Revista Exame

CEO do Carrefour no Brasil revela desafios e planos para crescer em 2022

Stéphane Maquaire, novo presidente do Grupo Carrefour no país: a empresa teve de rever sua política de diversidade

Ceo do Carrefour Stéphane Maquaire - São Paulo-SP - 18/03/2022- Foto: Eduardo Frazão (Eduardo Frazão/Exame)

Ceo do Carrefour Stéphane Maquaire - São Paulo-SP - 18/03/2022- Foto: Eduardo Frazão (Eduardo Frazão/Exame)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 14 de abril de 2022 às 05h10.

Última atualização em 14 de abril de 2022 às 08h42.

Quando chegou ao Brasil com a esposa e uma das três filhas (as outras duas estudam na Europa), em setembro, o francês Stéphane Maquaire iniciava sua segunda jornada como presidente no Grupo Carrefour. Entre 2019 e 2021, Maquaire esteve no comando da operação na Argentina, onde liderou um plano de transformação digital e teve de lidar com uma inflação galopante.

No Brasil, o executivo recebeu a missão de equilibrar as contas em um cenário desafiador para o setor de varejo, que ainda se recupera dos efeitos da pandemia de covid-19 e enfrenta um surto inflacionário. Embora não tenha chegado a níveis portenhos, a alta dos preços corrói o poder de compra dos brasileiros .

Maquaire recebeu a EXAME na matriz da companhia em São Paulo para sua primeira entrevista no Brasil. Ele fez questão de falar português, idioma que já domina. Seu desafio por aqui será organizar uma empresa que registrou 81,2 bilhões de reais em receita em 2021 e tem 100.000 funcionários. E que deve crescer ainda mais, caso a compra do Grupo Big, dono de 388 lojas, seja aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o que é esperado.

Com o Big, a ideia é não só ampliar as vendas mas também acelerar a digitalização das operações, fidelizando os clientes em multicanais e promovendo uma cultura que priorize os princípios de sustentabilidade e governança, da cadeia às lojas. Há outros desafios. A tragédia de Porto Alegre, em novembro de 2020, quando João Alberto Freitas, cliente da rede, foi morto por dois seguranças, num caso que gerou um grande debate sobre o racismo estrutural no país, ainda precisa ser superada. Maquaire está confiante.

Como foram os primeiros seis meses na operação brasileira?

Desde a minha chegada, encontrei os times do Brasil e ouvi pessoas que trabalham em diferentes setores. Ao mesmo tempo estava entendendo o cenário econômico do país. Depois de fortes ondas de covid-19, e da tragédia de Porto Alegre, tivemos meses duros. Apesar de 2020 ter sido bacana, 2021 foi mais complicado. Chego com a missão de impulsionar sinergias dentro da empresa, compreender as possibilidades de negócios com as lojas do Grupo Big, após a aprovação pelo Cade, além dos diferentes formatos de lojas que já temos com as bandeiras Atacadão e Carrefour.

Quais são os planos para 2022?

Começamos 2022 com muitas pessoas isoladas por causa da covid-19, mas veio a possibili­dade de não usar máscara em ambientes externos e, agora, também em internos. Esse contexto é importante porque reflete na operação. Temos a vantagem de ser um grupo global que já tinha passado por processos semelhantes em outros países, como a França, onde fica a matriz. Mas temos um cenário complicado no varejo brasileiro, que muda constantemente. Seguimos com um ecossistema com o Atacadão e os diferentes formatos do varejo Carrefour, além de banco, posto e drogaria, o que nos permite mudar formatos e bandeiras conforme necessário. Por exemplo, podemos passar um hipermercado Carrefour para um Atacadão. E se o Cade aprovar a compra do Grupo Big também poderemos fortalecer os formatos de compra. É importante que os clientes possam escolher como querem fazer suas compras físicas ou digitais.

Loja do Carrefour: unidades físicas são trunfo para acelerar o digital (Germano Lüders/Exame)

O Grupo Pão de Açúcar, recentemente, anunciou o fechamento da rede de hipermercados Extra. O Carrefour, no entanto, segue apostando nesse formato. Por quê?

O hipermercado de proximidade é uma estratégia nossa. Temos lojas em cidades do interior que são como shoppings. Também é importante para o varejo digital, porque há todo o sortimento possível, o que nos ajuda a preparar pedidos para serem enviados dessas lojas. Entre setembro e dezembro, todos os hipers no país passaram a entregar para o online. Em São Paulo, por exemplo, tínhamos uma só dark store [operação apenas online], e o tempo de entrega não era como o desejado. Outra aposta é no modelo de compra online e retirada na loja, que já é adotado em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Paraná e Rio Grande do Sul. Mais de 20% dos pedidos do e-commerce optam pelo drive-thru, por exemplo. No final de 2021, 57 lojas contavam com o serviço, que está evoluindo. Esse novo modelo está alinhado com a estratégia de digitalização do grupo. As lojas, nesse sentido, se tornam plataformas de separação e expedição de mercadorias, e o próprio diretor de loja se responsabiliza por esse canal adicional de venda. Dessa forma, conseguimos entregar em cerca de 30 minutos dentro da cidade de São Paulo, por exemplo.

No ano passado, o Carrefour lançou o modelo de lojas autônomas. Como ele funciona e quais foram os resultados alcançados?

