Data center do Google nos Estados Unidos: o governo quer que as informações dos brasileiros fiquem no Brasil (Connie Zhou/Google)
Da Redação
Publicado em 30 de novembro de 2013 às 13h04.
São Paulo - Há pouco mais de quatro anos, acadêmicos, representantes do setor privado, políticos e militantes dos direitos dos cidadãos começaram a discutir entre si como criar regras claras para o território sem lei que a internet em grande parte ainda é no Brasil. O mais impressionante: eles chegaram a um consenso, materializado num projeto de lei complementar que passou a tramitar na Câmara dos Deputados em 2011.
Em maio deste ano, o físico Tim Berners-Lee — inventor de algumas das tecnologias sobre as quais hoje roda a rede mundial — declarou que a legislação elaborada no Brasil tinha tudo para ser uma das mais avançadas do planeta.
Seu principal defeito era ainda não ter sido aprovada — e ninguém fazia a menor ideia de quanto tempo o marco civil da internet, como esse conjunto de normas é chamado, adormeceria nos escaninhos do Parlamento até entrar em vigor.
Recentemente, o quadro mudou. O Palácio do Planalto, que até então não havia demonstrado muito empenho em ver o marco civil aprovado, passou a tratá-lo como prioridade. A mudança ocorreu após as denúncias de que o governo brasileiro havia sido espionado eletronicamente pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
A pedido da presidente Dilma, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto na Câmara, requisitou a tramitação em regime de urgência. “Agora, o marco civil tem de ser votado até o dia 28 de outubro”, diz Molon. “Caso contrário, a pauta da Câmara ficará trancada.” (Até 18 de outubro, quando fechou esta edição, o projeto não havia sido votado.)
Até aí, a notícia parece boa. O problema é que, ao se interessar pelo marco civil, o governo propôs alterações que podem descaracterizá-lo. A principal delas é a exigência de que os dados dos internautas brasileiros sejam armazenados em computadores instalados no território brasileiro.
Em outras palavras, qualquer empresa — seja um pequeno provedor do interior do país, seja gigantes como Google e Facebook — precisaria arquivar no Brasil todos os e-mails, fotos, registros de compra online e qualquer informação que os usuários brasileiros ponham na rede.
Hoje, os dados são armazenados em data centers espalhados mundo afora. Caso o marco civil passe a valer como o governo quer, as empresas terão de contratar os serviços de data centers no Brasil ou construí-los por aqui. A pretensão é incompatível com os tempos em que a informação circula sem fronteiras — não garantiria a proteção que o governo quer.
“Nenhum país obriga as empresas a manter os dados de seus cidadãos no próprio território”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco. “Essa exigência traria dificuldades técnicas e custos novos para as companhias.”
Sem comentários
O risco é que as alterações propostas prejudiquem um dos pontos fortes do marco civil — a promessa de melhorar o ambiente de negócios na internet. Em sua primeira versão, o projeto definiu aspectos importantes para estimular os investimentos em empresas digitais.
Entre eles o de que sites e provedores não podem ser responsáveis pelo que os internautas põem na rede; a proteção à privacidade dos usuários; e a garantia de que negócios emergentes não sejam tratados de forma desigual pelas operadoras de telefonia.
Empresas de internet procuradas por EXAME preferiram não comentar a proposta do governo. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Google informou que não se manifestaria — mas que sua direção no Brasil concorda com a avaliação do professor Ronaldo Lemos, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, que auxiliou na redação da primeira versão do marco civil.
E o que diz o professor Lemos? “As mudanças são um retrocesso e podem afastar investimentos.” Exceto por esse ponto, o Brasil continua a ter a chance de adotar uma regulação exemplar para a internet. Basta não cair na tentação do arroubo nacionalista.