Gustavo Werneck, presidente da Gerdau: mesas sem divisórias na nova sede, em São Paulo (Germano Lüders/Exame)
Juliana Estigarribia
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 às 05h30.
Última atualização em 27 de fevereiro de 2020 às 06h28.
A indústria de base não é denominada pesada por acaso. Fornecendo equipamentos e matérias-primas para outros segmentos produtivos, é geralmente tida como tradicional e conservadora. Aos 119 anos, diante da crescente competição global e da maior cobrança de investidores e clientes por padrões elevados de governança social e ambiental, a siderúrgica gaúcha Gerdau vem se modernizando. E, já que é para mudar, decidiu mexer no coração do negócio: produção de aço para a construção civil. Está entrando em novas áreas, com foco em inovação, a fim de diversificar as receitas, que hoje somam 40 bilhões de reais por ano, e estabeleceu metas ambiciosas em sustentabilidade ambiental e no financiamento a projetos sociais.
O início da transformação foi simbólico, mas causou impacto: em 2017, André Gerdau Johannpeter, herdeiro e então presidente da empresa, chamou um jovem funcionário para conversar em sua sala. Aos 45 anos, o engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal de Minas Gerais Gustavo Werneck tornou-se o primeiro executivo de fora da família Gerdau Johannpeter convidado a liderar a companhia. “Sabíamos que mudanças profundas estavam por vir”, diz Werneck, que na época contava 15 anos de casa, tendo comandado a operação brasileira da Gerdau e a unidade indiana (vendida em 2018), e atuado como diretor mundial de tecnologia da informação.
Está a cargo de Werneck implantar os novos planos da siderúrgica, cujas 30 fábricas se distribuem atualmente por Brasil, Estados Unidos e mais oito países das Américas. Hoje, cerca de 75% dos 5,6 milhões de toneladas de aço comercializadas pela companhia anualmente no Brasil são do tipo longo, que inclui os vergalhões de sustentação de casas e prédios. Por isso, os momentos em que a siderúrgica teve pior desempenho financeiro na última década coincidem com a crise da construção civil. De 2015 a 2017, a Gerdau teve prejuízo acumulado de quase 8 bilhões de reais. Seu valor de mercado despencou para 6 bilhões de reais em 2016 (hoje a companhia vale 30 bilhões na bolsa).
No período, o produto interno bruto (PIB) da construção civil encolheu aproximadamente 10% ao ano. No novo ciclo da companhia, a fabricação de aço longo tende a perder um pouco do protagonismo, enquanto a participação dos novos negócios nas receitas deverá atingir 20% nos próximos dez anos. A siderúrgica quer aproveitar os clientes conquistados ao longo de décadas na construção civil para oferecer serviços adicionais à comercialização de produtos de aço. Até meados do ano passado, a Gerdau apenas vendia os vergalhões para as empreiteiras, que contratavam outras empresas para executar a implantação. “Passamos a oferecer uma solução completa, entregando a fundação da obra toda pronta. Geramos valor porque o cliente precisa lidar com menos fornecedores e terá a garantia de qualidade de nosso atendimento”, diz Werneck.
Mais que uma indústria, a Gerdau será uma empresa de serviços — mesmo aqueles que podem não parecer diretamente relacionados a seus negócios principais. Já há um caso de sucesso. Em 2018, a companhia desenvolveu internamente uma plataforma digital para contratar fretes mais baratos após a greve dos caminhoneiros e o consequente tabelamento dos preços do transporte. O negócio deu tão certo que originou a G2L, operadora logística com sede em Barueri, região metropolitana de São Paulo, que atende não só a Gerdau mas também clientes e parceiros.
Novos negócios demandam uma nova organização interna, com uma nova forma de trabalhar. Alguns passos já foram dados. Em agosto de 2019, a Gerdau tornou-se signatária do Pacto Global, da Organização das Nações Unidas (ONU), com o compromisso de adotar uma série de medidas definidas pela entidade para aumentar sua responsabilidade social, como temas de igualdade de gênero, crescimento econômico e produção responsável. A siderúrgica pretende obter ainda, até o fim do ano que vem, o selo B-Corp, certificado internacional de padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade legal. Apenas 3.000 empresas possuem o selo no mundo, sendo 150 indústrias.
Entre as metas da siderúrgica para obtê-lo estão o desenvolvimento de micro e pequenos fornecedores e uma maior transparência de dados ambientais e sociais no relatório anual, incluindo temas que envolvem emissões de CO2. As medidas devem ajudar a Gerdau a se tornar mais atrativa no mercado de capitais. “O investidor não é obrigado a colocar dinheiro em uma companhia com esse perfil, mas, ao fazê-lo, ele está pensando no futuro e na vantagem competitiva que essas empresas vão apresentar”, afirma Pedro de Marco, analista que cobre commodities na gestora Reach Capital. Essa tendência é forte no exterior e está começando a crescer no Brasil.
