A próxima etapa: André Lahóz, diretor de redação de EXAME, com os governadores Jaques Wagner (BA), Ricardo Coutinho (PB) e Rosalba Ciarlini (RN) (Alexandre Battibugli/EXAME)
Da Redação
Publicado em 30 de maio de 2014 às 13h20.
Salvador - De 2005 a 2008, o mercado imobiliário de Salvador cresceu de 2 557 unidades lançadas ao ano para 17 376. Era o tempo em que o aumento de renda da população, aliado ao financiamento farto, criava um boom no setor. Para dar conta do aumento da demanda, a incorporadora baiana Andrade Mendonça fez uma parceria com a paulista Cyrela em 2006.
Em quatro anos, o faturamento da Cyrela Andrade Mendonça chegaria a 2 bilhões de reais. Parecia perfeito. Em 2007, a nova empresa lançou o Le Parc, na época o maior empreendimento residencial em construção no Nordeste, com 1 138 apartamentos. Em um ano, 1 056 unidades estavam vendidas na planta. Mas, na hora de botar a mão na massa, os problemas começaram a surgir.
Primeiro foi a falta de trabalhadores para erguer os prédios. Para não deixar a obra parada, a construtora passou a aceitar quem quisesse trabalhar. Os efeitos não demoraram a aparecer. “Tivemos de colocar 400 operários para fazer o trabalho de 150”, afirma Antonio Andrade Junior, presidente da Andrade Mendonça.
Pior: esse trabalhador passou a custar cada vez mais caro. Só em 2010 os 2 000 operários do Le Parc conseguiram reajuste salarial de 27% após uma greve. Logo foi a vez de os insumos terem os preços reajustados em até 50%.
Andrade Junior via fornecedores de blocos de alvenaria entregando produtos de baixa qualidade para forçar o rompimento do contrato — com a demanda aquecida, o fornecedor sabia que teria outros clientes dispostos a pagar mais. No fim das contas, os custos das obras subiram, os atrasos vieram.
Os preços foram reajustados e os clientes não gostaram. Aos poucos o mercado esfriou. No ano passado, foram lançadas 3 327 unidades. O episódio deixou uma lição. “No primeiro surto de crescimento forte, o Nordeste não conseguiu dar conta”, diz Andrade Junior. “Se quisermos crescer mais daqui para a frente, vamos ter de nos preparar.”
Criar as condições necessárias para um crescimento sustentável, sem esbarrar em limitadores como falta de mão de obra, é o principal desafio da região nos próximos anos. Essa foi a principal conclusão dos debatedores que participaram do 2º EXAME Fórum Nordeste, realizado em Salvador no dia 15 de abril.
O evento reuniu políticos, empresários e consultores para debater formas de reduzir a desigualdade e aumentar a produtividade da região. Entre os presentes estavam os governadores da Bahia, Jaques Wagner, da Paraíba, Ricardo Coutinho, do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, e o prefeito de Recife, Geraldo Júlio.
Do lado das empresas, participaram como debatedores os presidentes de grandes empresas fundadas na região: a incorporadora Andrade Mendonça, a rede de farmácias Pague Menos, a varejista Riachuelo e a fabricante Baterias Moura.
“As virtudes do Nordeste são enormes, mas os desafios são ainda maiores”, diz o publicitário baiano Nizan Guanaes, sócio do Grupo ABC e primeiro palestrante do dia. “Para se desenvolver, a região precisa de um choque de modernidade.”
Nos últimos anos, o Nordeste viveu um período de euforia. O produto interno bruto regional cresceu a uma média de 4,5% ao ano de 2004 a 2013, enquanto o ritmo nacional no período foi de 3,7%. A classe média avançou — saiu de 20% para 42% da população da região.
Os empregos, que eram tão escassos quanto a água no sertão, hoje são mais abundantes do que mandacaru no semiárido. O Nordeste viu crescer algumas das empresas mais pujantes do país.
O bom momento afastou a imagem de uma região miserável, que provocava pena, e fez com que muitos acreditassem que aquela área ensolarada de 1,6 milhão de quilômetros quadrados — o triplo da França — estava fadada a décadas de crescimento fácil.
Quando parecia que isso ia acontecer, veio o choque de realidade: não havia recursos para aproveitar a bonança. Na verdade, o Nordeste começa a sofrer as mesmas carências que têm travado o crescimento nas regiões mais ricas do país: mão de obra cara, escassa e pouco escolarizada, infraestrutura deficiente e baixa produtividade.
