Bandeira da Irlanda (Jussi Ekholm/Stock.xchng)
Da Redação
Publicado em 8 de abril de 2011 às 17h52.
Você tem visto o mesmo enredo com frequência: uma febre imobiliária que leva os bancos a dar créditos de qualidade mais que duvidosa. Depois a ressaca: um sistema financeiro de joelhos, vergado pela inadimplência, e o valor dos imóveis descendo das nuvens para o abismo vertiginosamente. Desde 2008, a queda atingiu um patamar calculado entre 40% e 50%. E, então, recessão e sequelas: menos arrecadação de impostos e mais gastos sociais por causa do desemprego crescente. E, enfim, o colapso.
Não chega a ser uma história propriamente original no mundo contemporâneo, mas é sempre sofrida. A mais recente vítima é a Irlanda, que nos anos 90 cresceu vigorosamente e chegou a se autodesignar, orgulhosamente, “Tigre Celta”. Era uma referência aos Tigres Asiáticos, que encantavam o mundo com seu dinamismo inovador. O governo do taoiseach (premiê) Brian Owen cumpriu o manual quando os bancos irlandeses começaram a demonstrar fraqueza em 2008: garantiu-os. O problema é que o buraco deles era muito maior que a capacidade do governo de sustentá-los. Ao perceber isso, os investidores estrangeiros começaram a retirar seu dinheiro dos bancos irlandeses.
Uma ajuda de 85 bilhões de euros (cerca de 255 bilhões de reais), provenientes primordialmente da União Europeia e do FMI, evitou a quebra técnica da Irlanda — mas não a perspectiva de anos cruéis pela frente. A Irlanda se comprometeu a melhorar sua contabilidade fazendo aquela coisa que governo nenhum gosta de fazer: aumentando impostos e ceifando gastos. Até o salário mínimo foi diminuído. O desemprego está na faixa dramática de 17%, e as perspectivas desalentadoras estão levando muita gente a fazer a mala. Há o temor de uma evasão de cérebros.
A economia florescente dos anos 90 mudou a cara das cidades irlandesas. Pela primeira vez, a Irlanda atraiu imigrantes em quantidade considerável. Tradicionalmente, o país exportou gente para o mundo. Nos Estados Unidos, os irlandeses são uma comunidade grande em número e em influência, na qual cintilam dinastias como a dos Kennedy. Nos últimos anos, a Irlanda passou a atrair estrangeiros, a maior parte deles do Leste Europeu pós-desintegração da União Soviética. Também brasileiros acorreram à Irlanda. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil calcula que haja 20 000 brasileiros no país, misturados a seus 4,5 milhões de habitantes. Metade da população de 4 000 pessoas de Gort, no oeste irlandês, chegou a ser composta de brasileiros nos anos em que o Tigre Celta vibrava. O retorno ao Brasil está sendo trilhado por muitos. Cláudio Costa de Oliveira é um dos imigrantes que resolveram voltar para o Brasil, depois de fechar sua oficina mecânica em Gort por falta de clientes.
A crise econômica se estendeu para a arena política. Marchas de protestos têm tomado as ruas da capital Dublin. A administração de Brian Owen vem sendo duramente questionada. Um episódio recente de caráter bizarro tornou ainda mais vulnerável a situação de Owen. Ele concedeu uma entrevista a uma rádio numa manhã em que se comportou de maneira estranha, com uma voz arrastada. Seus adversários imediatamente disseram que ou ele estava bêbado ou de ressaca. Na véspera, ele liderara uma animada festa de seu partido. Owen disse que a acusação era “ridícula”, e seus partidários alegaram que a voz inusual se devia a um problema de congestão nasal.
Medo do contágio
A administração de Owen resistiu o quanto pôde ao pacote de socorro, visto como uma coisa humilhante para a autoestima nacional. Quem forçou o acordo foram os demais países regidos pelo euro. O temor era que houvesse um contágio. A situação é particularmente delicada em dois países: Portugal e Espanha. Se a operação de resgate da Irlanda foi bem-sucedida o bastante para mitigar a inquietação sobre o contágio é algo que ainda está em aberto. Como notou um analista, o governo português tem repetido obsessivamente que não necessita de socorro, o que pode ser um sinal de que precisa. A situação espanhola parece ser um pouco menos grave.
Para os brasileiros, os sucessivos solavancos da crise financeira mundial são uma eterna lembrança dos benefícios que o país colheu com o Proer no governo de Fernando Henrique Cardoso — o à época combatidíssimo programa de fortalecimento dos bancos nacionais. Ninguém atacou tanto o Proer como o PT — que ironicamente viria depois a ser seu maior beneficiário, na gestão Lula. Graças em boa parte ao Proer, o Brasil de Lula escapou sem maiores problemas de uma crise financeira internacional que vem abatendo bancos numa quantidade assustadora.