O argentino Claudio Fernández-Aráoz: a diversidade é cada vez mais essencial (Egon Zehnder/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 28 de fevereiro de 2019 às 05h44.
Última atualização em 28 de fevereiro de 2019 às 05h44.
Há mais de 30 anos, o argentino Claudio Fernández-Aráoz, consultor sênior da Egon Zehnder, empresa de busca de executivos com escritórios em 68 países, desenvolve metodologias para identificar talentos. Professor convidado da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, onde mora, e um dos maiores especialistas do mundo em busca de talentos e liderança, Fernández-Aráoz tem nos últimos anos buscado entender as principais diferenças entre líderes homens e mulheres e as dificuldades para promover a igualdade de gênero — alguns estudos mostram que, globalmente, menos de 10% dos cargos de alta liderança são exercidos por mulheres.
Para desvendar as disparidades entre gêneros em cargos de liderança, Fernández-Aráoz esteve à frente de uma pesquisa inédita sobre o tema, realizada com quase 3.000 profissionais de dezenas de países. Na entrevista a seguir, o consultor argentino — que participará no dia 11 de março de um evento em São Paulo sobre o futuro da liderança feminina — analisa os resultados do estudo.
O que mais chamou sua atenção na pesquisa?
Há pelo menos três décadas desenvolvo modelos para avaliar o potencial das pessoas. Observo que empresas com mais mulheres em postos de liderança costumam ter melhores resultados, inclusive financeiros. Resolvi ir mais a fundo e investigar as reais diferenças entre o desempenho de ambos os gêneros nas empresas. Nossa pesquisa mostra que as executivas são mais determinadas do que seus pares homens e também demonstram mais engajamento. Esse resultado vai contra o senso comum. Geralmente, as pessoas têm uma imagem de que os homens são mais guerreiros. Percepções como essa foram construídas ao longo de séculos, nos tempos em que os homens saíam para caçar e as mulheres ficavam em casa. Mas isso mudou, e já faz algum tempo.
Por que as gestoras são mais determinadas?
Provavelmente, um dos principais motivos é que elas precisam lutar mais do que os homens para chegar ao topo da carreira. Devem ser mais fortes. Elas lidam também com a dupla jornada, que é outro desafio. Existem ideias preconcebidas, muitas vezes inconscientes, que influenciam as promoções e contratações. Evolutivamente, queremos estar perto de quem é parecido conosco. Não surpreende que homens queiram homens a seu lado e até hoje mandem no mundo, em várias esferas. O problema é que, além da injustiça com as mulheres, essa atitude não ajuda em nada a promover a diversidade, um ativo cada vez mais essencial em um mundo em rápida transformação. As organizações com pessoas de perfis diferentes têm mais chance de criar soluções inovadoras e também de se adaptar a mudanças.
A pesquisa também mostra que, em relação a competências como conhecimento de mercado e orientação estratégica, as mulheres têm resultados piores do que os homens. Por quê?
É impressionante, pois detectamos que em geral elas têm um ótimo potencial quando começam na carreira. Mas, ao mesmo tempo, a explicação é fácil. As mulheres geralmente têm menos oportunidade de participar de projetos estratégicos e de outras ações que levem ao desenvolvimento de diversas capacidades. Para mudar esse cenário, não bastam um esforço do departamento de recursos humanos ou a criação de políticas afirmativas. O presidente da empresa precisa estar empenhado de verdade em garantir a igualdade. É preciso saber identificar corretamente os diferentes potenciais dos profissionais que podem se tornar líderes.
As mulheres têm hoje mais potencial de chegar a cargos de liderança, embora isso não ocorra com tanta frequência?
Certamente. Mais de 30 anos recrutando líderes para as maiores organizações do mundo nos permitiram implementar um padrão para identificar características importantes das pessoas mais talhadas para esses cargos. O insight, que é a capacidade de conectar pontos e ter boas ideias, é um dos indicadores que utilizamos. Já foram feitos diversos testes demonstrando que boa parte das mulheres tem facilidade em perceber emoções, o que é um componente importante do insight e da inteligência emocional. A curiosidade é outro aspecto que mensuramos. De novo, as mulheres costumam se sair bem. Claro que os homens têm outras competências, e o ideal é unir todo o arcabouço de talentos para que as empresas conquistem melhores resultados. Mas, num ambiente em que as culturas se mesclam, as empresas são cada vez mais globais e os intercâmbios entre pessoas de diversas origens aumentam, saber decifrar emoções e lidar com as diferenças pode ser uma ferramenta importante, assim como ter determinação.
Uma pesquisa recente apontou que, nas empresas americanas de capital aberto nas quais há mais diversidade, as ações oscilam menos. Por que isso acontece?
Não quero pender a balança para o outro lado, exaltando as mulheres, mas estudos mostram que times com a presença de mulheres são mais eficientes em resolver problemas. Aqui, de novo, temos um resultado contrário à percepção popular. Existe a crença de que mulheres têm menos capacidade para algumas funções, o que não é verdade. É só uma repetição do que ouvimos por décadas. Você sabia que na Universidade Harvard, uma das melhores do mundo, não havia banheiro feminino até 60 ou 70 anos atrás? As primeiras alunas começaram a chegar e reclamaram que não havia uma estrutura adequada. Só aí foram pensar nisso. De lá para cá, caminhamos um bocado, mas é preciso lutar para evoluirmos mais.