Revista Exame

Coronavírus e a tormenta na bolsa: onde por o dinheiro?

1,3 milhão de recém-chegados à bolsa brasileira passam por prova de fogo em 2020. A turbulência pode ser a chance de reavaliar o perfil de risco

Mercado de ações: tensão nas bolsas de valores por causa da pandemia continua (Aly Song/Reuters)

Mercado de ações: tensão nas bolsas de valores por causa da pandemia continua (Aly Song/Reuters)

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Natália Flach

Publicado em 12 de março de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de março de 2020 às 07h11.

Quem começa a aplicar dinheiro no mercado de capitais sempre é alertado sobre os perigos das oscilações bruscas de preços. Os novatos costumam dizer que estão totalmente preparados para os chacoalhões que hão de vir, mas somente quando os ativos financeiros despencam é que aprendem o real significado da palavra “volatilidade”.

Neste início de 2020, 1,3 milhão de brasileiros que entraram na bolsa de valores B3 nos últimos quatro anos passaram por uma prova de fogo. Em sete semanas, os ganhos de 33% do índice acionário Ibovespa desde o final de 2018 com a euforia pela eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República viraram pó. A epidemia do coronavírus Covid-19 desencadeou o desespero diante da possibilidade de desaceleração global.

O maior tombo deu-se em 9 de março, segunda-feira posterior ao anúncio pela Arábia Saudita de um aumento na venda de petróleo após desentendimento com a Rússia sobre como os grandes produtores deveriam se comportar na crise. A notícia derrubou os preços internacionais do combustível, desvalorizou em 91 bilhões de reais a Petrobras, principal empresa da bolsa brasileira, e fez o Ibovespa cair 12% em um só pregão, acionando o botão antipânico do circuit breaker, que interrompe as negociações por meia hora para diminuir o furor.

A reação a eventos ruins costuma ser mais acentuada do que aos positivos, “pois a dor é mais marcante do que o prazer”, segundo Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia. A B3 recuperou-se um pouco no dia seguinte, mas, como a incerteza sobre a economia mundial permanece, os investidores também ficam sem saber que rumo tomar.

A EXAME consultou 14 especialistas e todos foram categóricos: muita calma nesta hora. A turbulência pode ser uma boa oportunidade para reavaliar o perfil de risco de cada investidor. “É a chance de rever suas posições em renda variável. Muitos entraram no mercado quando a bolsa estava subindo e alocaram uma parte importante de seus recursos sem saber se realmente teriam estômago para aguentar a volatilidade”, diz Adriano Cantreva, sócio da gestora Portofino Investimentos.

Nesses casos, a recomendação é rever a carteira e, se comprovada a falta de apetite por risco, ir aos poucos aumentando a exposição à renda fixa. A melhor estratégia, para Michael Viriato, professor no Insper e doutor em otimização de carteiras de investimentos pela Universidade de São Paulo, é sair dos títulos prefixados — que já precificaram os possíveis ganhos e, portanto, não devem render muito mais.

A alocação recomendada para os investidores que estão em pânico é dividir os recursos entre títulos pós-fixados e fundos imobiliários. Os mais arrojados, que querem permanecer no mercado de ações, podem tirar vantagem do nervosismo alheio e reforçar a carteira quando os papéis caírem abaixo do preço que considerarem justo.

“O ideal é ir comprando lentamente, pois ninguém sabe quando é o fundo do poço”, afirma Viriato. Essa vinha sendo a tática dos investidores locais, tanto pessoas físicas quanto fundos de pensão, antes da guerra do petróleo: no ano, até 5 de março, investiram 12,2 bilhões de reais na bolsa. O movimento é o inverso dos estrangeiros, que neste ano já retiraram 45,8 bilhões de reais da B3 — 2,9% mais do que durante todo o ano de 2019.

É importante que os investidores em ações estudem as empresas das quais são ou querem ficar sócios e os possíveis impactos de uma prolongada crise causada pela epidemia do coronavírus em sua operação.

Mas não devem surgir, no curto prazo, novas companhias para investir. O temor da irracionalidade dos mercados faz com que empresas adiem suas ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). Cerca de 20 companhias já tiveram autorização da Comissão de Valores Mobiliários para fazer a abertura de capital.

