Sem escolha: o eleitor tem grande chance de levar para o governo pessoas sem preparo, proposta ou mérito (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 8 de outubro de 2016 às 06h56.
São Paulo – As eleições municipais de 2016, concluídas no último fim de semana, são uma demonstração absolutamente indiscutível, mais uma, de quanto é necessária e urgente uma reforma no sistema eleitoral brasileiro. Seria ainda preciso provar alguma coisa a respeito da miséria completa que envenena nossas eleições a cada dois anos e as transforma numa das maiores barreiras ao funcionamento efetivo de uma democracia neste país?
Na verdade não falta provar mais nada; a cada escolha de governantes, fica acima de qualquer dúvida que o Brasil se subordina a métodos eleitorais que praticamente impedem a população de escolher conforme seus melhores interesses. O resultado é que os piores candidatos ganham, os bons são prejudicados e as decisões acabam sendo tomadas na base do dinheiro, da demagogia e da exploração das fraquezas de um eleitorado em grande parte ignorante, desinformado e sem interesse na escolha que a lei o obriga a fazer.
Plenários de baixa qualidade no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores são uma garantia de que não haverá esforços sérios para mudar essas regras perversas — e, sobretudo, de que a qualidade das representações vá se tornando cada vez pior. Foi assim, de novo, nessas municipais de 2016.
“Analfabetos não podem fazer leis”, disse pouco antes das eleições o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e neste momento no exercício do cargo de presidente do Superior Tribunal Eleitoral. Alguma dúvida quanto a isso, para qualquer mente sensata?
Não, é claro — não há nenhuma dúvida. Mas vivemos num país em que um ministro da mais alta corte da Justiça nacional se vê na obrigação de dizer uma coisa dessas — e, mais ainda, onde uma grande parte da elite pensante acha que o ministro está errado por considerar que sua posição é “antipovo”.
É esse o raciocínio que conduz o grosso do debate brasileiro sobre a reforma eleitoral. Segundo tal tipo de pensamento, candidatos — e governantes — analfabetos são uma virtude; mostram quanto nossas eleições são democráticas e abertas ao povo.
Na mesma visão, resiste-se desesperadamente a mudanças na obrigatoriedade da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, fator que é tido como “democrático” e “popular”, mas que serve apenas para aumentar decisivamente a chance de levar para o governo pessoas sem nenhum preparo, proposta ou mérito.
O número de candidatos não pode sofrer nenhuma diminuição; os inimigos da reforma eleitoral acham que o fato de haver no Brasil eleições com “500 000 candidatos” é uma prova da “exuberância” de nossa democracia. Da mesma maneira, não se admite a mínima redução na quantidade de partidos — já são 35 oficialmente estabelecidos, mais 23 em formação, a maioria deles meras gangues em defesa de interesses particulares.
Nas eleições municipais de 2016, cerca de 30 candidatos ou políticos envolvidos na campanha tinham sido assassinados até as vésperas da votação, mais um sinal evidente da crescente ocupação da política brasileira pelo crime. Dezoito estados tiveram distúrbios durante a campanha, e havia pedido de intervenção de tropas federais em 15.
Qualquer passeio de olhos nos vídeos eleitorais exibidos na internet mostram um triunfo ruidoso da demagogia, ignorância e absoluto despreparo para qualquer tipo de atividade remotamente parecida com a função pública. O que pode resultar de bom de eleições como essa? Nada, mas são justamente as forças que não querem nada de bom as que mais trabalham para que tudo continue assim; são elas que tiram proveito da situação atual.
Suas armas principais são o voto obrigatório, a inexistência do voto distrital e a garantia de tempo para propaganda nos meios de comunicação eletrônicos — mais o dinheiro público que sustenta a farra toda por meio do fundo partidário e de outros mimos. A única reforma que querem, aliás, é a doação direta de dinheiro do Erário para as campanhas eleitorais.
Desse jeito continuaremos indo muito mal.