Começamos em outubro e hoje são 14 lojas. Elas funcionam dentro de condomínios residenciais, comerciais e hospitais. O cliente escaneia o produto e paga pelo aplicativo, e temos percebido a satisfação deles. Estamos trabalhando exclusivamente em São Paulo para entender o que funciona, mas avaliamos a expansão para outras cidades ainda neste ano. Outro projeto é a construção do Alto das Nações, uma parceria que firmamos com a construtora WTorre. Será um complexo multiuso com 320.000 metros quadrados de área privativa na ci­dade de São Paulo e que abrigará a torre corporativa mais alta do Brasil. A construção acontecerá no terreno onde hoje está localizado o hipermercado Carrefour, na Avenida das Nações Unidas, em São Paulo, primeira loja da rede no Brasil, aberta em 1975. Um dos grandes destaques será o hipermercado, que ganhará um novo conceito de loja, com soluções e experiências diferenciadas.

Foram abertas 44 lojas Atacadão no ano passado. O ritmo de expansão continuará?

Das 44 unidades que abrimos no ano passado, 22 foram orgânicas e 22 antes tinham a bandeira Makro. Agora, com a esperada integração do Grupo Big, vamos ter um trabalho de converter lojas e dividir a capacidade de abertura, mas o que fizemos organicamente no ano passado é um patamar que queremos manter no futuro. A aquisição é uma oportunidade porque o Grupo Big tem praticamente os mesmos formatos que nós e geo­graficamente nos fortalece.

Na Argentina, o senhor teve de lidar com uma inflação muito alta. Como essa experiência ajuda a trabalhar no Brasil?

Não é um cenário totalmente novo para mim. Passar de 2% a 10% de inflação pode ser uma dificuldade para os clientes tanto quanto passar de 20% a 50%, como vimos na Argentina. Congelar preços da marca própria traz um resultado positivo. A satisfação do cliente é maior porque ele entende que estamos trabalhando para melhor atendê-lo. Por aqui, a marca própria tem uma relevância maior nas vendas, que cresceram 50% nos últimos dois anos. Congelamos os preços de todos esses itens entre 4 de novembro e 10 de janeiro, e depois retrabalhamos os valores. Mas a Argentina é outro país e tem outra cultura, não podemos pensar da mesma forma. Aqui há muitos produtos regionais. A concorrência é pulverizada e há bandeiras regionais no varejo. É importante usar a força e a experiência global do grupo para tomar decisões.

O congelamento de preços não pressiona as margens?

Estamos bem posicionados, mesmo com as pressões. Temos um ecossistema robusto que nos traz vantagens. Se o banco vai bem, conseguimos ter oportunidades no varejo, e assim por diante.

Como o Carrefour está trabalhando a digitalização das vendas?

Aceleramos a digitalização do ecossistema. Estamos melhorando as tecnologias para que os pedidos saiam mais rapidamente das lojas. O cliente hoje nos acessa em diferentes frentes, como aplicativo e e-commerce. Agora há uma necessidade de mostrar que o nosso trabalho bem-feito na loja segue no digital, com a entrega de pedidos corretos, no menor tempo possível. Também percebemos a possibilidade de melhorar a proximidade com o cliente ao oferecer embalagens especiais em datas comemorativas e outras opções de personalização. São as pequenas mudanças que fidelizam o cliente.

O que mudou no Carrefour após a morte de João Alberto Freitas em Porto Alegre?

No primeiro momento mudou a percepção dos clientes, e ficamos com uma imagem machucada, principalmente em Porto Alegre. Em termos práticos na operação, internalizamos a segurança, treinamos os funcionários e fortalecemos a comunicação. Falamos muito sobre o combate ao racismo, e reforçamos outras frentes de diversidade e inclusão na companhia, especialmente na liderança. Estamos falando mais de LGBTI+ e de pessoas com deficiência porque entendemos que temos de ir além dos temas de raça e gênero para olhar toda a diversidade. Criamos um fundo de 144 milhões de reais, em 2020, para investir em programas de empregabilidade, educação, empreendedorismo e combate ao racismo. E mudamos a forma como a loja lida com o cliente. Lá é o primeiro ponto de acolhimento, e esse tratamento é uma responsabilidade de todos. Estamos muito mais perto de ter o ambiente que ­queremos, mas ainda precisamos reforçar a cultura dentro da empresa para também criar um bom caminho ao fazer a união com a cultura do Grupo Big. Temos uma governança importante no país, somos 100.000 funcionários e temos de mostrar o caminho e o que queremos fazer pelo futuro com responsabilidade e diversidade.

Entre os pilares de ESG, a governança e o ambiental parecem mais estruturados. A percepção é correta?

A governança do Grupo Carrefour é de fato bastante forte. E na sustentabilidade temos iniciativas que movimentam a cadeia. Somos o único varejista com rastreamento do uso de agrotóxicos. Em 2020, lançamos uma plataforma com a finalidade de promover a inclusão econômica de cooperativas de produtores locais, regionais de pequeno porte e comunidades indígenas e quilombolas. Além disso, acreditamos que a produção sustentável de alimentos tipicamente regionais é um importante caminho para a conservação dos biomas brasileiros, por meio do fortalecimento e da capacitação das famílias que vivem nesses espaços. Na parte social, o trabalho de diversidade acontece de forma estruturada há dez anos. O que aconteceu em 2020, no entanto, nos fez perceber que não era suficiente, e muitas empresas perceberam o mesmo. Viramos benchmark. É preciso avançar e entender que não basta, por exemplo, contratar negros; eles precisam estar em todos os níveis hierárquicos da companhia. Em 2021, 61% dos 100.000 funcionários e 54,7% da liderança do Grupo Carrefour Brasil se autodeclararam pretos ou pardos. Além disso, a companhia definiu o compromisso de ter um percentual mínimo de 50% de negras e negros nas novas contratações.


 

(Arte)


(Arte/Exame)

Acompanhe tudo sobre:CarrefourExecutivosSupermercadosVarejo

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon