro desafio: o de mostrar que não é só uma startup bonitinha e que tem potencial para se transformar em uma das maiores plataformas de moda do país. No ano passado, movimentou 500 milhões de reais — o dobro de 2019.

Para ter uma ideia do que esse volume significa em produtos usados, a Farm, uma das maiores marcas da moda brasileira, descolada e moderna, vendeu 614 milhões de reais em 2020. O modelo de negócios do Enjoei, sua gestão moderna e seus números fazem da empresa uma das mais promissoras da bolsa brasileira.

(Arte/Exame)

Mas, nesse trajeto, o casal de fundadores, Ana Luiza e Tiê Lima, precisa aculturar os brasileiros — consumidores e empresários da moda — e fazê-los entender a moda através de suas lentes, sem diferença entre o usado e o novo. No Brasil, o Enjoei não tem concorrentes diretos. Mas, na esteira de sua oferta pública inicial, vieram dois outros IPOs nos Estados Unidos, de plataformas com proposta semelhante. A tendência de reverenciar, cuidar e recircular o usado é global. A maior entre elas, a Poshmark, é avaliada em 3 bilhões de dólares na Nasdaq.

A menor, a ThredUP, estreou na bolsa americana em março e vale 1,6 bilhão de dólares. Todas, inclusive o Enjoei, veem largas avenidas para atuar no mercado de produtos novos, com especial destaque para o pequeno varejo, cheio de estilo, nesse setor tão pulverizado.

De igual e curioso entre elas há a data de fundação. O Enjoei nasceu blog em 2009 e virou empresa em 2012, depois de Tiê Lima ter decidido deixar o emprego como executivo do Grupo Abril, onde procurava ativos digitais para aquisição, ao concluir que o que havia de mais animador e excitante na internet estava dentro de sua própria casa. Depois de avisar Ana Luiza pelo telefone, fez as contas e perguntou se ela achava possível vender 23 peças por dia, o necessário para pagar a operação.

Na época, a publicitária, trabalhando no Google, fazia uma só postagem de oferta, garimpando entre suas peças e as cerca de 500 que recebia de usuárias do blog. Pois pasmem, a Poshmark foi fundada em 2011 e a ThredUP surgiu também em 2009. Representam uma geração evoluída das plataformas generalistas da época e que começavam a ganhar corpo de grandes corporações, como MercadoLivre e eBay.

De diferente, há centenas de milhões de dólares que ambas as americanas levantaram antes do IPO, enquanto o Enjoei levantou poucas dezenas, mesmo com uma lista de fundos de venture capital de fazer inveja, com estrangeiros, as brasileiras Monashees e Dynamo e mais badalados sobrenomes da vida empresarial como investidores individuais. Ana Luiza e Tiê ficaram craques em economia e eficiência de capital.

Essa experiência, além de serviços e tecnologia, será para lá de necessária, já que, se não enfrentam grande concorrência no segmento de usados, terão uma bela batalha no campo de agregadores de moda, em um mercado com Dafiti e Privalia. Para quem conhece o negócio de perto, não há dúvida de que é uma operação, para além de digital, tecnológica.

“O Enjoei é um conjunto de códigos escritos que solucionam problemas para os clientes. Isso é propriedade e fruto da experiência da empresa. Ninguém mais tem. Ninguém acha para comprar”, diz um acionista. Esse foi um dos fatores de sucesso para o IPO na B3.

Em números

No fim de março, o Enjoei passou pela primeira vez de mais de 1 milhão de compradores ativos — para um total de 787.000 vendedores ativos. O valor total movimentado na plataforma segue batendo recordes: os 172 milhões de reais registrados no primeiro trimestre são o dobro do que foi transacionado um ano atrás.

Para os investidores, os números que interessam, porém, são outros. O Enjoei fica com 26% de cada compra e venda — número que encheu os olhos de quem aplicou nas ações. Algo que só consegue cobrar pelo sucesso na conversão de vendas e pelos serviços que oferece. Sortimento é essencial. Por isso, um dado destacado foi que no terceiro trimestre foram publicados 3,3 milhões de novos itens — uma média de 110.000 ao dia, bem mais do que os 23 originais de quando ganhou CNPJ.

Mesmo habituados com a cobrança dos fundos acionistas, os fundadores do Enjoei têm pela frente a ansiedade dos investidores. Como toda startup, não dá lucro. Nem Ebitda (lucro operacional) positivo possui, por enquanto. A empresária tem sua explicação para a contabilidade.

