Anúncio no site da plataforma Pretty New: antes os clientes tinham vergonha de comprar peças de segunda mão (Divulgação/Exame)
Ivan Padilla
Publicado em 13 de maio de 2021 às 05h11.
Última atualização em 13 de maio de 2021 às 16h30.
Lá se vão quase dez anos desde que a Patagonia lançou sua mais famosa campanha. Em novembro de 2012, em plena Black Friday, a marca americana de roupas esportivas publicou um anúncio no The New York Times com o seguinte aviso: “Não compre essa jaqueta”. Foi a forma que a fabricante, fundada nos anos 1970 e referência em moda sustentável, encontrou para fazer um alerta contra o consumismo exagerado. Recentemente, outras grifes começaram a se posicionar a favor de mais consciência no ato de se vestir. Como a Levi’s, que recomendou “comprar melhor, usar por mais tempo” em anúncio divulgado no mês de abril.
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As mensagens estão por toda parte. A moda é considerada a segunda indústria mais poluente do mundo, e o consumo consciente deixou de ser opção para virar obrigação em um mercado regido por cancelamentos nas redes sociais. As empresas do setor, das nativas digitais às grandes varejistas, vêm adaptando práticas e discursos. Mas o que acontece do lado do consumidor? Você sabe se a roupa que está vestindo é feita de materiais sustentáveis, reutilizados ou reciclados? Quem são os fornecedores de tecidos?
Boa intenção existe. Uma pesquisa do Instituto Ipsos apontou que 60% das pessoas gastariam 5% mais em roupas se tivessem a garantia de que os trabalhadores nas confecções recebem pagamento justo. O problema é que apenas 18% dos consumidores confiam nas informações fornecidas pelas marcas, segundo um estudo publicado pelo site Business of Fashion. “Nosso discurso é avançado, mas a prática nem tanto”, afirma Marina Colerato, fundadora da organização de mídia, pesquisa e educação Modefica. “Muitas empresas apresentam ações sustentáveis, mas é difícil para o consumidor diferenciar o que é real e o que é propaganda.”
Existem diversas maneiras de uma marca do setor atuar de forma consciente nos âmbitos ambiental e social. Como definir então se a prática de uma grife é responsável? “Se a produção de uma peça destrói mais vidas do que constrói, não é sustentável”, diz Colerato. Para ela, o meio de produção saudável é ainda mais importante do que a matéria-prima renovável. “Quando uma calça vale 10 reais, há algo errado. O custo é maior e alguém está pagando por isso, provavelmente um trabalhador em situação de vulnerabilidade.”
A Riachuelo, rede com 335 lojas e mais de 40.000 funcionários, produz entre 65% e 70% de suas roupas nas duas fábricas do Grupo Guararapes, em Natal e em Fortaleza. As demais peças vêm de fornecedores compartilhados por outras varejistas. As fábricas terceirizadas passam por auditorias regulares e contam com certificação da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX). De acordo com a gerente de sustentabilidade Valesca Magalhães, a unidade de Fortaleza já funciona com 100% da energia de fontes renováveis. No último mês de março, 100% do algodão usado na confecção das peças possuía certificado BCI, sigla de Better Cotton Initiative, que assegura rastreabilidade da fibra; e o programa Moda que Transforma, de coleta de peças usadas, está presente em 96 lojas da rede, mais de um quarto do total. “Como uma grande varejista, temos o papel de ajudar a acelerar mudanças.”
De porte menor, mas referência em alfaiataria, a Ricardo Almeida também assume papel de liderança no setor. Do galpão de 8.000 metros quadrados no bairro paulistano do Bom Retiro, onde trabalham 538 funcionários, saíam, até o início da pandemia, 12.000 peças por mês para as 21 lojas em dez estados. Os tecidos utilizados têm homologações BCI e Sou de Algodão, entre outras, as etapas da cadeia produtiva são gerenciadas para não haver desperdício de tecidos e no pátio fabril são realizadas ações sociais junto com os moradores do bairro.