É importante ressaltar: nada indica que a região vai entrar em recessão. Ao contrário. De acordo com a consultoria Tendências, o crescimento médio até 2018 deverá ser de 3,3% ao ano, acima do projetado para o país (2,5% anuais). Mas, cada vez mais, para continuar a se desenvolver, a região vai ter de buscar saídas para contornar os entraves.
Produtividade baixa
Um dos problemas fundamentais da economia brasileira é a notória baixa produtividade. É consenso entre especialistas que é preciso fazer com que cada trabalhador produza cada vez mais. Se nesse quesito o país como um todo vai mal, o Nordeste vai pior. “A taxa de produtividade do Nordeste é metade da nacional”, diz o economista Jorge Jatobá, sócio da consultoria Ceplan.
Isso quer dizer que um trabalhador americano produz o mesmo que cinco brasileiros — ou dez nordestinos. Comparar o Nordeste com os Estados Unidos não é sem sentido. “Precisamos investir e criar diferenciais que nos destaquem na competição global em que estamos inseridos”, diz Geraldo Júlio, prefeito de Recife.
O Nordeste sofre dos dois grandes limitadores da produtividade no país: falta de gente qualificada e infraestrutura incapaz de escoar a produção com eficiência. “Temos como desafio para os próximos anos melhorar a logística e qualificar as pessoas”, afirmou o governador Jaques Wagner. Pegue-se o primeiro problema. Ele tem início na formação escolar deficiente.
O Nordeste é a região que concentra 54% dos analfabetos do país, embora tenha um terço da população. Pode-se resolver esse problema de duas formas. No curto prazo, atraindo pessoal capacitado de outras regiões. No médio prazo, a saída é melhorar a educação.
Segundo Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para ter um ensino público de qualidade o Nordeste precisa de 20 bilhões de reais a mais no orçamento de educação dos nove estados somados — ou mais 1 313 reais investidos por aluno sobre os 3 000 atuais.
Com esses recursos adicionais, seria possível dotar as escolas de itens básicos, mas que hoje estão em falta, como computadores, bibliotecas e boas salas de aula.
“Mas é possível fazer mais e melhor com os recursos disponíveis”, diz Maria Izolda Cela, ex-secretária de Educação do Ceará e responsável por um dos maiores casos de sucesso em educação pública, quando era secretária de Educação do município de Sobral, no interior do estado.
Em 2000, metade das crianças do 5º ano do ensino fundamental em Sobral não sabia ler. Hoje, 96% das crianças terminam o segundo ano conseguindo compreender textos. A receita de Izolda: padronizar o conteúdo ensinado em todas as escolas, criar treinamentos para os professores e estipular metas e bônus por resultado.
Trata-se de uma melhora na gestão do ensino público. “Só dinheiro não resolve os problemas”, diz Priscila Fonseca da Cruz, diretora da ONG Todos pela Educação. “Boa gestão é fundamental.”
O segundo problema que abate a produtividade da região é a falta de infraestrutura. Um estudo da consultoria Macrologística mostrou que o Nordeste gasta por ano 30 bilhões de reais para escoar a produção. Hoje, das 16 principais rotas utilizadas, três são gargalos.
Um exemplo: no trecho da BR-101 que vai de Maceió a Xexéu, em Pernambuco, passam caminhões com 85 000 toneladas de carga por dia — 165% além da capacidade da estrada. Em 2020, 14 desses trechos estarão saturados. Portos como os de Natal, Recife e São Luís também estarão no limite. E o custo logístico da região vai ser de quase 70 bilhões de reais.
Para amenizar os problemas, é preciso investir pelo menos 26 bilhões em nove projetos, incluindo portos, estradas e ferrovias. Com eles, a previsão de custo cairia para 63 bilhões por ano.
“A busca da eficiência logística e da produtividade pode igualar o Nordeste ao resto do país”, diz Juliana Baiardi, diretora de portos e logística da Odebrecht Transport, braço de concessões do grupo baiano Odebrecht.
O que torna o desafio do Nordeste mais difícil do que o de outras partes do país é que a diferença social ainda é maior por lá. Prova disso é que 51% dos 14 milhões de famílias atendidas pelo programa Bolsa Família estão no Nordeste.
“Boa oferta de empregos e investimento em educação são as portas de saída para que as pessoas não dependam tanto do programa, que é bom”, diz Alexandre Rands, presidente da consultoria econômica Datamétrica, de Recife. O crescimento dos últimos anos foi importante, mas insuficiente.
Se em 2002 a região respondia por 13% do PIB nacional, hoje responde por 13,5%. A renda média das famílias nordestinas é 1 717 reais. É a mais baixa entre as regiões do país e 32% menor do que a média nacional, de 2 557 reais. Ou seja, tudo o que aconteceu foi bom. Mas o ótimo ainda está por vir.