Revista Exame

Amil x Rede D'Or São Luiz: de quem é esse custo?

Operadora Amil e a D’Or São Luiz, maior rede de hospitais do Brasil, estão em pé de guerra. O motivo: a renegociação das despesas médicas

Claudio Lottenberg, do United Health Group: “Os hospitais são os vilões da inflação médica” (Germano Lüders/Exame)

Claudio Lottenberg, do United Health Group: “Os hospitais são os vilões da inflação médica” (Germano Lüders/Exame)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 4 de julho de 2019 às 05h42.

Última atualização em 8 de julho de 2019 às 15h04.

“Estamos financiando a expansão de cadeias de hospitais privados.” A conclusão é do oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente da subsidiária brasileira da operadora americana de saúde United Health Group, e tem tom de desabafo. A companhia é dona da segunda maior operadora brasileira, a Amil, comprada em 2012 do fundador, o médico Edson de Godoy Bueno. A Amil está envolvida numa disputa com o maior grupo de hospitais privados do país, a carioca Rede D’Or São Luiz, com 45 unidades pelo Brasil.

No início do ano, a Amil começou a descredenciar de sua rede hospitais da D’Or por desavenças em relação ao modelo de pagamento. A Amil afirma que a D’Or não aceitou abrir mão de um modelo de remuneração que tem levado à lona dezenas de operadoras de saúde, conhecido no setor como fee for service. Nesse modelo, o hospital fica liberado para realizar exames e tratamentos e depois manda a conta ao plano. A Amil quer pagar preços fechados por tratamento, num sistema que, na teoria, incentiva a eficiência dos hospitais. Executivos da D’Or, por sua vez, têm dito que a Amil sugere preços que tornam a operação inviável. Afinal, quem deve pagar pelos crescentes custos com saúde? Tanto para a Amil quanto para a D’Or, a resposta é a mesma: a outra.

Os custos dos tratamentos de saúde estão crescendo no mundo inteiro há décadas. No Brasil, a alta acumulada em 20 anos é superior a 400%, o dobro da inflação do  período. No ano passado, a alta foi de 17,3%, ante uma inflação de 3,7%. Nos Estados Unidos, maior mercado de saúde do planeta, a alta em 2018 foi de 5,6%, para uma inflação de 1,8%, segundo a consultoria KPMG. Os motivos são conhecidos e bem-vindos: aumento da expectativa de vida, novas tecnologias para tratamento de doenças complexas e mais eficiência nos diagnósticos. Identificam-se, portanto, cada vez mais doenças, assim como novas formas de alongar a sobrevida de pacientes.

Mas os custos sobem junto. A inflação médica é medida por um padrão que leva em conta o custo médico-hospitalar total. Ou seja, contabiliza não só o aumento de preços como também a adoção de novas tecnologias. É um caminho sem volta. A ciência vai continuar evoluindo; e a população, envelhecendo. No Brasil, um quarto da população terá 65 anos ou mais em 2060. “O custo cresce acima da capacidade de absorção das sociedades”, diz Ary Ribeiro, vice-presidente do conselho de administração da Associação Nacional de Hospitais Privados.

No Brasil, o aumento dos custos foi agravado pela crise econômica. Os planos de saúde perderam 3 milhões de clientes nos últimos cinco anos. A quantidade de hospitais privados no país caiu de 2 000, em 2012, para 1 860, no ano passado. O número de operadoras de saúde passou de 962 para 749 no mesmo período. É um cenário que levou hospitais e operadoras de saúde à calculadora. E que acelerou a busca por novos modelos de cobrança, que incentivem o aumento de eficiência e reduzam o desperdício. É o modelo que a United Health, dona da Amil, tenta implantar globalmente.

A companhia definiu como meta que até 2025 seus aumentos de custos acompanhem a inflação nos países em que atua. Para isso, trouxe para o Brasil o modelo de pagamento adotado nos Estados Unidos — no qual os hospitais não têm carta branca para gastar. Segundo a United Health, 35 grupos hospitalares brasileiros aceitaram a mudança, entre eles os paulistanos Sírio-Libanês e Albert Einstein. “Os hospitais são os grandes vilões da inflação, porque concentram 60% dos custos em saúde”, diz Lottenberg. “Algumas empresas, como a D’Or, não aceitaram nossa oferta e preferiram manter as contas em aberto. Se quiserem voltar a negociar numa metodologia mais justa, estamos abertos.”

