Prédios comerciais na Vila Olímpia, em São Paulo: para os investidores estrangeiros, o mercado imobiliário brasileiro é o mais atrativo entre os emergentes (Germano Lüders/EXAME.com/Exame)
Da Redação
Publicado em 14 de abril de 2011 às 11h47.
Há dez anos, a casa número 1 115 da Rua Haddock Lobo, no luxuoso bairro dos Jardins, na zona sul de São Paulo, é ocupada pelo estilista Alexandre Herchcovitch. No início de março, Herchcovitch decidiu sair de lá, e uma placa de “Aluga-se” surgiu na fachada da loja. Em horas, dezenas de grifes do mundo inteiro procuraram a imobiliária responsável pela locação. Não que o preço fosse de ocasião, bem entendido. Para ficar com o espaço de 180 metros quadrados, as candidatas estavam dispostas a pagar 20 000 reais mensais, quase o dobro do que pagava o antigo inquilino. E, para fechar negócio, precisariam, ainda, desembolsar 400 000 reais de “luvas”. Se o preço pedido pelo aluguel aumentar ainda mais, não será uma grande surpresa. O trecho de ladeira que começa na rua Estados Unidos e termina na avenida Paulista é um símbolo ainda pouco conhecido da febre imobiliária que tomou conta do país. Em 2010, a Haddock Lobo foi o local onde o aluguel para o varejo de luxo mais subiu no mundo, com alta de 92%, de acordo com uma pesquisa da consultoria americana Cushman & Wakefield.
Nos últimos anos, a rua recebeu uma série de lojas de marcas chiques, como Louis Vuitton, Armani, Cartier, Diesel e Ermenegildo Zegna. Muitas vão para lá porque a rua Oscar Freire, o mais tradicional centro de varejo de luxo da cidade, já está saturada. Para completar, a chegada das grifes foi acompanhada por prédios comerciais e residenciais de alto padrão. Um deles abriga possivelmente a maior concentração por metro quadrado de donos e executivos de empresas que abriram o capital nos últimos anos. É o edifício neoclássico L’Essence, na parte de baixo da ladeira, a mais valorizada, onde moram Edson Bueno, dono da operadora de planos de saúde Amil; Geraldo Rocha Melo e Samir José Kalil, ex-controladores da Medial; Laércio Cosentino, fundador e presidente da Totvs; e Wilson Roberto de Aro, diretor financeiro do banco PanAmericano até a descoberta do rombo bilionário na instituição, em dezembro de 2010. Subindo a ladeira, áreas ainda ocupadas por residências e lojas mais modestas começam a dar lugar a empreendimentos mais ambiciosos. A seis quadras do L’Essence, perto da avenida Paulista, está sendo erguido o prédio de escritórios Haddock Office. As construtoras nem conseguiram fazer o lançamento oficial do projeto. Antes disso, investidores já haviam reservado todo o prédio. “Não sei de nenhum outro terreno à venda na rua. Se você souber, me avise”, diz Charles Nader, da Lindencorp, empresa responsável pela incorporação.
O fenômeno Haddock Lobo é um aspecto glamouroso do boom imobiliário que se alastrou pelo país nos últimos anos, com especial força em 2010 — quando os preços subiram vertiginosamente, sobretudo nas grandes capitais brasileiras. Em São Paulo, apartamentos de classe média na zona sul valorizaram 269% nos 12 meses do ano. No Rio de Janeiro, a média dos aluguéis de imóveis comerciais aumentou 47%, segundo a Cushman, o que colocou a cidade na quarta posição do ranking mundial de aluguéis mais caros, atrás de Hong Kong, Londres e Tóquio. Na orla do Leblon, enfileiram-se exemplos das alturas a que o mercado imobiliário tem sido capaz de chegar. Poucos ficam sabendo das transações milionárias, cercadas de sigilo, mas um levantamento feito por EXAME com corretores mostrou que um apartamento de luxo no bairro mais valorizado do Rio de Janeiro pode custar mais de 40 000 reais o metro quadrado.
