Auditório cheio da UFRGS no lançamento do Fundo Centenário, há dois anos (Divulgação/Exame)
Marcelo Sakate
Publicado em 15 de abril de 2021 às 05h41.
Última atualização em 15 de abril de 2021 às 07h13.
A iniciativa de devolver para a sociedade o conhecimento adquirido nas melhores faculdades do país começa a se alastrar, alimentando um ciclo virtuoso em que os bons exemplos se multiplicam. É o caso dos doadores e voluntários do Fundo Centenário, da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS.
O fundo patrimonial (endowment fund, em inglês), ou seja, constituído com o fim específico de gerir os recursos provenientes de doações, acaba de completar oficialmente dois anos de vida, alcançando a marca de 750.000 reais em patrimônio líquido.
A iniciativa reúne ex-alunos da escola que construíram uma carreira sólida ou que enxergam o valor do conceito do giveback e recém-formados, além de outros que ainda estão na faculdade. A meta é chegar a 5 milhões de reais até o fim de 2022.
“Nós sabíamos que a cultura do endowment não era algo tão disseminada no país, mas queríamos ajudar de alguma forma a universidade. E aí conhecemos o pessoal do Amigos da Poli, em São Paulo, e vimos que havia viabilidade para fazermos o mesmo. Decidimos tirar a ideia do papel”, afirma Vitorio Canozzi, um dos idealizadores do Centenário em 2017, quando nasceu a ideia.
Ele e os demais idealizadores, Francisco Simch, Eduardo Prato, Renan Dedavid e Jonas Koch, todos estudantes na época, começaram a se dedicar a entrar em contato com ex-alunos para validar a tese e captar recursos.
Um dos primeiros contatados, egresso da turma de 1984, veio a se tornar uma das principais lideranças do Fundo Centenário e atualmente é o presidente do conselho: é o executivo Cláudio Berquó, sócio do BTG Pactual e ex-presidente do J.P. Morgan no Brasil. Berquó é um entusiasta da causa do conceito de giveback desde os tempos em que trabalhou — por 14 anos — nos Estados Unidos, no próprio J.P. Morgan e no Citi.
Outros ex-alunos que se engajaram ativamente são os empreendedores Marcelo Lacerda e Sérgio Pretto, fundadores da Nutec, uma das pioneiras da internet no Brasil. Berquó, por sua vez, empenhou-se em acionar uma rede de amigos e conhecidos do mercado e do meio empresarial para angariar recursos e o envolvimento na causa.
Os recursos são utilizados para alimentar o patrimônio do fundo e para a concessão de bolsas de permanência para alunos promissores e programas anuais de mentoria, além de apoio a projetos de ensino e pesquisa na esfera da escola de engenharia. “Estamos também estruturando uma comunidade de alumni, tentando trazer ex-alunos para perto da escola e dos estudantes”, afirma Canozzi.
Berquó aponta como desafio a ser superado o convencimento de ex-alunos sobre a importância da causa. “A pessoa se mostra interessada, mas não contribui. E daí não dá para saber se é efeito da pandemia ou se teve alguma dificuldade financeira”, afirma. E cita ainda que falta no país uma cultura mais arraigada de devolver à sociedade o que se obteve por meio da educação.
Para além dessas razões, o executivo cita a tributação (ou falta de incentivos fiscais) como uma das razões para o baixo volume de doações. Enquanto nos Estados Unidos a alíquota do imposto sobre transmissão causa mortis é de 50%, no Brasil costuma variar entre 1% e 8%. “As pessoas lá acabam obrigadas a criar fundações, como a do Bill Gates ou a do Jeff Bezos”, compara.
Mas Berquó diz acreditar no efeito manada causado pela doação de empresários conhecidos, a exemplo do que vê acontecer com outros fundos patrimoniais do país, como a própria Amigos da Poli. A julgar pela experiência do próprio Fundo Centenário, é um caminho que pode ser trilhado.