Revista Exame

O "loiraduto" é um detalhe em certos fundos de previdência

Por trás do escândalo de desvio dos fundos municipais, orquestrado por modelos sedutoras, está um rombo de 20 bilhões de reais que cresce com a má gestão dos investimentos


	São Paulo: o fundo de pensão do estado arrecada menos do que gasta há anos
 (Germano Lüders/EXAME.com)

São Paulo: o fundo de pensão do estado arrecada menos do que gasta há anos (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 17 de outubro de 2013 às 06h00.

São Paulo - Em setembro, a Polícia Federal (PF) prendeu 17 profissionais que se diziam ligados ao mercado financeiro. Eles são acusados de fazer parte de um esquema de desvio de recursos de fundos de previdência de municípios.

O escândalo ganhou maior destaque quando foi revelado que modelos, como a catarinense Luciane Hoepers, seduziam prefeitos para convencê-los a fazer investimentos recomendados pela quadrilha — e, claro, muitos deram prejuízo.

Mas o “loiraduto”, que, segundo a Polícia Federal, drenou 50 milhões de reais do caixa das prefeituras em um ano e meio, é apenas um detalhe pitoresco dos problemas que tomam conta desses fundos de pensão — e que, até a chegada das loiras, vinham se desenrolando sem que ninguém prestasse atenção.

“Há uma série de indícios de irregularidades não só nos fundos das prefeituras mas também nos estaduais. E isso ajudou a criar um rombo nas contas do setor”, diz Leonardo Rolim, secretário de Políticas da Previdência Social do Ministério da Previdência. 

Com 175 bilhões de reais sob gestão, os fundos de previdência dos estados e municípios têm 9 milhões de investidores, incluindo aposentados e pensionistas. Muitos deles têm motivos para se preocupar.

Em 2012, esses planos acumularam déficit financeiro de 20 bilhões de reais, 67% maior que o do ano anterior — o que significa que as receitas não foram suficientes para cobrir as despesas. A diferença tem sido coberta, de uma forma ou de outra, pelos estados e municípios, mas não se sabe até quando eles terão dinheiro para isso.

A maior parte do prejuízo dos fundos deve-se à má gestão dos recursos aplicados. Segundo um relatório do Ministério da Previdência, foram encontradas pelo menos 312 “irregularidades” de 2012 a 2013. Desse total, cerca de 100 foram encaminhadas à Polícia Federal, que investiga se também houve fraudes. 

Um dos casos que mais chamaram a atenção do ministério é o fundo do estado de Tocantins, que tem um patrimônio de 3 bilhões de reais. Nos últimos anos, o fundo perdeu cerca de 170 milhões de reais com investimentos em bancos quebrados, como BVA e Morada.

Na inspeção realizada em setembro pelo Ministério da Previdência, foram encontradas pelo menos 14 aplicações que extrapolavam os limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional.

Uma delas foi feita na aquisição de 100% das cotas de um fundo de renda fixa da gestora carioca NSG, quatro vezes mais do que o permitido por lei — o fundo, por sua vez, investe mais da metade de seu patrimônio em outro fundo multimercado da mesma gestora, o que também infringe as regras de mercado. 

A gestora NSG admite que os fundos extrapolaram os limites legais e que agora estão se adequando às normas. O responsável pelo fundo de Tocantins, Rodrigo de Oliveira, reconhece os problemas e afirma estar conduzindo uma auditoria para apurar os investimentos. Os fundos de Pará, Roraima e Rio Grande do Norte também sofreram perdas expressivas com bancos liquidados — e estão na mira da Polícia Federal.


Os policiais suspeitam que algumas decisões de investimento só foram tomadas porque os responsáveis pelos fundos de pensão receberam algum dinheiro em troca. “Há indícios da existência de outras consultorias e administradoras que atuavam especificamente com o objetivo de tirar dinheiro desses fundos”, diz a delegada Andrea Pinho, responsável pelas investigações do caso.

De acordo com o relatório preliminar da PF, alguns prefeitos e gestores dos fundos recebiam comissões de até 3% sobre o valor total da aplicação. 

Mas nem sempre o problema do fundo é caso de polícia. EXAME entrou em contato com gestores de fundos municipais para tirar dúvidas sobre seus investimentos. Alguns não souberam dizer onde aplicavam os recursos.

No fundo da prefeitura de Campinas, no interior de São Paulo, a gestora responsável, que pediu para não ser identificada, reconhece “não ter muita experiência no setor” e que seria preciso consultar um economista para responder a algumas questões. O fundo de Campinas também teve perdas com a quebra do banco BVA.

Pente-fino

Os primeiros fundos de pensão de estados e municípios surgiram na década de 80, mas só recentemente seus problemas vieram à tona. Isso porque, até 2009, o Ministério da Previdência não fazia uma fiscalização tão detalhada dos investimentos desses fundos.

Na primeira análise mais aprofundada dos planos, há quatro anos, numa parceria entre o Ministério da Previdência e o Banco Central, descobriu-se que 117 deles foram usados por corretoras para manipular o preço de títulos públicos, segundo mostram documentos obtidos por EXAME. As corretoras foram liquidadas, e alguns gestores dos fundos, afastados. 

Por tudo isso, a maioria dos fundos está no vermelho — e o próprio governo acha que o prejuízo deverá aumentar. A estimativa do governo é que o rombo passe de 20 bilhões para 65 bilhões de reais até 2018, pois leva tempo para ajustar as contas. Hoje, o fundo com maior prejuízo é o do governo de São Paulo, mas, segundo dados do ministério, não há irregularidades com ele.

O problema é que o fundo arrecada menos do que gasta e precisa reajustar as contribuições para estancar a sangria. Para evitar que novos planos venham a ter problemas, o Ministério da Previdência está endurecendo as regras do setor.

Agora passará a exigir que os membros dos comitês de investimento dos planos tenham um certificado de gestor financeiro e que as empresas que vendem investimentos para os planos sejam registradas no governo. Talvez fique mais difícil para as loiras. Se vai melhorar ou não o desempenho desses fundos, ninguém sabe.

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