Além disso, o cerco às empresas que não cuidam de seus indicadores ambientais deve aumentar na Europa e, posteriormente, ao redor do mundo, com a cobrança de taxas para as emissões de poluentes, favorecendo quem se antecipou ao movimento. A Gerdau há muitos anos utiliza sucata como matéria-prima — 70% do total — em seus fornos elétricos, que, comparados ao alto-forno tradicional (que usa carvão e minério de ferro para produzir o aço), consomem muito menos energia. Nesse sentido, a empresa já está mais bem posicionada ambientalmente em relação às concorrentes, que trabalham quase majoritariamente com altos-fornos.
Melhorar os indicadores socioambientais pode render frutos financeiros. Mas apenas cumprir metas para obter certificações não é suficiente para convencer o investidor e o consumidor. “O mais importante é garantir que a empresa consiga implementar uma nova cultura, com práticas socioambientais que se sustentem no longo prazo. Só o discurso não adianta”, afirma Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em gestão financeira na Fundação Getulio Vargas. Adotar tais medidas custa caro e, em alguns setores, é preciso calcular a elasticidade dos preços dos produtos e serviços comercializados para descobrir se será possível, ou não, repassar a alta de custos. No setor siderúrgico, as vendas de aço registraram nova queda em 2019, de 2,2% sobre o ano anterior, o que pressionou as margens de todas as empresas.
Não foi por falta de tentativas de diversificar seu negócio, no passado, que a Gerdau continua dependente do mercado imobiliário. A empresa gaúcha entrou no segmento de aços planos — empregados na fabricação de automóveis e eletrodomésticos — em 2013 com a produção de bobinas a quente. Em 2016, iniciou a fabricação de chapas grossas, usadas nas linhas de bens de capital, que vão de máquinas a equipamentos para a indústria naval.
Justamente no período em que a companhia precisava aumentar a produção para pagar seu investimento, o Brasil passou por uma de suas piores crises econômicas. De 2013 a 2018, as vendas de aço recuaram 23% no mercado interno e o consumo caiu 25%. Não só a Gerdau como suas concorrentes — a Usiminas e a CSN em aços planos e a ArcelorMittal em aços longos — precisaram rever suas estratégias. Uma das medidas adotadas pela Gerdau foi vender ativos para reduzir o endividamento. O programa de desinvestimentos da companhia levantou 7 bilhões de reais até o final de 2018, quando o desenho da nova Gerdau já estava em implementação.
Ainda que menor, a construção civil deve continuar tendo muita importância para a Gerdau, então é uma boa notícia que o setor esteja começando a se recuperar depois de anos de penúria. Em uma indicação dessa tendência, duas construtoras fizeram uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa brasileira B3 em 2020, a Mitre e a Moura Dubeux. As ações das principais empreiteiras subiram mais de 50% de dezembro para cá.
Tudo reflexo de uma retomada que teve início em São Paulo, maior mercado do país. Em 2019, foram lançadas na capital paulista 55.500 unidades residenciais, uma alta de 49,6% sobre 2018 e um volume superior ao recorde de lançamentos de 2007. De acordo com especialistas, essa tendência deve se espalhar para outras regiões do Brasil.
“Há algum tempo estávamos otimistas de que haveria uma recuperação, mas o aumento das vendas não acontecia. Desde outubro do ano passado, notamos uma entrada efetiva de pedidos”, afirma Werneck, presidente da Gerdau. O início de recuperação não foi suficiente, porém, para impedir uma queda dos principais indicadores financeiros da companhia no consolidado de 2019. A receita líquida recuou 14% no ano passado, para 39,6 bilhões de reais, e o lucro líquido despencou 47%, para 1,2 bilhão de reais.
Embora o futuro traga dúvidas sobre o sucesso da nova empreitada da empresa, Werneck se mantém otimista. Ele mostra com orgulho a sede da Gerdau, transferida de Porto Alegre para a zona sul da capital paulista em outubro de 2017. No escritório não existem divisórias. Há apenas uma sala envidraçada onde os executivos do alto escalão se sentam, juntos, ao redor de uma grande mesa. A família continua presente, claro.
Atualmente, no conselho de administração da empresa existem quatro membros da família, entre eles o presidente, Cláudio Johannpeter, e o vice-presidente, André Gerdau Johannpeter. Junto com eles há independentes e, pela primeira vez, uma mulher. Claudia Sender tem passagens por companhias como Latam e Whirlpool e, segundo pessoas ligadas à empresa, sua chegada resultou em decisões importantes no processo de mudança da estratégia comercial, especialmente na área de serviços, varejo e branding. Se o desejo da siderúrgica é comemorar outros 119 anos, seus controladores e seus executivos sabem que precisam achar o equilíbrio entre tradição e modernidade.