“Estamos vendo um movimento atípico em todo o mundo, porque os governos têm priorizado salvaguardar o lado humanitário, aceitando impacto econômico. É o mais correto a ser feito, pois uma mortalidade em massa provocaria efeitos na economia da mesma forma”, diz Marcelo Giufrida, presidente da gestora Garde.

Plataforma da Petrobras: a estatal perdeu 91 bilhões de reais em valor de mercado em um único dia depois de a Arábia Saudita começar uma guerra de preços de petróleo | Germano Lüders

Em meio ao susto das bolsas, o brasileiro ainda tem de lidar com a disparada do dólar. A moe­da americana já subiu 32% neste ano, chegando a ultrapassar 4,80 reais. O dólar não deve ser encarado como investimento para engordar as reservas da família, mas, para quem planeja férias ou tem compromissos a saldar no exterior, os fundos cambiais são uma boa opção de proteção dos recursos.

Outra maneira de se preparar para viajar para fora é ir comprando dólares aos poucos. O dólar caro pressiona o bolso do brasileiro, mas não apenas. Também tem efeito sobre as empresas que dependem de insumos e produtos de fora. No entanto, mesmo com a moeda americana sendo negociada nas máximas históricas, o impacto na carteira de quem investe nessas companhias tem sido muito maior do que no lucro das empresas.

“É claro que cadeias ligadas ao turismo podem sofrer mais, mas a Gol, por exemplo, anunciou um tráfego bom em fevereiro, mesmo tendo 13% de exposição internacional e suas ações acumularem queda de 50% em 2020”, afirma Renato Ometto, sócio e gestor do fundo de ações Mauá.

A taxa de câmbio deve continuar no centro das atenções por um bom tempo. Em grande parte, a valorização do dólar nos últimos meses é consequência do novo patamar dos juros. Antes da recente ­queda da Selic — que passou de 14,5% para 4,25% ao ano desde 2016 —, o Brasil era destino de especuladores que negociavam títulos atrelados a juros. Mas, com o nível atual da taxa, esse tipo de operação (chamada de carry trade) perde seu propósito.

“Por causa do coronavírus, o Banco Central pode ser estimulado a cortar ainda mais a Selic, até porque a inflação vai continuar muito abaixo do centro da meta. Mas a autoridade monetária precisa deixar mais claro que os juros vão ficar baixos a perder de vista, pois aí as curvas futuras vão refletir isso e a taxa de juro real de fato ficará próxima a zero”, diz Guilherme Abbud, fundador e diretor de investimentos da gestora Persevera.

Giufrida, da gestora Garde: a mortalidade em massa do coronavírus arrasaria a economia | Felipe Rau/Estadão Conteúdo

No mundo inteiro, como sempre, o ouro tem sido bastante procurado como porto seguro em tempos de inquietação. Por ser negociado no mercado internacional, o metal é cotado em dólar, então o avanço da moeda acaba impulsionando os ganhos do ouro.

Os fundos de investimento são a maneira mais prática de aplicar no metal. O investidor só precisa estar atento ao fato de que alguns fundos que aplicam em ouro não fazem hedge cambial. Ou seja, nas quedas do dólar e do ouro, as perdas também são intensificadas, enquanto as perdas só do dólar reduzem parte da rentabilidade do ouro.

Pensar sempre no longo prazo ajuda a amortizar os prejuízos de momentos de extrema volatilidade, como os dos últimos meses. Tentar fazer uma avaliação racional do cenário econômico e político, também. No ano que passou, muitos investidores se deixaram levar pelo desejo de que o Brasil melhorasse repentinamente e não enxergaram que, na prática, o avanço é lento, e errático.

O produto interno bruto cresceu 1,1% em 2019, metade do estimado no início do ano passado. Mais pessimista do que a média dos gestores no Brasil, James Gulbrandsen, do fundo NCH Capital, colocou boa parte do patrimônio em opções de venda de ações, as quais valorizam quando a bolsa cai. Como resultado, os fundos de ações do NCH ganharam de 1% a 8% apenas em 9 de março.

Agora, o gestor vê espaço para uma recuperação dos ativos, cujos preços estão refletindo melhor as perspectivas modestas de crescimento da economia. “Há investidor que quer ganhar uma bolada quando a bolsa sobe, mas, para mim, o melhor é garantir o sono à noite, por isso usamos uma carteira defensiva. Em alguns anos, pode subir menos do que o Ibovespa, mas no longo prazo está ganhando”, diz Gulbrandsen. A moderação é um bom conselho diante do caos.

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