Pedro Passos, do Iedi: defesa do mercado interno não eleva a eficiência do país (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 20 de setembro de 2013 às 19h03.
São Paulo - Quem gosta de futebol conhece a máxima: “O medo de perder tira a vontade de ganhar”. A indústria brasileira sempre jogou na defesa no comércio exterior. Todo o esforço era direcionado à barragem dos importados. E exportar nunca foi prioridade. Por isso, a participação nacional no comércio mundial está em torno de 1,2% do PIB desde 1950.
“A indústria no Brasil sempre teve preferência pelo mercado interno, onde consegue bons lucros sem competir com empresas estrangeiras mais eficientes”, diz o economista Albert Fishlow, do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Por tudo isso, causa surpresa (boa, ressalte-se) um movimento inicial na própria indústria a favor de maior abertura comercial.
“Parte dos empresários percebeu que, se a situação continuar do jeito que está, todos sairão perdendo”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados. Entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), além de associações e sindicatos setoriais, começam a avaliar que participar de forma mais ativa das trocas globais é uma necessidade para o parque fabril brasileiro aumentar a produtividade e reverter seu lento declínio.
“A defesa do mercado interno para os fabricantes instalados aqui, sozinha, não foi nem será suficiente para aumentar a produtividade do país. É preciso haver mais competição.” O raciocínio não é de um economista da Universidade de Chicago, instituição com forte viés liberal. É de Pedro Passos, presidente do Iedi.
Com 62 anos, o cofundador da fabricante de cosméticos Natura talvez seja a principal liderança dessa cruzada. O Iedi tem discutido com governo e empresas a necessidade de o Brasil realizar acordos de livre comércio com outros países. Junto está a CNI, que, há alguns meses, divulgou o “Mapa Estratégico da Indústria 2013-2022”.
No documento, ao lado do ataque aos conhecidos formadores do custo Brasil — burocracia e infraestrutura capenga —, a CNI clama pela realização de acordos de livre comércio entre as medidas urgentes.
“Um dos motivos da perda de competitividade da indústria é a defasagem tecnológica, um efeito negativo do fato de não termos internacionalizado nossas empresas, diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.
Até pouco tempo atrás, quando falava em competitividade, a indústria brasileira só pedia por juros baixos e câmbio favorável. Admitir participar da disputa global por mercados é uma pequena revolução. E faz todo o sentido. Os produtos da Alpargatas, por exemplo, passarão a ser taxados em 18% ao entrar na União Europeia a partir de 2014.
Se houvesse um acordo de livre comércio, as sandálias Havaianas continuariam a ter o preço médio de hoje, cerca de 27 euros. “Duas coisas sempre funcionam melhor quando estão abertas: paraquedas e economia”, diz Márcio Utsch, presidente da Alpargatas.
Há outras vantagens na abertura comercial: “A competição externa força as empresas a se tornar mais eficientes e a ter produtos melhores”, diz Danny Leipziger, professor de Comércio Internacional da Universidade George Washington, dos Estados Unidos. É fácil entender: a empresa que não tiver produtos tão bons e competitivos quanto os similares de fora perderá mercado.
“Por isso a abertura comercial traz benefícios que vão além do acesso a novos mercados”, diz Rogelio Golfarb, vice-presidente da montadora Ford. Um desses ganhos é a redução do custo de capital. A abertura feita há 20 anos provocou queda nos preços de máquinas de 52% de 1990 a 1995. Hoje, a indústria local é onerada com um preço do aço que é o dobro do americano — a nova abertura abateria custos como esse.
O que está por trás da mudança de postura de parte das lideranças empresariais (nem todas, diga-se) é a constatação de que, nos últimos anos, o Brasil se tornou um país mais protecionista, mas isso não melhorou a situação da indústria. Segundo o centro de estudos Global Trade Alert, desde 2009 o país adotou 36 medidas anti-importados.
É mais do que fizeram os 28 países da União Europeia juntos. Ficamos para trás na realização de acordos de livre comércio em relação aos vizinhos Chile e Peru. Mesmo com o isolacionismo, a produção industrial está no patamar de três anos atrás. Setores que tentaram se proteger das invasões estrangeiras com alíquotas de importação altas perderam mercado.
Em 2010, o parque fabricante de calçados produzia 894 milhões de pares e empregava 349 000 pessoas. No ano passado, a produção caiu para 864 milhões de pares; e o número de trabalhadores, para 330 000. “Precisamos ganhar novos mercados”, diz Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Calçados.
Abrir, mas com cuidado
A revisão de atitude no meio empresarial não é uma onda “ultraliberal” de defesa da abertura irrestrita e imediata. O que se pede é uma política mais abrangente de competitividade. Tome-se o caso da produtora de alumínio americana Alcoa. Suas duas fábricas no país estão entre as cinco mais eficientes do grupo, que tem 25 unidades no mundo.
Quando entram em cena carga tributária, custos logísticos, entre outros desastres brasileiros, a competitividade se esvai. “Se fizermos a abertura sem um projeto de competitividade, vários setores vão desaparecer”, diz Franklin Feder, presidente da Alcoa. Outra restrição diz respeito a países como China e Bangladesh.
“Não podemos competir com quem subsidia exportação, tem câmbio artificialmente desvalorizado e custo baixo de mão de obra por oferecer condições precárias de trabalho”, diz Domingos Mosca, coordenador da área industrial da Associação Brasileira da Indústria Têxtil.
“Nada disso deve ser fator de entrave à maior abertura”, diz Pedro Passos. Contentar a todos é impossível — perdas serão inevitáveis. Mas, no fim das contas, o Brasil sairá ganhando.