Laboratório da Bristol nos Estados Unidos: a fábrica de remédios biológicos custou 750 milhões de dólares (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.
Décadas atrás, pensar no que viria a ser a medicina do século 21 era um exercício quase tão científico quanto discutir astrologia. Todos pareciam certos de que determinadas doenças existiam há gerações, mas a maneira de abordá-las variava enormemente. A indústria farmacêutica, muito menos poderosa do que é hoje, ainda dava os primeiros passos rumo ao desenvolvimento de drogas capazes de curar males até então indecifráveis, como diabetes, escleroses e mesmo a Aids. Prever os rumos da medicina daqui em diante continua a ser um exercício inútil. Mas as conquistas do presente mostram o quanto e quão rapidamente a humanidade caminhou nessa área do conhecimento.
O remédio do futuro, ao que tudo indica, não vai depender unicamente de interações de substâncias químicas sofisticadas — mas de como a ciência será capaz de interagir com células ou mesmo átomos, partículas 100 milhões de vezes menores que o ponto final desta frase. Engenharia genética, física quântica, modificação na estrutura dos alimentos. Se tudo der certo, a próxima geração de medicamentos movimentará 1 trilhão de dólares até 2020. “O remédio do futuro já é uma realidade para muitos laboratórios”, diz Francisco Piccolo, diretorgeral da Biogen Idec no Brasil, uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo. “É só uma questão de tempo até que ele seja oferecido ao consumidor.”
Até agora, nenhuma vertente de pesquisa se provou tão promissora quanto a de medicamentos biológicos, obtidos de células vivas. Apesar de eles existirem há pelo menos dois séculos — as vacinas são os primeiros exemplos disso —, foi somente de dez anos para cá que cientistas do mundo inteiro descobriram maneiras de transformar esses pequenos organismos em fabriquetas de remédio, a maioria voltada para tratar doenças graves, como câncer e algumas deficiências neurológicas (veja quadro). A técnica consiste em fazer com que células de animais e bactérias, cultivadas em laboratório, passem a produzir determinadas substâncias a partir do enxerto de material genético já previamente modificado pelos cientistas. Com isso, é possível desenvolver medicamentos específicos para combater determinados tipos de câncer, por exemplo. Funciona quase como um remédio personalizado. A americana Bristol-Myers Squibb investiu 750 milhões de dólares para sair na frente nesse mercado. A empresa acaba de inaugurar a primeira grande fábrica de medicamentos biológicos do mundo, localizada nos Estados Unidos. “Daqui a alguns anos, o paciente poderá comprar uma seringa com remédio biológico direto da geladeira da farmácia”, diz Silvia Sfeir, diretora de assuntos corporativos da Bristol no Brasil.
Manipular células vivas de modo que elas produzam um medicamento é certamente uma das grandes promessas da indústria farmacêutica — mas não a única. Uma nova frente de pesquisa prevê a utilização de nanotecnologia para desenvolver remédios — em outras palavras, aplicar princípios da física quântica para manipular átomos de modo que o remédio tenha uma ação específica, com menos efeitos colaterais. Embora se trate de uma vertente ainda bastante restrita aos laboratórios de universidades, estima-se que o mercado para esse tipo de medicamento deva movimentar 300 bilhões de dólares nos próximos cinco anos. A brasileira Biolab é uma das farmacêuticas mais avançadas do mundo nesse sentido.
Entre os remédios em estudo, está a criação de um creme anestésico para a pele que não penetre na corrente sanguínea (em doses muito altas, esse tipo de remédio pode ser fatal). “O futuro não está na produção de drogas pesadas, mas no desenvolvimento de remédios mais eficazes”, diz Dante Alário Jr., diretor da Biolab. Uma vertente dos cientistas trabalha para a construção de um futuro que una fármacos e alimentos, os chamados nutricêuticos — uma categoria de produtos que ficou conhecida graças à popularização de bebidas e óleos funcionais, enriquecidos com substâncias como vitaminas e ômega-3. Em empresas como a Monsanto, por exemplo, existem pesquisas avançadas com o objetivo de dar mais um passo com essa tecnologia: criar alimentos que sejam capazes de produzir substâncias que possam prevenir — ou curar — doenças. Em última análise, é como se um hipertenso ou alguém com colesterol alto pudesse se tratar consumindo determinado tipo de banana em vez de ingerir os tradicionais medicamentos. “Essas pesquisas são realizadas por meio da manipulação do código genético das sementes”, diz um executivo do setor que teve acesso a alguns resultados da pesquisa. “Embora ainda esteja numa fase embrionária, é uma das principais apostas da empresa.”
Numa indústria em constante busca pela inovação, é natural que impere certo otimismo em relação a novas descobertas — mas isso está longe de garantir o sucesso da empreitada. Basta lembrar que o Projeto Genoma, criado com o objetivo de decifrar o DNA humano, consumiu 20 bilhões de dólares em investimentos entre 1996 e 2000, quando foi concluído — e, até agora, não produziu nenhum dos resultados espetaculares alardeados na época, como a cura de doenças antes mesmo que elas se manifestem. No caso desses novos medicamentos, há dois enormes obstáculos à frente das farmacêuticas: o tempo e o dinheiro. Estima-se que sejam necessários de 15 a 20 anos para que esses remédios estejam maciçamente disponíveis no mercado, uma eternidade num setor cujas margens caem ano a ano. Além disso, o custo de desenvolvimento dessas novas tecnologias é altíssimo. A nova fábrica de remédios biológicos da Bristol, por exemplo, custou dez vezes mais que a construção da nova linha de produção da brasileira Eurofarma, destinada à fabricação de medicamentos genéricos. “Essa é uma indústria que depende de inovação”, diz Piccolo, da Biogen. “Para nós, o futuro começa agora.”