Um mercado de trabalho desigual: mesmo nos países ricos, as mulheres ainda ganham menos do que os homens (Matt Cardy/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 2 de novembro de 2013 às 08h46.
São Paulo - Todos os dias, a portuguesa Carla Correia e o marido, Tiago, ambos de 26 anos, tentam economizar na rotina da casa em que vivem em Coimbra, ao norte de Lisboa. Eles só ligam a lavadora de roupas depois da meia-noite, quando a tarifa de energia é reduzida.
O carro da família passa semanas parado na garagem para não gastar combustível. Jantares em restaurantes e idas ao cinema não fazem mais parte do leque de opções do casal. Os tempos difíceis começaram há um ano, quando Tiago perdeu o emprego de garçom e a família passou a contar apenas com o salário de 950 euros de Carla, pesquisadora da Universidade do Porto.
O valor equivale a pouco mais de dois salários mínimos e é 39% menor do que era a renda do casal, que tem um filho de 1 ano e meio de idade. “A sobrevivência de minha família só depende de mim agora”, diz Carla.
A situação da pesquisadora portuguesa se repete em várias partes do mundo desenvolvido, onde cada vez mais mulheres assumem o papel de chefe de família. Hoje, na União Europeia, a mulher é a única fonte de renda em 15,5% dos domicílios habitados por casais. O que chama a atenção daqueles que estudam a dinâmica da renda familiar é a velocidade com que esse fenômeno tem avançado.
Em Portugal, em 2002, apenas 4% dos lares eram chefiados por mulheres. Agora, são 16,5%. No Reino Unido, o número de casas que contam apenas com o salário da mulher quadruplicou em uma década, passando de 3% para 12%.
Historicamente, o desemprego feminino foi maior do que o masculino porque a esmagadora maioria das mulheres sempre esteve fora de setores importantes da economia, como indústria, agricultura e construção civil. Na última década, no entanto, essa tendência começou a perder força com o deslocamento de empresas de manufatura dos países ricos para o mundo emergente, em especial a China.
“Nas nações mais desenvolvidas, as oportunidades de emprego ficaram concentradas em setores que tradicionalmente empregam mais mulheres, como educação, saúde e comércio”, diz Sofia Aboim, especialista em sociologia da família na Universidade de Lisboa. Veio a crise de 2008 e a situação dos homens ficou bem pior.
“A Grande Recessão atingiu primeiro os setores onde há mais homens, como a construção e o sistema financeiro. Isso fez com que o desemprego para eles subisse mais do que para elas”, diz Alan Krueger, professor do departamento de economia da Universidade Princeton.
Esse aumento no número de mulheres chefes de família acontece num momento em que são inquestionáveis os avanços conquistados por elas nas últimas décadas. Segundo estudo do Banco Mundial, nunca a escolaridade das mulheres foi tão alta. Em 60 países, há mais mulheres do que homens nas universidades. Na União Europeia, o percentual de mulheres com mais de 25 anos que têm ensino superior chegou recentemente a 40%, cada vez mais próximo do dos homens, com 45%.
Apesar dos avanços e das conquistas, essa nova legião de mulheres chefes de família não tem sido comemorada como sinal de emancipação feminina. De acordo com um estudo da Comissão Europeia, o braço executivo do bloco europeu, a diminuição das disparidades entre os gêneros em termos de salário, emprego e pobreza é resultado de uma deterioração do mercado de trabalho, com prejuízos para ambos os sexos.
Tudo culpa do atual ambiente de baixo crescimento econômico na Europa. A renda do domicílio cai quando a mulher é a principal responsável pela casa, já que elas ganham, em média, 85% do salário dos homens na Europa e 77% nos Estados Unidos. Empobrecidas, essas famílias também enfrentam os efeitos psicológicos da inversão dos papéis no sustento da casa.
Pesquisadores da Universidade de Chicago e da Universidade Nacional de Singapura analisaram dados do censo americano no período de 1970 a 2010 e concluíram que casais em que a mulher ganha mais do que o homem são mais propensos ao divórcio.
Na Dinamarca, outra pesquisa, conduzida pela Universidade Washington em Saint Louis, no estado americano do Missouri, e pela Universidade de Aalborg, aponta que o marido está mais sujeito a ter disfunção erétil em lares em que a mulher é o arrimo da família. As mulheres, por sua vez, sofrem mais de ansiedade e insônia e aumentam em até 5% o uso de medicamentos. Nos Estados Unidos, cerca de 80% delas acham que não têm segurança para gerenciar o dinheiro da casa.
Nos últimos meses, as notícias econômicas na Europa e nos Estados Unidos melhoraram. No caso americano, os sinais de aquecimento eram mais consistentes, pelo menos até o embate no Congresso em torno da ampliação do teto da dívida americana. Na Europa, a situação é mais incerta — mas pelo menos parou de piorar.
Ventos melhores, portanto, poderão soprar a partir de agora. Mas engana-se quem acha que a eventual volta do crescimento vai interromper a tendência de mais mulheres bancando as contas. “Considerando a dramática melhora na educação feminina, é provável que a fatia de mulheres chefes de família continue aumentando”, afirma o economista Dan Black, da Universidade de Chicago.