Desaceleração
Em parte, esses saltos de preços podem ser explicados pelas mudanças que vêm ocorrendo no mercado imobiliário. Com a expansão do crédito, nunca houve tantas pessoas com condições de comprar uma casa ou um apartamento no país. A procura por imóveis comerciais tem aumentado no mesmo ritmo do crescimento da economia, à medida que mais empresas expandem suas atividades. Em lugares nobres onde não há mais terrenos disponíveis para novos empreendimentos, como o Leblon, no Rio, e os Jardins, em São Paulo, é natural que os aumentos de preços fiquem bem acima da média. Foi o que aconteceu na Haddock Lobo e em outros bolsões de prosperidade. É provável que os imóveis valorizem mais daqui para a frente, mas a maioria dos especialistas ouvidos por EXAME acredita que o ritmo da alta diminuirá. A expectativa de menor crescimento da renda da população e as medidas de restrição ao crédito adotadas pelo governo devem prejudicar a demanda por imóveis. “É natural que haja um desaquecimento, ainda que isso não signifique que os valores despencarão”, diz Nicolas Retsinas, diretor do centro de estudos sobre habitação da Universidade Harvard.
Os últimos meses têm dado alguns sinais de que o boom realmente já passou por seu apogeu e de que o ritmo do mercado começa a desacelerar. Em São Paulo, por exemplo, o preço médio dos imóveis usados caiu 1,4% em janeiro deste ano em relação a dezembro. Já os aluguéis recuaram 2,9%. O que o investidor deve fazer nesse cenário? Fundos e grandes investidores continuam otimistas com o mercado imobiliário brasileiro. Uma pesquisa entre os membros da Associação de Investidores Estrangeiros em Mercado Imobiliário, que reúne 180 fundos de 21 países, apontou o Brasil como o destino preferido neste ano entre os mercados emergentes. O financiamento imobiliário proveniente de recursos da caderneta de poupança deve atingir 85 bilhões de reais em 2011, 51% mais que no ano passado, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). E projetos se multiplicam acompanhando os acontecimentos previstos para a economia brasileira nos próximos anos, como a Olimpíada de 2016 no Rio e a exploração do petróleo no pré-sal, que movimenta o mercado imobiliário na cidade de Santos, no litoral paulista. Mas impera a percepção de que, a partir de agora, valorizações súbitas e aceleradas — as Haddock Lobos da vida — serão mais raras. A tendência, daqui para a frente, é de elevação nos preços, sim, mas num ritmo menos eufórico.
Para o pequeno investidor, a maior dificuldade de colocar dinheiro nesse mercado está na falta de informações confiáveis: não existem sequer pesquisas nacionais de preços de imóveis. Há, portanto, uma complexidade inerente ao setor. Dadas as condições atuais, o mercado imobiliário deixou de ser uma alternativa tão promissora como era até meados de 2010. Uma alternativa para quem não pretende passar os fins de semana visitando casas e apartamentos para descobrir pechinchas e regiões valorizadas é aplicar em fundos imobiliários, que investem em shoppings, hotéis, prédios comerciais e residenciais. Existem 106 fundos desse tipo no país. Em 2010, 25 deles, negociados na Bovespa, valorizaram, em média, 27% (e, melhor de tudo, são isentos da cobrança do imposto de renda). “A vantagem é que a escolha dos imóveis fica a cargo de profissionais especializados, mas é preciso acompanhar de perto o trabalho do gestor”, diz Otávio Vieira, diretor da Safdié Gestão de Patrimônio. Para ele e outros especialistas, quem quiser investir em imóveis a partir de agora deve apostar em fundos — e, claro, torcer para que o gestor tenha competência suficiente para encontrar a próxima Haddock Lobo antes que os preços dobrem.