Revista Exame

Daniel Goldberg vai dos cartéis ao tungstênio

Aos 36 anos, Daniel Goldberg já foi advogado, perseguiu cartéis no governo e presidiu o banco Morgan Stanley — o que faz ele procurando tungstênio nas dunas de Bodó?

Daniel Goldberg: 1 bilhão de dólares para procurar investimentos “exóticos” no Brasil e na América Latina (Germano Lüders/EXAME.com)

Daniel Goldberg: 1 bilhão de dólares para procurar investimentos “exóticos” no Brasil e na América Latina (Germano Lüders/EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2012 às 08h55.

São Paulo - A pequena Bodó, cidade com 2 430 habitantes a 188 quilômetros de Natal, viveu seu momento de glória na Segunda Guerra Mundial. A maior jazida de tungstênio do país abastecia os Estados Unidos com o minério, considerado estratégico. Metal com maior ponto de ebulição e fusão da tabela periódica, o tungstênio era fundamental para criar ligas mais resistentes que iriam para as bombas.

Com o fim da guerra e a redução de demanda, Bodó passou as décadas seguintes fora do mapa da mineração. Recentemente, coube ao advogado Daniel Goldberg ressuscitar a economia bodoense — sem nunca ter pisado lá, é verdade.

Em maio, ele enviou a Bodó um time de especialistas com uma missão peculiar: vasculhar 250 000 toneladas de areia da região para saber qual é, hoje, a quantidade de tungstênio presente nas dunas locais. O time gostou do que viu, ou do que peneirou, e Goldberg decidiu arrendar um areal em Bodó por 4 milhões de dólares. Ele espera multiplicar o investimento por 18 até 2020.

Além de não saber apontar Bodó no mapa, Daniel Goldberg não tem nada de minerador. Mas esse é apenas mais um negócio inusitado para alguém cuja carreira também o é. Aos 36 anos, Goldberg, na verdade, está em sua quarta carreira. Já foi advogado, perseguiu cartéis na Secretaria de Direito Econômico do governo federal e presidiu o banco de investimento Morgan Stanley.

Desde agosto do ano passado, ele administra o FKG, fundo de 1 bilhão de dólares dedicado a colocar dinheiro naquilo que ele chama de investimentos “exóticos” no Brasil e em outros países da América Latina. Goldberg tem como sócia a gestora americana Farallon Capital (o F da sigla FKG; as outras letras são de Krepel Goldberg, os dois sobrenomes de Daniel), que administra 21 bilhões de dólares e tem 25% do negócio.

O bilhão a ser aplicado foi levantado com famílias brasileiras e investidores estrangeiros. E, como demonstrado no negócio de Bodó, já começou a ser gasto. Goldberg pretende aproveitar a euforia em torno da busca por “terras raras” e outros minérios cuja demanda vem sendo impulsionada pela China — como o país é o maior produtor do mundo e está consumindo como nunca, está faltando tungstênio no mercado global. Para o ex-advogado, ex-burocrata e ex-banqueiro Daniel Goldberg, essa é uma oportunidade de ganhar dinheiro. O preço do tungstênio subiu mais de dez vezes na última década.

Alto risco

O que são investimentos exóticos? Basicamente, aqueles que buscam projetos que não são atendidos por bancos nem estão no radar de fundos de investimento tradicionais. “Se você não sabe para quem ligar para oferecer um negócio ou pedir um financiamento, essa pode ser uma transação interessante para mim”, diz ele. Além do tungstênio de Bodó, o FKG já comprou participação na empresa de mídia peruana Frecuencia Latina e negocia um financiamento em uma companhia colombiana de petróleo.


É um negócio de resultados imprevisíveis. Essas operações são feitas com verbas para “situações especiais” nos bancos de investimento ou por fundos de alto risco, já que envolvem estruturas complexas de dívida, participação acionária e garantias inusitadas.

“É uma estratégia simples, de execução difícil”, diz Andrew Spokes, sócio da Farallon. O banco Goldman Sachs vem ganhando muito dinheiro com isso, mas teve surpresas. Uma de suas operações foi financiar uma farmacêutica para desenvolver três novos remédios. As garantias eram os royalties dessas drogas — mas duas não foram aprovadas pelo governo, e o banco perdeu parte do ganho.

Um levantamento global da consultoria americana Hedge Fund Research mostra que, enquanto em 2008 o retorno médio desses fundos foi negativo em 26%, no ano seguinte foi positivo em 19%, e desde então fica ao redor de 3% ao ano. No Brasil, é um negócio incipiente, que pode despontar conforme o retorno dos fundos mais seguros diminui e a indústria de multimercados e private equity avança.

“A remuneração com outros investimentos menos arriscados no país era alta. Não compensava criar estruturas mais complexas”, diz Carlos Ambrósio, diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Com a bolsa parada há três anos e os juros no piso histórico, a turma vai ter de usar a criatividade para ganhar dinheiro.

É aí que entram os investimentos exóticos: os gestores podem, e querem, se adaptar a cada realidade para fazer um investimento dar certo. Na transação de Bodó, Goldberg tem rejeitos de tungstênio como garantia. Na Colômbia, pode aceitar royalties de petróleo. É mais flexível que nos tempos de banqueiro, mas o risco é evidentemente maior. “No banco, eu tinha de ser convincente para que os clientes seguissem determinado caminho. Agora, tenho de estar certo”, diz ele. 

Daniel Goldberg passou a última década se adaptando a empregos novos. Em 2003, quando concluía seu mestrado e advogava num escritório americano, foi chamado pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, para assumir a Secretaria de Direito Econômico, órgão responsável por investigar atos de concentração de mercado e a formação de cartéis.

Aos 27 anos, Goldberg deixou a barba crescer para disfarçar a juventude. Surgiu ali o episódio mais delicado de sua carreira — teve de explicar sua atuação no episódio da violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, exposto para tentar salvar o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Goldberg saiu limpo da história — mas com certo pavor de Brasília.


Sua carreira renasceu em 2007, quando, para surpresa de muita gente, foi trabalhar no banco de investimento americano Morgan Stanley. Fez a barba, comprou ternos de banqueiro e, um ano depois, assumiu a presidência da subsidiária brasileira. Mas sua carreira como gestor de bancos esbarrou naquilo que profissionais que trabalharam com ele enxergam como uma limitação de sua personalidade.

“Ele não gostava de perder tempo com gestão de pessoas ou processos, o que faz parte da função de um líder. Todo mundo sabia que ele se daria melhor em algo que dependesse apenas dele”, diz um executivo que trabalhou com Goldberg. Em 2011, começou a negociar sua saída.

Para ele, criar o FKG é um desafio divertido e solitário. Sua equipe tem apenas quatro pessoas, e o fundo é o único desse tipo no Brasil. Mas Goldberg sabe que não vai ficar sozinho por muito tempo. Para ele, é natural que surjam concorrentes no terreno dos investimentos pouco usuais.

Ao investir em areais de tungstênio, empresas de mídia e companhias de petróleo, ele começa a mostrar que sabe fazer investimentos exóticos. Se vai ou não ganhar dinheiro com isso, o tempo e as dunas de Bodó vão dizer.

Acompanhe tudo sobre:aplicacoes-financeirasEdição 1029Fundos de investimentoImigraçãoMercado financeiro

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon