Cook, da Apple: o desafio é manter a participação nos mercados criados na era Jobs (Justin Sullivan/Getty Images / EXAME)
Da Redação
Publicado em 2 de março de 2013 às 09h57.
São Paulo - "Tivemos um trimestre fiscal que empresas de tecnologia jamais tiveram." Fora de contexto, o trecho do e-mail enviado por Tim Cook, presidente da Apple, a seus funcionários, logo após a divulgação dos resultados financeiros da companhia, em 23 de janeiro, pode ter um tom de comemoração.
Em plena crise mundial, uma empresa deveria estar satisfeita em anunciar uma receita trimestral de 54,5 bilhões de dólares, 18% maior que a do ano anterior. Mas, no caso da mensagem de Cook, o tom era de prevenção. Ele queria evitar que o pessimismo que se espalhou pelo mercado financeiro contaminasse seus funcionários. A reação negativa dos acionistas ocorreu por causa do lucro de 13,1 bilhões de dólares, que não cresceu em relação ao resultado de um ano atrás.
Peter Oppenheimer, diretor financeiro da Apple, justificou a analistas que houve aumento nos custos de produção e lembrou que o primeiro trimestre fiscal de 2013 teve 13 semanas, uma a menos do que o do ano passado. Não foi o suficiente para acalmar o mercado. Em 25 de janeiro, as ações da Apple caíram 38% em relação ao pico histórico, registrado em setembro do ano passado. Em quatro meses, a empresa perdeu 250 bilhões de dólares de valor de mercado, o equivalente a um Google inteiro.
O tombo bilionário de uma empresa com retrospecto tão extraordinário suscitou a questão: quanto da queda repentina nas ações da Apple ocorreu por culpa da própria empresa e quanto foi fruto de um excesso de otimismo do mercado financeiro? Por um lado, a Apple passou por uma série de reveses nos últimos meses de 2012.
A companhia enfrentou uma greve de funcionários de sua fábrica na China e lançou um desastroso aplicativo de mapas, que causou danos à sua imagem. O fato acarretou a demissão de Scott Forstall, vice-presidente de software da Apple e um dos homens de confiança da época de Steve Jobs, o lendário fundador da empresa falecido em 2011. A Apple também teve problemas em atender à demanda do Natal de seus dois principais produtos: o iPhone e o iPad.
Contratempos assim não agradam a investidores mais escolados, já que o mercado de eletrônicos de consumo costuma ser implacável com líderes estabanados. Basta lembrar da finlandesa Nokia e da americana Morotola. Dois símbolos do mercado de celulares nas décadas de 90 e 2000, elas se tornaram coadjuvantes após cometer diferentes erros de estratégia. O principal: não reconhecer em 2007 que o iPhone reinventaria o mercado de celulares.
Mas a Apple não foi a única responsável por sua queda histórica. O mercado financeiro passou 2012 fazendo previsões exageradamente positivas, esquecendo-se de que, como qualquer empresa normal, a Apple poderia sofrer algum revés. Era como se a companhia vivesse num mundo à parte. Em 21 de setembro de 2012, as ações da Apple atingiram o valor histórico de 705 dólares. Um levantamento feito com 60 analistas mostrou que apenas um deles tinha posição de venda para as ações.
Houve quem garantisse que a Apple, que àquela altura valia 661 bilhões de dólares, romperia a inédita barreira de 1 trilhão de dólares em 2014. "Com ações de empresas populares, o mercado se deixa levar pela emoção", diz o americano Oliver Pursche, presidente da corretora Gary Goldberg Financial Services.
O inglês Andy Ash, diretor da corretora Monument Securities, aponta um segundo problema. Com a supervalorização, que chegou a 74% em 2012, os papéis da Apple passaram a ter peso demais nas carteiras dos investidores. Até setembro, não ter ações da Apple significava deixar de ganhar muito dinheiro. "Quando o valor da Apple começou a cair, os investidores precisaram se livrar das ações, o que reforçou a queda", afirma.
Com um Google a menos em seu valor de mercado, a avaliação geral dos analistas é que as ações da Apple estão baratas. A relação entre o valor de mercado e o patrimônio líquido da empresa está entre seis e sete vezes, quando o normal para empresas de tecnologia é ficar na casa das dez vezes. "O reset nas expectativas é positivo para a Apple no longo prazo", escreveu Colin Gillis, analista da corretora BGC Partners.
O desafio de Tim Cook nos próximos anos é defender sua posição de destaque nos mercados de smartphones e tablets, responsáveis por 70% da receita da Apple, além de manter ao menos em parte o ritmo de inovação da era
Jobs. Ou a Apple correrá o risco de reviver um pesadelo de 30 anos atrás. Assim como fez com o iPhone e o iPad, a companhia criou no final dos anos 70 o modelo-padrão para PCs. Uma sucessão de erros de gestão fez com que a Apple fosse atropelada, em apenas oito anos, pela rival Microsoft. Já há quem diga que é o que pode estar ocorrendo com o avanço de Google e Samsung, especialmente no mercado de smartphones. A Apple estaria voltando a ser uma empresa do "mundo real" — com 140 bilhões de dólares em caixa, mas sem Steve Jobs para ajudá-la no futuro.