A Rede D’Or São Luiz não concedeu entrevista. Executivos consultados por EXAME dizem que o problema não foi o modelo proposto pela Amil, e sim sua agressividade na renegociação. A D’Or, segundo esses executivos, aceitou modelos de conta fechada para atender grupos de pacientes de duas grandes operadoras, Bradesco Saúde e SulAmérica, em contratos que começaram a ser revistos há três anos.

“A mudança partiu das operadoras, e nós aceitamos porque é uma demanda justa e nos traz previsibilidade”, diz um executivo de hospital que prefere não se identificar. “Mas a Amil tem afirmado aos hospitais que quer gastar menos do que no ano passado. É uma proposta inviável, que tenta empurrar para o hospital todo o ônus da inflação médica.” A Amil descredenciou nos últimos meses 17 hospitais que respondem por 30% de suas despesas com a D’Or, um impacto de 500 milhões de reais ao ano. Segundo EXAME apurou, o plano inicial da Amil era descredenciar apenas alguns tratamentos, mas a D’Or endureceu o jogo e forçou o descredenciamento total.

Hospital nos Estados Unidos: a United Health diminuiu em 20% o tempo de internação no país | Rick Wilking/Reuters

A queda de braço, segundo especialistas do setor, tende a ser prejudicial para as duas companhias. “O ideal é buscar ganhos de eficiência em conjunto, para que o paciente saia ganhando. A inflação médica não pode virar apenas uma disputa financeira”, diz Marcelo Carnielo, diretor técnico da Planisa, consultoria especializada em custos hospitalares.

Segundo ele, sobram ineficiências no setor que poderiam ser atacadas conjuntamente. Por exemplo: 28% das diárias hospitalares são usadas por pacientes com alta. A taxa de ocupação dos centros cirúrgicos é de 34%. Quem mais precisa de auxílio na mudança para o pacote de remuneração fechado, nesse contexto, são hospitais menores, menos acostumados a contabilizar custos. “Muitos nem sequer sabem quanto custa uma cesárea”, diz Carnielo.

Individualmente, tanto Amil quanto D’Or têm buscado ganhos de eficiência. A D’Or não compra mais próteses, uma das grandes fontes de elevação de custo. A empresa prefere deixar a compra na mão das operadoras, que podem negociar valores menores — depois, o hospital cobra uma taxa de serviço, que custa de 15% a 20% do valor da prótese. O ganho de escala também tem permitido à D’Or segurar os gastos: nos últimos dois anos, o custo por internação variou menos do que o índice de preço ao consumidor.

A Amil, por sua vez, está levando para o mercado suplementar a figura do médico de família. Já construiu 85 espaços de atenção primária, onde, segundo Lottenberg, 90% dos casos são resolvidos sem precisar do hospital. Nos hospitais americanos, segundo a empresa, o uso mais intensivo de dados já diminuiu em 20% o tempo de internação. A Amil também investiu em um canal de denúncias, que recebeu 11.000 contatos em um ano — destes, 1.200 foram considerados procedentes.

O objetivo é reverter um momento financeiro difícil. O lucro da Amil caiu de 54 milhões, em 2017, para 7,8 milhões de reais, em 2018, enquanto sua taxa de sinistralidade (que mede os gastos médicos na comparação com a receita) subiu de 81,6% para 84,1%.

Suas principais concorrentes, a Bradesco Saúde e a SulAmérica, reduziram a sinistralidade em 2018. Duas novatas que abriram o capital no ano passado, a Intermédica e a Hapvida, são donas dos próprios hospitais e têm as menores taxas de sinistralidade do mercado (na Hapvida, 57,5%). Como resposta, o United Health Group está acelerando a abertura e a compra de hospitais: já tem 35 unidades, cinco delas inauguradas no último ano. Segurar os custos da saúde exige um ataque em várias frentes.

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