“Acho engraçado como dão foco para prejuízo quando a gente divulga resultado, como se a gente fosse empresa madura. Aquele número lá, na verdade, é investimento em crescimento. É compra de tempo e de usuário. Se a gente quisesse ser rentável agora, parava de crescer e daria lucro. Mas não tem sentido”, afirma.

Em 2020, a receita bruta teve crescimento de 48%, para 94 milhões de reais, e o lucro bruto subiu 67%, para 28,2 milhões de reais.

Ana Luiza e Tiê sabem muito bem o que o IPO representa para eles. “Uma forma de fazer tudo o que a gente já via de oportunidade e ficava quicando porque a grana era curta”, diz Ana Luiza, em entrevista à EXAME. A lista de “coisas a fazer” tem desde desenvolvimento de soluções de logística até meios de pagamentos, com o Enjubank. A oferta de ações foi de 1 bilhão de reais, e metade disso foi para o caixa da empresa. Os recursos serão investidos em talento e tecnologia.

Além disso, o IPO trouxe uma exposição positiva, um ar de corporação ao ex-blog. Depois da oferta, a plataforma já fechou uma parceria com a C&A Modas, para a venda de peças usadas do gigante varejista. Há uma operação semelhante com a Farm e diá­logo com muitas outras. Desenvolver o B2B é uma das frentes que ganharão impulso.

“Para o varejo, lidar com a logística reversa [do cliente que pode dar um item usado em bom estado em troca de desconto] é um desafio. O Enjoei tem soluções para isso, sem criar complexidade tributária, inclusive.”

Nessa estratégia, a empresa conta com uma ajuda preciosa: a opinião dos consumidores. Cada vez mais, a recirculação, não só como sustentabilidade mas como renovação, é um tema importante. A marca paulista Antix, uma das mais procuradas na plataforma, sabe disso faz tempo. A fundadora Patricia Ju Hee fala com orgulho: “Muitas das clientes brincam que têm o dinheiro ‘envestido’ com a Antix”. Para ela, a liquidez das peças em um mercado secundário é parte da atratividade da marca para as clientes, que podem renovar seu guarda-roupa com mais frequência.

Antix: marca paulista que tem público consumidor fiel — as antiketes – vê mercado de usados como força, pois permite que clientes renovem o guarda-roupa com mais frequência e, portanto, comprem mais (Germano Lüders/Exame)

 

Os melhores perfumes

A oferta de ações da companhia foi certamente a de maior bochicho dentro da enorme temporada 2020, ainda que nem de longe tenha sido a maior. Foi o clássico dos melhores perfumes nos menores frascos. Logo de cara os banqueiros e advogados entenderam que o Enjoei é uma companhia com alma: reflexo do casal fundador. O carisma da dupla — com a fala e o jeito despojados de Ana Luiza, complementados pelo estilo mais metódico e organizado de Tiê — arrebatou quem trabalhou na transação e também conquistou os investidores.

Ana Luiza nem pensa em disfarçar a emoção. “É claro que é emocionante. A gente fica um bagaço de tanto trabalhar. Mas é um privilégio poder fazer um IPO e uma conquista como empresa”, relembra ela.

Com tíquete bem menor, ela que precisaria conquistar seu público: os banqueiros vendedores de seu negócio e os investidores compradores. Para os banqueiros, mandou um emblemático cartão escrito na capa “Chama que vem”, com uma nota de 1 dólar (da sorte) dentro e o bilhetinho publicado no box da página 87. Amoleceu o coração e divertiu o condado.

(Arte/Exame)

Aos compradores, também quis mostrar que charme é ativo do Enjoei. Fez um prospecto (aquele calhamaço chatésimo que apresenta o negócio, suas oportunidades e os riscos aos investidores) com capa colorida escrito “Viemos Prospectar” e uma carta dos fundadores cheia de sacadas, contando a jornada até o IPO (leia o box nesta página). Inconformada com o tédio do material, Ana Luiza havia mudado tudo na véspera da entrega.

Mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) vetou (como os advogados temiam), por entender que a linguagem não estava de acordo com a sobriedade que o tema exige. A companhia formou uma base de acionistas com nomes badalados, como o das gestoras Verde, Absoluto, SPX, Opportunity e Sharp. Daqui para a frente, vem a impessoalidade — e a volatilidade ­— do mercado.

