A pesquisadora holandesa Maria José van Dijck: “As mídias sociais evitam todo tipode controle institucional” (Cortesia KNAW/Exame)
Da Redação
Publicado em 29 de março de 2018 às 05h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h25.
Considerada uma das pesquisadoras de mídias sociais mais influentes do mundo, a holandesa Maria José van Dijck acredita que o caso envolvendo o Facebook e a consultoria britânica Cambridge Analytica deixou claro que as empresas de tecnologia não podem mais operar num ambiente sem regulação, usando os dados dos usuários como bem entenderem. Para ela, autora do livro The Culture of Connectivity: A Critical History of Social Media (“A cultura da conectividade: uma história crítica da mídia social”, numa tradução livre), as empresas de internet terão de recalibrar seus modelos de negócios para garantir mais transparência e segurança aos usuários. Segundo Maria José, se isso não for feito, a internet vai se tornar uma terra selvagem. “Em tal sociedade, a democracia vira uma farsa, porque só o dinheiro e as proezas tecnológicas podem comprar influência política e poder”, diz a pesquisadora, que é presidente da Academia Real de Ciências da Holanda e professora na Universidade de Utrecht.
Quais são as lições que podemos tirar do caso da Cambridge Analytica?
A primeira lição é que as empresas de tecnologia não podem fugir de suas responsabilidades com a sociedade. Como empresas globais que têm poder sobre grande parte de nossa vida online, elas têm a obrigação de ser transparentes com os usuários e a obrigação ética de servir às instituições democráticas. A segunda lição é que, se as empresas não conseguirem se autorregular a esse respeito, é vital que elas sejam reguladas por governos nacionais ou órgãos supranacionais, como a União Europeia. E, em terceiro lugar, os usuários devem exigir transparência e responsabilidade dessas empresas. Eles têm de reconhecer que esses serviços não são gratuitos. São pagos com uma mercadoria preciosa: os dados privados. Consumidores e cidadãos precisam estar mais conscientes dos modelos comerciais que sustentam as mídias sociais.
O uso de dados de eleitores em campanhas eleitorais não é novidade. Por que esse caso é diferente?
É claro que os eleitores sempre foram alvo de propaganda política, mas a escala e o escopo em que isso está acontecendo agora não têm precedentes. Além disso, os instrumentos usados para microssegmentar os usuários não são transparentes. Enquanto a mídia tradicional é regulada de várias maneiras — por exemplo, com a obrigação de revelar quem financia uma propaganda política —, as mídias sociais evitam todo tipo de controle institucional. O valor de mercado e os lucros do Facebook e do Google dependem muito do modelo de negócios de caça-cliques. Uma hora ou outra, esse modelo prejudicará a confiança do público em seus serviços.
Como equilibrar o direito à privacidade e a necessidade de interagir pelas redes sociais?
O equilíbrio entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão sempre foi mediado pela lei, por instituições públicas e por normas e valores cívicos. Esse equilíbrio tem sido quebrado por um novo espaço online que aparentemente pode ignorar os controles que a sociedade sempre estabeleceu. Empresas como o Facebook e o Google terão de recalibrar os algoritmos para adaptar a governança desse novo espaço digital aos vários conjuntos de leis, normas e valores. Tal recalibragem é um desafio que envolve múltiplas partes, incluindo Estados, empresas, atores da sociedade civil e cidadãos.
As empresas de internet devem repensar seu modelo de negócios?
Sim. Os modelos que sustentam as plataformas são baseados em valores comerciais, não em valores públicos. Se forem levados à risca, a internet se transformará num lugar selvagem onde somente os mais aptos sobreviverão — isto é, as maiores plataformas que controlam o mercado. Em tal sociedade, a democracia vira uma farsa porque só o dinheiro e as proezas tecnológicas podem comprar influência política e poder. A internet foi originalmente construída para permitir igual acesso e poder a todos, mas nas últimas décadas se tornou um sistema gerenciado por um punhado de corporações. A democracia só será sustentável se houver equilíbrio constante entre atores do mercado, do Estado e da sociedade civil.