As ações variam de acordo com o tamanho de cada empresa. Com duas lojas e presença no marketplace Farfetch, a Egrey faz uma moda minimalista e atemporal. “Não sou grande para influenciar a indústria, mas também não sou pequeno a ponto de não causar impacto”, diz o fundador Eduardo Toldi. De dois anos para cá, o estilista reduziu quase à metade seu portfólio, passou a usar menos fios e tecidos e melhorou processos para conseguir melhor encaixe de tecidos e diminuir a quantidade de resíduos. Com isso, reduziu estoques e acelerou prazos de reposição. No médio prazo, sua meta é usar cada vez mais tecidos de fontes renováveis.
A matéria-prima talvez seja o indicador mais aparente, para o consumidor, de práticas responsáveis. Existem hoje mais opções para os fabricantes e os custos caíram, ao contrário do senso comum. Com oito anos de presença no Brasil, a Vert é destaque no segmento de calçados. A marca foi fundada em 2003 na França, como Veja. Por questões de direito de uso, trocou de nome aqui. Desde o início, a produção usa borracha das seringueiras da Amazônia. De lá para cá, novos materiais foram incorporados, como juta, pet reciclado e couro curtido com tanino vegetal. Das quatro fábricas no Brasil saem 1,3 milhão de pares por ano para 70 países. “Tivemos o privilégio de nascer com veia sustentável, não precisamos virar a chave”, diz o gerente comercial Leandro Elias.
A marca de moda feminina Horto foi criada em 2020, em plena pandemia, também com essa filosofia. Antes a fundadora Maria Mendes fazia vestidos de noiva caríssimos. “Minha paixão sempre foi moda, mas comecei a me questionar cada vez mais sobre propósito”, diz. As peças da marca trazem bordados manuais e processos de tingimento naturais. Até os botões são reciclados, feitos de borra de café. “Quero ajudar a desmistificar esse mercado, mostrar que a roupa dita ‘natureba’ não é feia nem precisa ser cara”, afirma Mendes.
A Oriba, de itens básicos masculinos, sempre investiu em matérias-primas renováveis. No mês passado, toda a coleção de camisetas passou a ser de algodão orgânico. Para o sócio Rodrigo Ootani, porém, as empresas têm obrigação de ir além. “A sustentabilidade na moda não deveria ser uma discussão de como causar menos mal, mas de como fazer o bem”, afirma. “Isso passa não apenas por preocupação com diversidade e questões trabalhistas nas equipes mas por um ativismo social.” A cada produto vendido, a Oriba destina um kit escolar a uma criança, em parceria com entidades como a Obra do Berço, com atuação no Campo Limpo, na periferia paulistana. Hoje a marca atende mais de 1.000 crianças.
Com os mesmos princípios, Romeu Trussardi, criador da marca de roupa de cama e moda Trousseau, distribuiu 10.000 cestas básicas em comunidades de 26 praças onde a empresa atua. Uma auditoria acompanhou essa distribuição. Para o futuro próximo, Trussardi tem uma missão ambiciosa: montar um programa de reciclagem dos lençóis usados pelos clientes da rede hoteleira. A cada ano, isso representa 150 toneladas de algodão. “Queremos colocar isso de volta no mercado de forma acessível”, afirma.
A moda circular talvez seja a maior barreira para o consumidor. O hábito de comprar roupa de segunda mão ainda não faz parte da cultura do brasileiro e só enfrenta um pouco menos de resistência no mercado de luxo. Desde que lançou o Pretty New, para o segmento premium, em 2014, a empresária Gabriella Constantino Leal vem percebendo uma mudança de comportamento. “Antes as pessoas tinham vergonha de dizer que haviam comprado roupa usada. Hoje, elas já se orgulham. Mas a maioria ainda quer peças novas, só que mais baratas”, diz.