O crescimento tão necessário para o Enjoei se consolidar como solução para a moda terá de vir acompanhado de uma educação de consumidores, empresários da moda e até investidores. Manter a “buena onda” de consumidores e investidores é essencial para continuar a aventura de Ana Luiza e Tiê.  


Interior da loja Farm, em Ipanema. (Fernando Frazão/Exame)

Chama que vem

O bilhete (inédito para o público) que veio no cartão feito por Ana Luiza para engajar banqueiros em sua operação — junto com uma nota de 1 dólar

Condes e condessas do condado, 

É um prazer enorme invadir o território de vocês com esta jovem empresa bem-humorada, de qualidade indiscutível, que, como dizem na internet, “não tem no Brasil”.

Vender pedacinhos desta empresa nos ajudará a construir o futuro de uma empresa moderna, saudável, bem situada em seu tempo, humana e orgulhosamente brasileira.

Acreditamos que não teremos dificuldades, uma vez que dia desses nosso vizinho de baixo ligou perguntando como ele poderia fazer para investir no Enjoei. Juro. Verdade. 

Há muita gente que, em vez de Enjoei, diz enjoy. Achamos isso engraçado e muitas vezes nos referimos a nós mesmos como enjoy.

Então, além de enjoy the ride, let’s enjoy the round.

Ana e Tiê
#ENJU3 #NAOTEMNOBRASIL


Carta dos fundadores

Com linguagem despojada, a mensagem que abria o prospecto da oferta de ações não passou pelo crivo da CVM, mesmo tratando só sobre o passado da empresa. A versão com a carta ficou poucas horas no site do regulador

Caros investidores,

Não sei se vocês sabem, mas o Enjoei, esta empresa querida-amada-idolatrada-salve-salve, começou blog. Foi blog por três anos até que ganhou seu CNPJ. Antes de apresentar a empresa em profundidade, queremos falar um pouco dos nossos investidores.

O primeiro deles, o Arnaldo, segue vindo nos visitar. Às sextas-feiras, nos manda “shabat shalom” no zap. Liga pedindo novas versões de camiseta da empresa. Tem muito orgulho em ter vislumbrado potencial naqueles jovens que tinham um blog na mão e duas cabeças voadoras. Arnaldo fica mais feliz em espalhar aos quatro ventos que é sócio do Enjoei e, propriamente, com o dinheiro que ele certamente ganhará no advento dessa oferta.

Ainda na linha dos investidores destemidos, Eric e Fabinho nos convidaram para uma reunião em seu escritório. Perguntei, curiosa: “Por que Monashees?” Correram para buscar um livro com uma montanha — a tal Monashees — enorme na capa. “Para esquiar essa montanha, é preciso saltar de um helicóptero e sair esquiando, mas se você souber saltar o risco é controlado.”

Bem doidos, gostamos. Para mitigar o risco do salto, mandaram Marcelo, nerd da melhor qualidade, na missão
de revirar os números e nosso pensamento. Dava para saltar, foram em frente.

Brian, from Bessemer,
is having a hard time understanding how B3 works, but this is not as important as keeping the ratio LTV/CAC sustainable, guaranteeing long life to the company.

O Mario, da Dynamo, chatíssimo. Com ele o papo é reto: pão, pão; queijo, queijo. Para tudo que é importante
ele inventa tempo de onde não tem. Diz sermos MUITO rebeldes, e essa caixa alta no muito é transcrição dele mesmo. Contudo, adora a gente embora tente disfarçar. 

Inclusive, queria aproveitar a atenção de vocês para agradecer imensamente toda a ajuda do Mario e dos jovens Johnny e Rappa nesse processo. Foi muito time, vou morrer de saudades quando a gente estiver 100% ocupados fazendo do Enjoei o maior empresão orgulho do Brasil.

O Roberto e o Greg, animados, não querem ir embora, não.

Há quem diga que dinheiro é tudo igual. Eu, Ana, não acho. Dinheiro tem energia e pode mudar tudo dependendo de onde vem.

O Enjoei gosta de gente. O Enjoei gosta das humanidades por trás das roupas, da moda, dos investidores, de tudo. Nossos investidores buscam transformar, construir, na hora em que assinam o cheque.

Isto posto, caros investidores, sejam bem-vindos ao Enjoei.

Ana e Tiê

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